Comportamento

Larissa Roso, da Agência RBS

Pais também devem readaptar sono e alimentação após férias escolares

Larissa Roso, da Agência RBS
19/02/2019 07:00
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Adultos devem ir para cama na mesma hora que as criancas Foto Bigstok

Logo que começam as férias, vem aquela ilusão de que terão a duração da eternidade: serão uns dois meses longe da sala de aula, do uniforme, dos livros, das provas, do horário rigoroso para ir para a cama e, principalmente, para se levantar pela manhã. Férias escolares combinam com uma rotina solta, mais atividades de lazer e menos rigor no cumprimento de tudo aquilo que os pais cobram durante o ano letivo.
Mas, como chegou a hora de dizer adeus à alegria descompromissada do verão – muitos estudantes, inclusive, já estão em aula –, é preciso também promover uma readaptação da alimentação e dos hábitos de sono para que esse recomeço seja mais tranquilo.
E não basta que apenas a criança ou o adolescente voltem a entrar no modo de operação regular – toda a família precisa se envolver na nova rotina para ter resultados efetivos. Quanto maior o desregramento permitido durante as férias, alerta a nutricionista Magali Martins, maior é a dificuldade para retomar a rotina:

“Voltar à regra de supetão é mais difícil. Vai depender muito da família, que é o exemplo. Se a família é desregrada, é difícil que a criança e o adolescente também não sejam. É necessário o comprometimento de todos.”

Deve-se iniciar a transição alguns dias antes. Se na época de descanso era permitido ficar acordado até mais tarde e dormir até a hora que desse vontade, agora é preciso reinstituir um padrão para deitar e levantar. Quem despertava perto do meio-dia, destaca Magali, muitas vezes pulava o café da manhã por já estar quase na hora do almoço, refeição que podia não apetecer – pensando bem, não é mesmo todo mundo que vai ter vontade de comer arroz, feijão e bife minutos depois de deixar a cama, não é mesmo? Quando falta fome no almoço, é comum que o adolescente coma pouco e, logo em seguida, já sinta vontade de começar a beliscar, mesmo antes do lanche da tarde. Resultado: come-se um monte de besteiras pouco nutritivas e carregadas de calorias.
“É diferente de ter levantado mais cedo, já ter feito alguma atividade, ter gastado um monte de calorias e estar com fome. Almoçando mal, todo o seu dia vai ser mais lento. As crianças e adolescentes estão em fase de desenvolvimento, precisam de mais calorias, vitaminas, proteínas. Um dia, dois não vão influenciar, mas são praticamente as férias todas assim”, diz Magali.

Acordar antes

O mais indicado, portanto, é passar a acordar mais cedo antes do retorno ao colégio, para que se retome o hábito daquela que é considerada a refeição mais importante do dia. Uma reeducação alimentar se mostra fundamental, uma vez que as atividades escolares envolvem um desgaste físico e mental muito grande. Se o seu filho não tem apetite e reclama por ter de comer antes de sair de casa, é preciso insistir: vá aos poucos aumentando paulatinamente o tamanho das porções oferecidas à mesa do café. Assim, cria-se o hábito do desjejum, e o corpo vai começar a “pedir” pelo alimento de manhã cedo.
Não basta que os adultos apenas ditem as regras: pais e mães também devem entrar no ritmo, servindo de exemplo com suas atitudes e criando bons hábitos. “O ideal é todo mundo comer a mesma coisa. Não tem como dizer “eu vou tomar refrigerante, mas não é saudável para você”. É difícil querer introduzir a salada, que já é difícil para os adultos, imagine para as crianças, se o adulto com quem ela convive não come salada. Cada um tem que ter a sua parcela de sacrifício. Para que que a criança tente, o adulto tem que tentar também”, afirma Magali.

Apagar a luz é para todos em casa

Durante o ano letivo, é tempo de jantar e ir para a cama mais cedo. Se os membros da família têm horários diferentes para as refeições durante o dia, e principalmente se não conseguem realizá-las em casa, à noite é um bom momento para tentar fazer com que todos se sentem juntos para comer. Após a refeição, recomenda-se um período de pelo menos duas horas para a digestão. É importante criar um ambiente propício para o repouso – de nada adianta falar para os pequenos que é preciso ir para o quarto e apagar a luz se o restante da casa permanece “aceso”, em ruidosa movimentação. Nesses casos, eles tendem a seguir o comportamento dos pais, dormindo mais tarde.
Fernando Stelzer, neurologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e especialista em sono, explica um fato que é desconhecido por boa parte das pessoas: durante a adolescência e até o início da vida adulta, existe uma tendência de atraso para o início do sono. Ou seja, seu filho não fica acordado até de madrugada só por conta do celular ou do videogame. Trata-se de uma mudança fisiológica em andamento para essa faixa etária. Por consequência, ele tende, também, a despertar mais tarde:

“Os pais não percebem essa tendência, e, com os estímulos, os adolescentes dormem ainda mais tarde. O ideal seria fazer um retreinamento de horários de sono. Se o adolescente estuda de tarde, não vai sentir esse problema. Quem estuda de manhã vai notar dificuldade de acordar cedo e resistir. Tem que reensinar, no mínimo, uma semana antes, fazendo a higiene do sono.”

