Comportamento

Luisa Nucada e Camille Cardoso

Jornalista da Globo sofre ataques racistas no Facebook

Luisa Nucada e Camille Cardoso
03/07/2015 16:49
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Postada na fanpage do telejornal, a foto acima suscitou dezenas de comentários ofensivos. (Imagem: Reprodução)
Internautas publicaram dezenas de comentários racistas em uma foto da jornalista Maria Júlia Coutinho na página do Jornal Nacional no Facebook. A imagem foi postada na noite da quinta-feira (2) e recebeu comentários como “só conseguiu emprego no JN por causa das cotas, preta macaca” e “não tenho TV colorida para ficar olhando essa preta, não”.
A jornalista, que apresenta a previsão do tempo, também sofreu ataques machistas, em comentários que questionavam sua aparência e a chamavam de “vagabunda”.
As manifestações de ódio provocaram indignação na rede social. Em comentários, internautas mostraram apoio à jornalista e repúdio aos ataques racistas. “Acabo de fazer um print de todos os comentários dessa postagem e irei levá-lo às autoridades cabíveis. Racismo é crime”, disse um deles.
“É, atualmente, a melhor apresentadora de previsão do tempo da TV brasileira”, declarou outro, sobre Maria Júlia. Alguns usuários do Facebook trocaram sua foto de perfil por uma da jornalista.
A avalanche de comentários levou os colegas de bancada de Maria Júlia — os âncoras William Bonner e Renata Vasconcelos — a publicarem um vídeo curto de apoio à jornalista na fanpage do programa. O vídeo (abaixo) causou reação no Twitter e no Facebook, com aumento do apoio à hashtag (forma de indexação de assuntos em redes sociais) #SomosTodoMaju. Bonner levou a história para o seu Instagram, postando uma colagem de imagens onde apenas aparecem elogios à colega.
A Globo afirmou, em nota na tarde de sexta-feira, que removeu os comentários ofensivos e que “estuda” procurar a Justiça.
No Jornal Nacional
A jornalista se mamifestou apenas mais tarde, durante a edição do JN desta terça. Maju afirmou que lida com preconceito racial “desde que se conhece por gente”. “Muita gente imaginou que eu estaria chorando nos corredores, mas já lido com isso desde que me conheço por gente. É claro que fico muito triste e indignada, mas não esmoreço, não perco o ânimo. Cresci numa família militante, sei dos meus direitos, e acho importante que medidas legais sejam tomadas para evitar novos casos ataques de mim e outras pessoas, e queria dizer que fiquei muito feliz com a demonstração de amor e carinho que recebi da maioria do público”, disse Maju, que concluiu, com bom humor: “Os preconceituosos ladram, mas a Majuzinha passa”.
O jornal noticiou ainda que uns “50 criminosos” — fala de Bonner — publicaram comentários racistas na página do JN. Segundo o jornal, o caso deve ser acompanhado pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática. Em São Paulo, o promotor Cristiano Jorge dos Santos instaurou inquérito para apurar os crimes de racismo e injúria qualificada.
“Trollagem”
A maioria dos comentários ofensivos parece vir, segundo apurou o Viver Bem, de perfis falsos do Facebook – os chamados fakes. De cerca de 20 perfis de onde partiram comentários agressivos, checados pela reportagem, pelo menos 17 têm fortes indícios de serem falsos.
Entre essas características, estão nomes inusitados, avatares (fotos de perfil) que não representam pessoas (mas personagens de desenho animado, por exemplo); poucos amigos e pouco tempo de participação na rede social.
Além disso, há “comentaristas” que são “amigos” entre si. Também há perfis festejando a repercussão sobre o caso na mídia. Um perfil — que fez na foto publicada pelo JN comentários como “joga para cima, se voar é urubu e se cair é bosta” — desdenhou de denúncias mal-sucedidas, feitas por internautas ao Facebook na intenção de retirar o perfil do ar. “Recomendo que denunciem por nome falso, já que não têm nada mais para fazer”, escreveu.
