Comportamento

Marcel Hartmann, Agência RBS

Como organizar a sua vida em 2019 e dar fim à bagunça física e mental

Marcel Hartmann, Agência RBS
03/01/2019 08:00
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Estar em um ambiente desorganizado afeta concentração e produtividade. Foto: Bigstock.

Pode espalhar para amigos e familiares: a bagunça faz mal para a saúde. Tente focar-se em uma leitura profunda em um quarto bagunçado há dias, com louça e papéis espalhados pelo chão. São grandes as chances de você dispersar-se e enfrentar problemas para relembrar detalhes do que leu.

Há uma explicação: o ambiente interfere em nosso pensamento. Além de espaço físico, a bagunça ocupa espaço mental. Essa persistente pulga atrás da orelha contribui para ansiedade, desatenção e até esquecimento.

A ciência já sabe que uma mesa de trabalho caótica tem raízes nas conexões que fazemos dentro do cérebro. A maneira como o ambiente é disposto tende a expressar como a informação na mente é armazenada. Ou seja, os mais bagunceiros são “desorganizados” dentro da própria cabeça.
“Pensamos antes de verbalizar, e essa linguagem não é linear como a verbal: é uma linguagem que traduz nossa própria experiência de mundo, nosso pensamento antes de ser convertido em palavras ou imagens mentais. A estruturação do pensamento, inclusive, tem aspecto quadrimensional, porque inclui as três dimensões do espaço mais o tempo. Se o mundo lá fora tem um grau de desorganização grande, as bases criadas para a formação do pensamento serão também mais desorganizadas” explica Álvaro Machado Dias, professor de neurociências na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor-geral do Centro de Estudos Avançados em Tomadas de Decisão.

Organização necessária

Para a psicanálise, o mundo é caótico: nós é que damos uma ordem artificial à realidade quando criamos “esquemas” de ordem. Esses padrões, aprendidos com a sociedade, são necessários à mente humana porque trazem a sensação de que dominamos a natureza. Ao dizer que camisetas devem ser dobradas e não atiradas, por exemplo, aplicamos no mundo exterior uma ordem que só existe na nossa cabeça.

Essa habilidade é extremamente importante para a vida em sociedade: além de ajudar na convivência (a desordem é ruim para sobreviver em grupo), também ajuda a lidar com sentimentos inesperados. Quando a criança é ensinada desde cedo a guardar brinquedos, aprende que precisa conter impulsos e descobre como dar ordem à desordem. Mais tarde, saberá lidar com o imprevisto.

“Organizar-se é entrar em um esquema cultural. Uma pessoa com quem você consegue conversar demonstra um esquema interno. Tem gente que não consegue conversar ou se manter em um assunto porque não tem organização interna, porque não foi obrigada pelo ambiente a se civilizar. É uma pessoa que vive por impulsos, joga a roupa para um lado, deixa o copo na mesa, come comida e não limpa o prato. Organizar inclui ter hábitos que demonstram que o indivíduo sabe reter experiências e entender normas do mundo” diz Eliane Nogueira, psicanalista diretora científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPOA).

Desorganização gera improdutividade

Sabe aquela história de que o bagunceiro se encontra na própria bagunça? Para a consultora organizacional Rosângela Campos, da Domus Organizzare, isso é balela. No fim das contas, o indivíduo perde tempo enquanto procura o que precisa e torna-se improdutivo.

“Quando você se organiza, a mente fica mais aliviada. A ordem remete ao belo. Quando organizo, tenho a sensação de tarefa cumprida. Ao abrir o armário, é ele quem determina como será o dia. Encontrar a camisa amassada e precisar trocar já impõe um início de dia com pequenas angústias. Com a agenda também: sem organização, você sobrecarrega a mente, esquece as coisas e se frustra” diz.

