Comportamento

Bruna Covacci

Mães de crianças com Down contam o que aprendem diariamente com os filhos

Bruna Covacci
03/11/2016 15:16
A vida pode mudar num instante. Foi assim com Liziane Braga Manzolli, 48 anos. Depois de uma gestação com suporte e acompanhamento necessário de pré-natal, ela teve uma surpresa no nascimento da sua única filha, Camila Braga Manzoli, hoje com 15 anos.  “Nada mais foi como era antes. Precisei puxar o freio de mão e repensar prioridades”, diz. Liziane, que trabalhava na área gerencial de um banco e tinha planos para subir na carreira. No entanto,  escolheu deixar a vida profissional de lado para se dedicar à maternidade. “Percebi que isso era mais importante. Passei a trabalhar só seis horas (antes ela trabalhava oito) e não me arrependo de forma alguma dessa decisão porque tive um enorme progresso pessoal”.
Liziane e Camila aproveitam o dia na piscina. Foto: Arquivo Pessoal.
Liziane e Camila aproveitam o dia na piscina. Foto: Arquivo Pessoal.
Camila ensina a mãe todos os dias, por meio de gestos simples e tocantes.  “Ela me mostrou o quanto é recompensador estar ao lado de quem você ama. Fez-me trabalhar o desprendimento, fazer mais pelos outros e deixar de ser egoísta”, comenta. E se paciência é uma virtude difícil nos dias de hoje, quem tem Camila por perto pode agradecer pela força extra: “o tempo dela é diferente do nosso. Exercitamos muito isso, sem cobranças. Percebo que muitos pais colocam seus filhos em inúmeras atividades no contra turno, como judô, balé, tênis, natação, inglês… Mas não percebem se é isso que a criança gostaria. Tudo tem uma hora certa para acontecer”, ressalta.
Selfie na hora do lanche. Foto: Arquivo Pessoal.
Selfie na hora do lanche. Foto: Arquivo Pessoal.
Marilê Ana Bravo, 46 anos, fez estágio com crianças com Síndrome de Down. Ela acredita que a experiência diminui o receio ao receber a notícia de que sua filha mais nova, Ana Bravo Penas, 4 anos, era portadora da síndrome. Mãe de outros dois meninos, Eric Bravo, 22 anos e Mateus Bravo, 21 anos, ela acredita que a chegada de Ana mudou a visão de todos os integrantes da família. “A gente passa a vida querendo mudar a rotina e não tem coragem, ela me deu força e motivação para transformar tudo radicalmente”, diz.
A família se diverte junto com Ana. Foto: Arquivo Pessoal.
A família se diverte junto com Ana. Foto: Arquivo Pessoal.
O bom humor com que acorda todos os dias também serviu de inspiração para Eric, que acordava sempre mal-humorado. “Ela está sempre feliz. Parece que não repara ou não se importa com as pedrinhas que surgem no seu caminho”, disse. Além de Down, assim que nasceu a pequena foi diagnosticada com uma cardiopatia e um problema no pulmão. “No começo foi difícil. Ela dormia sentada na cama porque, se deitasse, poderia sentir falta de ar”. Para se recuperar, além da cirurgia, todos os dias, Marilê faz com Ana exercícios de estimulação com música, leitura e libras. Para cuidar da filha, a mãe passou a trabalhar em casa e, juntas, para complementar a renda, as duas fazem bolos e doces. “Ela tem batedeira, panela e colher. É uma graça!”, conta.
Mãe e filha, sintonia fina na cozinha. Foto: Arquivo Pessoal.
Mãe e filha, sintonia fina na cozinha. Foto: Arquivo Pessoal.
“Ela me ensinou a não julgar as pessoas. Trata todo mundo de um jeito sincero, com amor e carinho. Adora todo mundo: a professora, os irmãos, o vizinho, o mendigo. É tão bonito!”, finaliza.
Mãe e filha. Foto: Arquivo pessoal.
Mãe e filha. Foto: Arquivo pessoal.
Ajuda necessária
A Associação Reviver Down, em Curitiba, tem mais de 3 mil pessoas cadastradas e que são atendidas em seu ambulatório. A presidente da associação, Marlene Dias Carvalho, 60 anos, começou a lutar pela causa quando viu a dificuldade que era saber como estimular a sua filha, Mayara Dias Carvalho, com 29 anos e que trabalha como assistente administrativa. Segundo ela, poucas pessoas que têm filhos com a síndrome sabem a melhor forma de ajudá-los. “Para se tornar um adulto com vida normal, a criança com Down precisa ser estimulada logo depois do nascimento”, explica. Exercícios que melhorem o tônus muscular, que auxiliam a ter força para segurar a cabeça e desenvolver habilidades que ajudem a sugar a chupeta e a mamadeira são essenciais. Além disso, é preciso fazer exames e monitorar a criança para ver se ela não tem outra doença associada.
Mayara e Marlene em momento de comemoração. Foto: Arquivo Pessoal.
Mayara e Marlene em momento de comemoração. Foto: Arquivo Pessoal.
“Eu fui vítima de desinformação. A estrutura que existia na época que Mayara nasceu é completamente diferente do que temos hoje. Eu não sabia o que era a síndrome ou o que eu deveria fazer. Quando eu comecei a estimulá-la corretamente já tinham se passado quatro meses da sua vida. Isso é significativo para a vida adulta dela”, diz. Para Marlene, quando você tem um filho com qualquer tipo de deficiência, é necessário aprender a lidar com ele. Você se dedica muito mais e entende que você vai dar muito e pode não receber nada em troca. “Mas tudo o que você receber vai valer a pena. Tudo. Eu me lembro de comemorar até um jeito diferente de ela mexer os olhos. As pessoas pensavam que eu era doida”, lembra. Para ela, a maior lição é que tudo o que importa é a felicidade do filho.