Por higiene do sono, entende-se a série de recomendações para que se criem condições adequadas a um repouso de qualidade. Ao anoitecer, diminua a iluminação dos ambientes, preferindo a luz indireta e de abajures. Reduza também estímulos sonoros e visuais. Devem ser evitadas bebidas estimulantes, como café, chimarrão, chá preto, energéticos e refrigerantes à base de cola. Alguns eletrônicos têm uma luz especial para utilização noturna, que deve ser ativada. Pelo menos meia hora antes do horário estipulado para ir para a cama, o uso de videogames, computadores, tablets e celulares precisa ser interrompido. “O quarto não tem que ter nada: tevê, videogame, computador, celular, essas coisas não devem estar lá”, orienta o médico, comentando que muitos pais recorrem ao desligamento da rede wi-fi doméstica para garantir que os filhos não burlem as regras.
Comer saudável é desafio de volta às aulas. Foto: Bigstock.
Comer saudável é desafio de volta às aulas. Foto: Bigstock.

CUIDADOS COM A ALIMENTAÇÃO

– Crianças por volta dos três anos tendem a ser muito seletivas: a cor do alimento incomoda, a textura não agrada… Como elas estão em uma fase de contestação e autoafirmação, o alimento se torna um meio pelo qual tentam impor a vontade delas. Não ceda às chantagens, trocando a fruta pelo salgadinho industrializado. Insista nas opções saudáveis. Quando houver muita resistência, procure variar a apresentação. Se seu filho não gosta de fruta, faça testes com sucos ou tente um bolo, por exemplo, para que, pelo menos, ele vá se acostumando ao sabor das frutas.
– Para as crianças e, especialmente, os adolescentes que não sentem fome de manhã cedo, comece a criar o hábito ofertando pequenas porções de alimentos variados, que devem ser aumentadas gradativamente. Trata-se da refeição mais importante do dia. Pulá-la é uma péssima escolha, que também poderia acarretar no aumento da fome no meio da manhã – e o que seria um lanchinho, no recreio, passará a ser um lanchão.
– Procure fugir de um cardápio sempre ou quase sempre igual.
– A mamadeira pode ser prática para a criança tomar o leite no carro, a caminho da escola, mas não prolongue esse hábito.
– É comum que alguns estudantes retomem as atividades com um peso superior àquele anterior ao período de férias. Com o reinício das aulas de Educação Física e, em alguns casos, da prática de outros esportes no contraturno, o quadro tende a se normalizar. Se o sobrepeso for marcante, em qualquer época, procure um especialista.
– Nos dias mais quentes, cuidado com o que coloca na lancheira. Os alimentos podem acabar estragando sem refrigeração. Prefira sucos prontos (procure os integrais, com 100% de fruta) e opções de alimentos industrializados mais saudáveis, como biscoitos e palitinhos integrais ou bolinhos com pouca quantidade de sódio. Crianças mais acostumadas a uma alimentação saudável podem levar um mix de sementes (nozes, castanhas etc.) ou chips de frutas secas (banana, maçã, abacaxi).
– Sempre que possível, envolva as crianças na organização dos lanches que serão levados à escola. Elas vão ficar orgulhosas do que ajudaram a preparar.
– Se seu filho costuma comprar a merenda na cantina, não esqueça de orientá-lo sobre as melhores alternativas de lanches. Não delegue à escola um papel que deve ser seu.
– Não cerque a criança de vetos. Tudo o que é proibido, ressalta a nutricionista Magali Martins, torna-se desejado. Faça combinações. Refrigerante? Pode tomar no final de semana, moderadamente, mas durante a semana tem de ser água e suco natural. O doce preferido? Quando formos ao shopping ou em uma festa de aniversário.
– É fundamental introduzir o costume de beber água.

DICAS PARA O SONO

– Recomenda-se manter uma rotina de horários fixos para dormir e acordar. Basta um final de semana muito alterado para quebrar o padrão, o que fará com que seja mais sofrido acordar cedo na segunda-feira.
– A prática de exercícios físicos e uma alimentação saudável, rica em nutrientes, contribuem para boas noites de sono.
– Cuide o horário em que é feita a última refeição. O jantar deve ser servido pelo menos duas horas antes de ir para a cama, permitindo uma digestão adequada.
– Demarcar bem os períodos de luz e escuridão ajuda o cérebro a “entender” quando é hora de dormir e de acordar. Reduzir a exposição à luz, mesmo que artificial, no período da noite faz bem ao sono. Evite deixar muitas luzes acesas pela casa. De manhã, é bom se expor ao sol.
Fontes: Associação Brasileira do Sono, Fernando Stelzer, neurologista da Santa Casa de Misercórdia de Porto Alegre e especialista em sono, e Magali Martins, nutricionista

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