Acúmulo

Ter muitas coisas também atrapalha a nossa organização: Foto: Phil Hearing/Unsplash.
Ter muitas coisas também atrapalha a nossa organização: Foto: Phil Hearing/Unsplash.
Na prática, um grande inimigo da ordem física é o acúmulo de objetos, comprados muitas vezes por impulso. Nem mesmo Steve Howard, executivo-chefe da Ikea, uma das maiores lojas de móveis para casa do mundo, defende que sigamos no ritmo atual de consumo. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, ele afirmou que a humanidade chegou ao pico de acúmulo de bens – inclusive de móveis, o foco do negócio em que atua.
Ser acumulador em excesso pode até ser classificado como uma doença mental: o DSM-5, a bíblia de consulta de todos os psiquiatras do mundo, tem uma descrição específica para esse hábito nocivo.
Quem também percebeu a relação entre bagunça física e caos mental foi a guru japonesa da organização e best-seller mundial Marie Kondo. Ela defende que o primeiro passo para ordenar a vida é ordenar o lar. Para isso, prega um estilo de vida minimalista.

“Comece descartando coisas. Em seguida, organize o ambiente inteiro, completamente, de uma só vez. Se você adotar essa estratégia, a desordem nunca mais voltará a se instalar”, escreve no livro “A Mágica da Arrumação” (Editora Sextante).

A técnica se baseia na filosofia tokimeku – em japonês, “transmitir alegria”. Marie pede que, ao deparar com um objeto dentro de casa, você se pergunte: “Isso me traz alegria”? Se a resposta for positiva, guarde-o em um lugar à vista. Caso contrário, agradeça por tudo e passe-o adiante.
Marie Kondo argumenta que, ao discernir o que transmite alegria na rotina, é possível saber onde buscar a felicidade. Descartando o superficial, a japonesa prega manipular o ambiente para, em última instância, influenciar o funcionamento do cérebro. “Quando você põe a casa em ordem, também organiza suas questões e seu passado. A consequência é que você passa a distinguir com mais clareza o que é essencial e o que é inútil, assim como o que deve e o que não deve fazer”, escreve a japonesa.

Não à bagunça mental

Calendar planner agenda schedule concept. Woman working in her office, planning. Freelance, graphic designer
Calendar planner agenda schedule concept. Woman working in her office, planning. Freelance, graphic designer
Organizar a mente: eis um ponto importante para alcançar bem-estar e plenitude. Evite a procrastinação, um sintoma que assumiu ares tecnológicos na modernidade em função dos estímulos que recebemos com smartphones. No fundo, enrolar revela dificuldade em pôr à prova as próprias habilidades.

“Há uma tarefa, mas surgem temores internos de não ser capaz de realizá-la. A pessoa posterga a realização para adiar o julgamento externo sobre seu desempenho. Há o medo do fracasso. Em outras palavras, é o temor do desamor” analisa o psiquiatra Cláudio Meneghello Martins, diretor secretário da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

O Réveillon é a ocasião das promessas, grande parte delas naufragadas no oceano de expectativas. O grande problema, diz a consultora organizacional Rosângela Campos, é criar listas com objetivos absurdos que, muitas vezes, não são nem viáveis. A dica é, também aqui, ser minimalista.
“Com listas grandes, a tendência é não cumprir. O ideal é listar, no máximo, seis itens. Temos 12 meses, então são dois meses para cumprir cada objetivo. Se você botar muita coisa, inevitavelmente irá se frustrar” diz.
Mas, fique calmo: a desorganização não é caso perdido e a bagunça mental pode ser ajustada. Primeiro, tenha noção das prioridades. Quebre um grande objetivo em etapas menores. Ser fluente em inglês é um grande objetivo. Mas o que você precisa fazer antes? Busque metas plausíveis: pesquisar cursos, inscrever-se em uma escola, estudar tantas horas por semana…
É importante ter perspectiva: o que irei buscar na frente e que é viável?”  acrescenta o psiquiatra Martins, da ABP. “É bom pensar no que não foi concluído neste ano e tentar concluir o que ficou para trás e buscar metas alcançáveis. Por que desejo mudar de trabalho? Quero salário? Satisfação?” sugere.

