Comportamento

Raquel Derevecki

Onde parecia impossível se alegrar, palhaças levam sorriso e conforto

Raquel Derevecki
09/04/2019 17:00
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As atrizes Marcela, Nicole e Marina decidiram levar alegria à ala de cuidados paliativos do HC depois de acompanharem entes queridos no local. Foto: Divulgação

Nos leitos estão pacientes em estado terminal devido a doenças crônicas do coração, câncer e problemas neurológicos. Alguns falam com dificuldade, outros apresentam muito cansaço e há aqueles que não respondem a estímulos e têm dificuldade até para abrir os olhos. Ao lado de cada um deles há parentes com preocupação e tristeza estampados no semblante. O clima no ambiente é muito pesado e parece impossível encontrar um motivo para se alegrar.
No entanto, o silêncio é quebrado com um trio peculiar que aparece na porta do quarto. Moças vestidas com roupas coloridas, jaleco branco, nariz de plástico vermelho e um uma maquiagem especial perguntam se podem entrar e oferecer um abraço.

“Na hora, as pessoas já abrem o sorriso para nos receber e aquilo é gratificante”, afirma a atriz Nicole Marangoni, de 33 anos.

Ela faz parte do projeto Palhiare, realizado todas as quartas-feiras no Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas de São Paulo. A ação existe desde 2016 e usa a figura do palhaço para espalhar carinho e diminuir o medo e a ansiedade diante de enfermidades graves que não apresentam mais possibilidade de cura. “A maioria dos pacientes que está aqui recebe os cuidados finais da vida. Então, a visita dessas palhaças traz um pouco de conforto nesse momento tão difícil”, afirma a chefe de enfermagem do setor, Jozinete Xavier da Costa.
As atrizes Marcela, Nicole e Marina decidiram levar alegria à ala de cuidados paliativos do HC depois de acompanharem entes queridos no local. Foto: Divulgação
As atrizes Marcela, Nicole e Marina decidiram levar alegria à ala de cuidados paliativos do HC depois de acompanharem entes queridos no local. Foto: Divulgação
Para isso, as atrizes se aproximam dos quartos com cuidado, aguardam o convite para entrar e iniciam diferentes atividades. “Colocamos para tocar a música que o paciente mais gosta, fazemos origamis e, principalmente, conhecemos a história dele porque isso faz com que se sinta acolhido”, explica a voluntária Marina Rodrigues, de 43 anos, que é atriz, produtora cultural e formada em Administração.
Segundo ela, a Trupe Cali — como chamam o grupo — é formada por palhaças profissionais que tentam levar bem estar emocional aos pacientes, seus familiares e profissionais de saúde que atuam no hospital. “Nossas atividades são baseadas em estudos que unem a arte da palhaçada à área de cuidados paliativos, então tudo que fazemos tem um motivo”, afirma.
Ao preparar um origami na frente do paciente, por exemplo, cada dobra é realizada com uma fala especial que ajuda o indivíduo a identificar seus medos, anseios e a dar um novo significado a eles.

“Depois, colamos esses origamis na parede do quarto para deixar o ambiente mais leve e incentivamos a família a viver o ‘agora’ com o paciente, aproveitando os momentos que terão ali com ele”, explica a atriz e educadora física Marcela Sampaio, de 36 anos.

Foto: Divulgação
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Em um dos quartos atendidos, os parentes receberam tão bem essa sugestão que trouxeram diversas fotos e colaram em toda a parede, ao lado das dobraduras. “Foi muito bonito. E esse foi um caso que nos emocionou demais porque acompanhamos o paciente durante um mês”, recorda Marina.

“Bailarino das sobrancelhas”

Na primeira semana em que visitaram esse quarto, de acordo com ela, o idoso estava com a esposa e filhos, e ainda conseguia falar. No entanto, seu caso era muito grave e ficou fraco rapidamente. “Na terceira semana, o homem já não falava e tinha dificuldade até para abrir os olhos. Então, nos aproximamos dele e dissemos que colocaríamos sua música preferida para tocar”.
No momento em que as primeiras notas ecoaram, o paciente levantou uma sobrancelha e aquilo chamou a atenção da trupe. “Na hora, falamos que ele poderia brincar de dançar com as sobrancelhas, e aquele idoso senhor fez isso, se comunicando com a gente”, relata Marina, emocionada.
Foto: Divulgação
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Segundo ela, o homem também repetiu essa maneira de comunicação na sua última semana de vida. “Assim que a música começava a tocar, as sobrancelhas dele se mexiam junto com as notas, emocionando todos que estavam no quarto”, recorda a atriz, que apelidou o paciente carinhosamente de “bailarino das sobrancelhas”. “Na semana seguinte, ele já não estava mais no hospital, mas seus familiares nos agradeceram e aquilo nos marcou muito”.
De acordo com a trupe, momentos como esse são frequentes, e muita força emocional é necessária para lidar com eles. “O que nos fortalece é lembrar dos nossos pais”, recordam as atrizes, que já passaram pelo setor de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas e entendem o sofrimento das pessoas que estão ali.

“Tivemos entes queridos nesse estágio e decidimos retornar ao hospital para confortar as pessoas que ali”, afirmam.

A atriz Nicole acompanhou os últimos momentos de vida do pai Carlos Marangoni, diagnosticado em 2013 com um tumor nas vias biliares. Já as irmãs Marina e Marcela viram a mãe Lídia Zózima falecer em 2016 após um câncer de mama. Por isso, enquanto outros grupos de palhaços preferem atuar nas alas infantis, elas decidimos utilizar essa figura para amenizar o sofrimento dos pacientes em estado terminal. “É difícil, mas, para nós, cada sorriso é uma vitória”, finaliza Nicole.
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