Comportamento

RBS, por Camila Kosachenko

Ciclista brasileiro que conheceu o papa busca ajuda para expedição na Antártica

RBS, por Camila Kosachenko
16/03/2019 08:00
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Para se preparar para a aventura, o brasileiro investiu em treinamentos solitários no norte da China, na Sibéria e na Noruega. Foto: Arquivo pessoal.

Um “louco normal” ou um “pássaro livre”, como se autodescreve, que já percorreu 18 países em cima de uma bicicleta, que contou com a hospitalidade de desconhecidos e que já foi recebido pelo papa Francisco no Vaticano. Aos 35 anos, o ciclista Leandro Martins, que deixou o Rio Grande do Sul há 13, prepara-se para uma nova e ainda mais desafiadora aventura: pedalar pelo rigoroso continente antártico, percorrendo 1,8 mil quilômetros a uma temperatura de -45°C.
Natural de Porto Alegre, ele começou cedo a jornada longe do ninho. Com 22 anos, foi para o Chile, depois, zarpou para a Holanda, onde morou por sete anos. Foi no país europeu que se encantou pelas magrelas e conheceu o cicloturismo, modalidade na qual se viaja sobre duas rodas. Estabeleceu uma meta de que, em quatro anos, quando completasse 30, sairia pedalando por diversos países. Partiu com três dias de atraso rumo à experiência que o transformou completamente.

“Foi uma experiência fantástica. Não existe outra forma mais fascinante de conhecer o mundo. De carro, avião, trem ou ônibus, você o vê pela janela. De bike, o mundo está ao seu redor. Sente-se o cheiro, a vibração do lugar, e as pessoas são maravilhosas” descreve, com entusiasmo, em entrevista por telefone.

O roteiro de 14 mil quilômetros começou na Europa, com direito a encontro com o papa Francisco durante passagem pela Itália, em 2013. “Falamos do Rio Grande do Sul, ele disse que conhece Porto Alegre. Falamos da tragédia na Kiss, e ele lamentou que não poderia visitar Santa Maria (à época, o Papa viria ao Brasil). Ele olhou para a bike e disse: “A vida é louca”. Me sinto mais aliviado depois que ele disse isso”, relembra Martins, rindo.
Leandro Martins foi recebido pelo papa Francisco, no Vaticano, em 2013. Foto: Arquivo Pessoal
Leandro Martins foi recebido pelo papa Francisco, no Vaticano, em 2013. Foto: Arquivo Pessoal
O tour ainda passou por parte da África e terminou na Ásia, de onde ele voltaria para Porto Alegre. Mas quando chegou em Xangai, onde tinha amigos, foi convidado a dar aulas de inglês por seis meses. Esse período virou um ano e, hoje, somam-se cinco anos na função. Trabalhando em período integral em um jardim de infância do país, onde ensina a língua inglesa para os pequenos, seu dia é todo esquematizado: acorda às 7h, dorme por volta das 22h e desdobra-se para tocar as aventuras.
“Trabalho no projeto da expedição, busco patrocínio e treino. Não dá tempo nem de fritar um ovo”, diz. Para assumir as rédeas do novo desafio pelo continente gelado, convocou a mãe, que, desde o Natal passado, mudou-se para a China e tem ajudado na organização da viagem. Ao acompanhar as informações sobre a morte do britânico Henry Worsley, em 2016, enquanto tentava atravessar sozinho a Antártica, Martins ficou impressionado com a aventura que jamais imaginava ser possível:

“Achava que só militares ou pesquisadores poderiam visitar o local. Fiquei fascinado por uma expedição na Antártica”.

Da tentativa de Worsley, tirou a inspiração para sua nova jornada. Iniciou pesquisas e encontrou o nome de Daniel Burton, considerado o primeiro indivíduo a completar uma expedição da costa da Antártica ao Polo Sul de bicicleta. Após conversarem muito, Burton foi para a China, em 2017, e ajudou o gaúcho a planejar o desafio. Mas um banho de água fria veio quando a operadora que trabalha na logística e no suporte da aventura avisou que o projeto não seria aprovado em razão da falta de experiência de Martins.
Preparação para jornada
Para não deixar de lado seu sonho, o brasileiro correu contra o tempo e investiu em treinamentos solitários no norte da China, na Sibéria e, depois, acompanhado da guia Hannah McKeand, na Noruega. “Atravessei o lago Baikal, na Sibéria, a -30°C. Só de tirar a mão da luva fiquei com as pontas dos dedos queimados”, conta.
A preparação já começou. Foto: Arquivo pessoal
A preparação já começou. Foto: Arquivo pessoal
Com experiência e condicionamento garantidos – ele pedala cem quilômetros, duas vezes por semana, além dos treinos de musculação–, Martins busca, agora, patrocinadores para levar a cabo sua fria empreitada. Ele não menciona valores, mas afirma que é necessário muito investimento para a viagem de dois meses no meio do gelo, que exige acompanhamento de uma equipe, estimada em cinco ou seis pessoas.
“São 60 dias, não tem como carregar 130 quilos de mantimentos e equipamentos. É impossível, tecnicamente, ir sozinho. Eu estarei pedalando, e eles (a equipe de apoio) estarão lá só para carregar as coisas, serão invisíveis. É uma expedição solo. Além disso, para chegar ao local, é necessário estar a bordo de um avião russo especial para pouso no gelo, ampliando os custos.
Foto; Arquivo Pessoal
Foto; Arquivo Pessoal
Ainda que não tenha fechado os custeios da aventura, Martins planeja partir rumo à Antártica entre outubro e novembro deste ano. Inquieto, não pretende parar e já antecipa suas próximas ideias:

“Quero fazer uma expedição na África. São tantos projetos que pretendo fazer enquanto tenho tempo. Depois que você cria raízes, não tem como largar tudo, e agora eu posso me permitir viver as aventuras que quero sem me preocupar”, diz.

Mesmo que os planos de criar raízes ainda não estejam próximos, não tem dúvidas sobre seu destino final: “Meu lugar para criar raízes sempre é o Rio Grande. Faço minha casa onde estou, mas “casa, casa” é o Rio Grande, Porto Alegre, e é para lá que vou voltar, mas não sei quando”.
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