Outro tem postado links com matérias sobre o fato e recebeu de volta comentários como “kkkkk, tá uma delícia isso, cara”.
No caso de perfis supostamente verdadeiros, vários são administrados por pessoas que aparentam ser menores de idade. Mas também há adultos que afirmam morar em capitais como Recife e São Paulo. Alguns comentários chegam a superar as 70 “curtidas” — que também podem ou não ser falsas.
Crime mesmo assim
De acordo com a coordenadora psicossocial da Safernet Brasil, a psicóloga Juliana Cunha, o fato de os perfis serem falsos não diminui a gravidade das manifestações racistas, que são criminosas.
“O anonimato não elimina o fato de ser um conteúdo racista. Quem dissemina comentários racistas está passível de ser identificado porque a internet deixa rastros. Pode responder pelo crime de injúria racial.”
Juliana relata ainda que são observados dois tipos de manifestação discriminatória nas redes sociais: a espontânea, levada pelo impulso, e a organizada, articulada por grupos motivados por um propósito.
“Os chamados haters [pessoas que usam as redes sociais para fazer comentários de ódio] falam de forma impulsiva. Quando questionados, eles relatam que escrevem e só depois pensam ou nem sempre pensam. Sentem-se encorajados pelo impulso mesmo”, diz ela. “E também há grupos organizados que usam a internet para disseminar ódio”.
Em 2014, segundo a psicóloga, racismo e xenofobia foram as causas da maior parcela de denúncias que chegaram à central da ONG, que presta serviços relacionados a segurança na internet.
Por meio da sua assessoria de imprensa, o Facebook informou que coíbe esse tipo de ação com a ajuda de denúncias de usuários — não há busca ativa. Todas as denúncias são checadas por uma equipe de pessoas (não por inteligência artificial), mas é preciso que a reclamação tenha foco certo para ser efetiva, afirma a empresa. Ou seja, é preciso que o usuário encontre o motivo preciso para denúncia nos campos apresentados no formulário.
Machismo e racismo
Para a ativista do feminismo, blogueira e estudante de arquitetura Stephanie Ribeiro, que também é negra, os ataques a Maria Júlia são manifestações contra mulheres, não apenas raciais. “Acredito que há duas opressões relacionadas”, avalia. “O fato de ela [Maju] ser mulher e negra, e ainda ter posição de poder gera incômodo. As pessoas estão acostumadas a ver mulheres como nós assumindo outros papéis. É recorrente que, quando nos destacamos, as reações sempre são racistas. Numa tentativa de dizer ‘olha seu lugar é esse aqui, e não o que você está’. A luta contra o racismo também está ligada a esse ‘ocupar espaços’ que até então não ocupávamos, como ser a mulher do tempo do Jornal Nacional.”
Isolamento, depressão e tristeza são consequências que mulheres negras podem sofrer com agressões como as que Maria Júlia recebeu. “A gente começa a acreditar ‘que estamos erradas’ e não estamos. Precisamos estar onde queremos estar e fazer o que queremos fazer, até porque é representativo para outras mulheres negras uma Maju naquele local, com aquele cargo, desenvoltura, postura e estética”, diz Stephanie.
“É um ciclo, espero que mais meninas negras se vejam na Maju e queiram alcançar novos espaços como ela. A questão é que estar nesses espaços não é fácil.”
Repercussão
Celebridades também mostraram sua consternação com o episódio em outras redes sociais. No Instagram, Adriane Galisteu escreveu: “Estou horrorizada com o que estou lendo, na página do jornal nacional do facebook [sic]. Repostei por pura indignação e raiva destas pessoas preconceituosas, mal educadas, mal amadas… Espero que o ministério público tome providências… Racismo é crime!”.
Outros famosos também manifestaram apoio, entre eles Otaviano Costa, Carol Castro e Fernanda Souza.
No Twitter, a hashtag #SomosTodosMajuCoutinho é um dos Trending Topics – tópicos populares – no Brasil.