Comportamento
Talita Boros Voitch
Chama o garçom: Lori é o mais antigo funcionário de tradicional restaurante de Curitiba
Lori Francisco da Silva: garçom bom tem que chegar cedo e não ter hora de ir para casa. (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)
Há 41 anos, o jovem catarinense Lori Francisco da Silva pisava pela primeira vez no salão do novo endereço do restaurante Caliceti di Bologna, no número 150 da Rua Carlos de Carvalho, no centro. Ninguém sabia – talvez o patriarca Francesco Caliceti que o convidou para trabalhar até tenha desconfiado –, mas Lori se tornaria patrimônio da casa. Cavalheiro à moda antiga, Lori é querido pela clientela curitibana, que muitas vezes até prefere esperar um tempinho até vagar uma das mesas da área atendida pelo garçom.
Sua extensa carreira no Bologna, onde conhece famílias inteiras por nome, passando por filhos, netos e bisnetos, tem explicação. Para Lori, mais do que uma profissão, atender bem as pessoas é uma vocação. Com voz baixa e sorriso fácil, o garçom leva a sério o trabalho com as bandejas. “Eu gosto de fazer. E fazer bem. Eu não gosto de mandar porque depois quando você vê tem que ir lá fazer de novo”, conta.
Sem clichês, Lori revela sem pensar duas vezes que o segredo para o sucesso está em gostar do que faz. “A segunda coisa é tentar fazer bem feito sempre”, diz. Na sua cartilha pessoal, garçom bom chega cedo e não tem hora para ir embora. Aquelas conhecidas tentativas de apressar o cliente que se estende além do horário entre a sobremesa e o cafezinho não é com ele. “Garçom não pode ter pressa de ir para casa”, afirma.
Nascido em Capinzal, município na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul, Lori diz que se “conheceu por gente” em Monte Carlo, no oeste catarinense. Já atuava como garçom em Camboriú, no litoral, quando recebeu o convite de vir a Curitiba trabalhar na Confeitaria Lancaster, na Praça Zacarias. “Cheguei uma semana atrasado e acabaram preenchendo a vaga”, lembra.
Como já estava aqui, começou a trabalhar no Hotel Lancaster e “frilar” aos domingos no Bologna, recém-instalado na Carlos de Carvalho. Foi logo que seu Francesco gostou do trato do garçom com os clientes e o convidou para ficar como fixo, mas Curitiba em meados da década de 1970 não era gentil com forasteiros. Ainda mais um forasteiro negro.
Pompeu Caliceti, filho dos fundadores do restaurante Francesco e Onelia, diz que na época muitas pessoas reprovaram a escolha. “Meu Deus, o seu Francesco contratou uma pessoa de cor. Naquela época era assim. Foi um choque”, lembra o proprietário. Para fechar a boca dessa gente, Lori se tornou o garçom mais longevo (e querido, por que não) do restaurante.
Questionado se lembra de ter sido discriminado em alguma ocasião pelos clientes do restaurante, Lori garante que não. “Pode até ter tido algum que não era muito simpático a minha pessoa, mas não por discriminação. Às vezes a gente não tem afinidade mesmo”, diz.
Neste caso, o garçom jura que existe mesmo afinidade na relação profissional-cliente, totalmente moldável, é claro. “Tem gente que gosta que você converse. Tem gente que faz questão do contrário, que você não puxe papo. Então o garçom tem que ter essa percepção. É assim que surge a afinidade”, diz.
Segundo Lori, a dica básica para o garçom novato é a seguinte: cliente que você nunca viu, nunca chegue conversando. “Isso vale principalmente para línguas frouxas como eu”, diz, aos risos. No decorrer do almoço ou jantar, ele diz, as coisas ficam mais fáceis. “A maior parte dos clientes faz questão de conversar, mas eu gosto mesmo é de atender famílias com criança. Eu tenho facilidade em lidar e elas gostam de mim”, diz.
Perto de completar 67 anos, Lori afirma que ainda não pensa em deixar o avental e as bandejas de lado. “A perna que vai dizer até onde eu posso ir, mas aqui é um lugar que eu me sinto bem. É quase como minha casa”, diz. Bem da verdade é que Lori é daqueles românticos que enxerga a vida pelo lado menos feio.
Dar uma atenção especial, puxar a cadeira para uma senhora, colocar o casaco no ombro dos clientes são práticas que ele mantém no seu dia a dia, sem esforço ou artificialidade. “Não me dá nenhum trabalho. Pelo contrário, é um privilégio fazer isso”. Afinal de contas, os clientes também muitas vezes têm de ser tolerantes com seus pecados, ele diz. Pecados? “Principalmente agora que eu estou mais velho. A pessoa pede várias bebidas e eu troco alguma, ou esqueço. Acontece.”
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