Comportamento

Flávia Schiochet

Os locutores de loja que movimentam o comércio e fazem a Rua XV soar diferente

Flávia Schiochet
24/10/2018 12:00
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É comum cruzar com vários locutores de loja em ruas de comércio do centro, especialmente no calçadão da Rua XV de Novembro. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Dá para dizer que eles são parte indissociável do comércio de rua: de microfone na mão e munidos de uma voz impostada e simpatia, os locutores de loja anunciam as promoções do dia: “É isso mesmo! Lindas regatinhas e blusinhas a partir de R$ 14,99!”. Basta uma caminhada no calçadão da Rua XV de Novembro para constatar que a estratégia não cai em desuso: várias lojas mantém caixas de som à porta, de onde ecoa música pop e, em algumas delas, uma narração de preços.
Do calçadão XV, uma cabeça assoma por trás de uma pilha de caixas de sapato. O amplificador à porta projeta a voz de Johnny Fernando, de 27 anos, que trabalha como locutor de loja há sete anos. Seu dia de trabalho geralmente começa às 11h — quando ele chega com sua própria caixa de som e microfone à loja — e vai até as 18h, com intervalo para almoço e goles d’água. Passa as sete horas elencando uma promoção atrás da outra: sandálias, botas, chinelos a preço popular. Ao final de uma semana intensa de trabalho, é normal que a garganta comece a falhar. “Quando a voz começa a falhar, mastigo gengibre”, diz.
Johnny Fernando trabalha há sete anos como locutor de loja. Atua também como ator amador e gosta de inventar personagens. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Johnny Fernando trabalha há sete anos como locutor de loja. Atua também como ator amador e gosta de inventar personagens. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Johnny começou a trabalhar com a voz aos 18, quando mantinha um programa em uma web rádio. Gostou da experiência. Ator amador, ele cria personagens como a Marilyn do Morro, que ainda encarna em alguns trabalhos como locutor de loja. Durante a tarde de uma segunda-feira, ele trabalhava “de cara limpa” em uma loja de calçados. “Eu gosto de trabalhar com humor, teatro de rua e fazer as pessoas sorrirem”, diz Johnny, que quer estudar artes cênicas e trabalhar como ator de teatro.

Efeito desejado

A ideia de colocar alguém para anunciar em alto e bom som as promoções do dia não é nova, mas mesmo assim faz efeito, garantem os gerentes. A locução chama a atenção mesmo de quem não está à procura do produto anunciado. A “espiadinha” na loja, no entanto, pode converter em vendas, especialmente nos primeiros dias do mês, quando é época de recebimento de salário. Já os profissionais da voz podem ganhar por diárias — uma média de R$ 80 — ou serem contratados como vendedores.
A gerente Larissa Median intercala na narração de promoções com Felipe Lobato, contratado pela loja recentemente. A estratégia aumenta as vendas consideravelmente. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A gerente Larissa Median intercala na narração de promoções com Felipe Lobato, contratado pela loja recentemente. A estratégia aumenta as vendas consideravelmente. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Sem locução, as vendas caem pela metade. Ele fala os valores mais baixos, e aí o cliente entra interessado no preço e acaba levando mais que um item”, assegura Larissa Median, gerente da Lojas Mega 10 Barato Mania. O “front man” da loja é Felipe Lobato, de 20 anos, que está começando na área.
Há menos de um ano de microfone na mão, Felipe teve de perder a vergonha na marra: era tímido e tremia ao falar quando começou: “Tava procurando emprego porque minha filha nasceu. E encontrei esse aqui”, conta. Agora mais acostumado com a exposição, ele diz que outros locutores das lojas vizinhas elogiaram sua voz e seu desempenho. Ele intercala a narração de preços baixos com a gerente Larissa. “Não tenho nenhuma técnica, eu nunca tinha feito isso”, confessa, mas é possível notar que eles “sorriem” com a voz.
Felipe Lobato tem 20 anos e começou há menos de um ano a ser locutor de loja. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Felipe Lobato tem 20 anos e começou há menos de um ano a ser locutor de loja. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Apesar de novato, ele considera continuar na área. “Tô planejando fazer uma aula para preparo de voz com uma locutora que já faz isso há anos, ela trabalhava aqui do lado, na Via Anzi”, completa Lobato. Para cuidar da voz, Felipe testa todo tipo de indicação que recebe: come chocolate, toma chá de gengibre, faz gargarejo de água com limão. “Também me indicaram ferver uma cebola inteira e colocar ela no pescoço, aqui na frente da garganta”, conta rindo. “Funciona. Um locutor aqui da Rua XV que me deu essa dica”. Prontamente, Felipe volta para o trabalho: “E olha só, hein, galerinha! Só rola preço baixo!”, anuncia, citando sandálias a R$ 19,99.
Miguel Gomar, proprietário da Bota no Pé Calçados, que fica a 100 metros da Barato Mania, voltou a contratar um locutor há cerca de dois meses. “Eu prefiro contratar quem tem disciplina e sabe da lei”, explica Gomar, referindo-se à Lei Ordinária Municipal 10.625/2002, que proíbe equipamentos sonoros no logradouro público, mas permite dentro do comércio, desde que o som não passe de 60 decibéis.

Quem não tem cão…

A poucos passos da Praça Zacarias, uma caixa de som projeta a promoção do dia no intervalo de uma playlist de música pop. “É só hoje!”, alardeia a voz, falando de alguma promoção de eletrodoméstico. Não há locutor presente.
Sem presença física: nessa unidade da loja, os arquivos de áudio são gravados diariamente por um locutor contratado. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Sem presença física: nessa unidade da loja, os arquivos de áudio são gravados diariamente por um locutor contratado. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A mensagem, que muda todo dia, é um arquivo de áudio recebido no início do expediente. Todas as noites, a gerente da unidade da Magazine Luiza Jéssica Woss passa uma lista de preços promocionais para um locutor cuja alcunha é Lobão. “Ele nem mora aqui. Mora em Santa Catarina. Quando ele manda o arquivo, passamos para um pen drive e colocamos no aparelho de som para tocar”, conta a gerente. “Mas não é uma prática da rede. Aqui nessa loja eu sei que já tem há três anos”.

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