Comportamento

Talita Boros Voitch

Pare e escute: programa “Hora Polonesa” é apresentado há 40 anos por locutora de 93

Talita Boros Voitch
28/07/2017 18:00
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Na casa da dona Paulina Ikote Wzorek, em Araucária, o almoço de domingo não pode atrasar. A família já sabe que às 11h30, no máximo, a carne tem que estar na grelha. Enquanto o dia é sinônimo de descanso para muitos trabalhadores, para Dona Paulina – que tem 93 anos — é dia de cumprir o compromisso que mantém há 40 anos com os ouvintes da Hora Polonesa (Godzina Polska), programa de rádio especializado na tradição dos imigrantes poloneses, que vai ao ar das 13h30 às 15h, na Rádio Iguassu (AM 830).
No roteiro tem de tudo um pouco: histórico sobre a chegada dos poloneses no Brasil, aspectos culturais e muita música tradicional polonesa. Algumas partes são, inclusive, faladas em polonês. Dona Paulina faz questão de frisar que estudou para aprender a falar o idioma corretamente. “Nós, os poloneses daqui, falamos metade da palavra em polonês, metade em ‘brasileiro’. Formamos a nossa língua no Brasil. Um dialeto. Nós aqui do Brasil somos poloneses caipiras”, conta, aos risos.
A ideia de criar um programa focado apenas nas tradições polonesas foi do seu marido, Tadeo Wzorek, em 1977. Impossibilitado de continuar trabalhando como caminhoneiro e comerciante após um acidente em União da Vitória, seu Tadeo decidiu comprar um horário aos domingos na então Rádio Cambijú. “Foi do nada, ele nunca tinha entrado numa rádio. Na época, eu fiquei apreensiva. O que você vai falar nesse programa? E ele disse que ia fazer e pronto”, lembra dona Paulina.
Poucos meses depois, a preocupação já tinha ido embora e o casal começou a dividir os microfones. Além de fazer parte da locução, dona Paulina também atendia os telefonemas dos ouvintes, um dos pontos altos do programa até hoje. Muitas pessoas ligam “religiosamente” todos os domingos para pedir música, mandar abraços para parentes ou apenas para ter seus nomes lidos por dona Paulina ao vivo. Estimativas oficiais da família Wzorek mostram que, em média, o Hora Polonesa recebe cerca de 50 ligações todo domingo.
Isso sem contar as visitas, que literalmente aparecem sem avisar na porta da rádio enquanto o programa está no ar. “As pessoas chegam mesmo. Daí me avisam ‘chegou visita’. A pessoa entra na hora da folguinha. Daí eu anuncio, dedico música. É muito bom”, conta dona Paulina com animação. Entre os visitantes, já passaram políticos como Maurício Fruet e Jaime Lerner, além de autoridades polonesas.
É justamente a interação com os ouvintes que dona Paulina mais gosta. Ao lado da filha Rosi Mari, que hoje faz o papel de assistente e cuida dos telefonemas, a radialista diz que recebe “alôs” de muitos lugares e pessoas diferentes. “Temos ouvintes em Curitiba e toda Região Metropolitana. Desde gente muito simples, da roça, até médicos, advogados. Até de piloto de avião já recebemos ligação. Também da Polônia, da Ucrânia, da Argentina, do Canadá e de Londres”, conta. A internet deu outra dimensão ao Hora Polonesa.
Apesar da disposição e do humor que faz dona Paulina uma figura muito interessante, ela conta que ficou insegura ao ter que assumir os microfones sozinha, após a morte de seu Tadeo, em 2004, por problemas cardíacos. “Quando ele faleceu, fui lá na rádio e falei para os diretores que não sabia quem iria contratar para continuar o programa. E ele disseram que não precisava de ninguém. ‘A senhora vem e faz o programa’. Eu levei um susto. Eu sempre ajudei, mas fazer sozinha? Daí eu fui tocando. E olha, está indo bem, hein?”, diz, aos risos.
O roteiro é sempre preparado durante a semana. De ouvido ligado em tudo o que acontece na região e na comunidade polonesa, Dona Paulina toma nota em um caderno, que depois serve como apoio durante o programa. Questionada se não pensa em parar para, quem sabe, descansar um pouco, Dona Paulina é taxativa. “Descanso a gente tem quando morre. Por enquanto eu estou muito bem”, diz.
O máximo que ela faz é tirar um domingo ou outro para ir à praia ou almoçar no Dom Antonio, seu restaurante favorito em Santa Felicidade, com a família. Nestes casos, o programa é gravado antecipadamente, para desespero dos ouvintes que não podem ligar para pedir música ou mandar abraço para os conhecidos. Férias de 30 dias, Dona Paulina? “Nem pensar, minha filha”.
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