Desordem também faz bem

Não deixe o estresse subir à cabeça se você simplesmente não conseguir arrumar completamente a casa inteira ou a mesa de trabalho. De fato, impor uma organização total ao ambiente é praticamente uma utopia. É impossível controlar todos os fatores externos, o mundo vaza pelos nossos dedos. Além disso, a ordem extrema impede que você pense fora da caixa.
É o que defende Álvaro Machado Dias, professor de neurociências na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ambientes muito limpinhos, diz ele, de fato ajudam a estruturar o pensamento. Mas isso pode prejudicar a criatividade, que surge do inesperado:
“A desordem é um estado de não linearidade. Mas se engana quem acha que a desorganização só tem aspectos negativos. Claro que, se você vive em um caos, sua criatividade cai, porque você não tem o mínimo de estrutura para pensar. No entanto, ambientes extremamente organizados desestimulam ousadia. A organização máxima é o próprio reflexo do tédio. Se você organiza sua vida como uma caixa, você não pensa fora da caixa. A desordem produz profissionais melhores do que a ordem absoluta”.

Para se organizar

Alguns passos ajudam a deixar a vida e a casa em ordem. Confira:

Casa

Curso vai ensinar a organizar o guarda-roupa.
Curso vai ensinar a organizar o guarda-roupa.
– Esvazie seu guarda-roupa e repare a quantidade de itens. Você precisa de tudo? Você usa todas as peças? Doe aquelas que não te deixem alegre.
– Para Marie Kondo, a arrumação precisa seguir um caminho: roupas, livros, papelada, itens diversos e objetos de valor sentimental.
– Dica de Marie Kondo: não use roupas velhas para ficar em casa. O argumento da guru é que passamos um tempo considerável dentro do lar. Usar objetos desgastados demonstra que desvalorizamos esse período saudável de solitude.
– Organize por categoria, não por cômodo. Limpar apenas o quarto pode resultar em mover objetos dali para o escritório. Se você focar em um tipo de item (roupas, livros), precisará amontoá-los em um cômodo, dar-se conta do que é supérfluo e aí fará algo a respeito.
– Deixe na sala de estar somente o que é da sala. Documentos podem ficar no escritório, e medicamentos, no guarda-roupas.
– Não obrigue seu filho a doar coisas que não usa com tanta frequência. Deixe que ele decida, sem pressão. Não exija organização em excesso – isso pode ser um bloqueador para mais tarde.
– Agrupe brinquedos por tipos: mantenha todas as bolas juntas, assim como as bonecas, os carrinhos e assim por diante.

Rotina

Coloque no papel (ou no aplicativo do celular) os objetivos que são alcançáveis e quantificáveis (Foto: Bigstock)
Coloque no papel (ou no aplicativo do celular) os objetivos que são alcançáveis e quantificáveis (Foto: Bigstock)
– Faça logo o que é fácil. A tarefa vai levar menos de 90 segundos? Vá com tudo. A sensação de liberdade compensa o incômodo de ver a cama desarrumada ao chegar em casa.
– Coloque tarefas em uma lista e risque cada uma quando for completa. Ao pôr as preocupações no papel, você as retira da cabeça. Quando finaliza, fica com sensação de alegria.
– Foque em uma tarefa de cada vez e termine-a em vez de realizar várias ao mesmo tempo. O sentimento de recompensa ao término de cada objetivo dará um gás para continuar.
– Não trace objetivos absurdos. Quer ganhar mais dinheiro? Fatie a meta em porções menores: primeiro é preciso fazer um curso para se qualificar, depois trocar de emprego ou pedir uma promoção.
– Há aplicativos que ajudam a organizar as tarefas do dia a dia. O Stay Focused, por exemplo, bloqueia apps do celular após você ter gastado o tempo pré-definido em um único dia.
– Se você reclama de falta de tempo, talvez precise delegar tarefas. Muitas vezes, a desorganização pode resultar do acúmulo de responsabilidades por necessidade de centralização.
– Escolha uma época do ano para realizar exames médicos. Assim, você concentra tudo em um período e não se sente em dívida.
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