Comportamento

Raquel Derevecki

Psicólogo monta consultório na rua para escutar histórias de amor

Raquel Derevecki
24/03/2019 15:00
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O psicoterapeuta Matheus Vieira pretende escrever um livro com as histórias de amor relatadas na Rua XV. Foto: Alexandre Mazzo

As histórias de amor não estão restritas a personagens de contos de fadas. Relatos com finais felizes também ocorrem na vida real, e não são poucos. Por isso, um psicoterapeuta especializado em relacionamentos decidiu separar uma tarde por semana para encontrar essas narrativas no Centro de Curitiba e preparar, em breve, um livro com as principais experiências.
Com duas cadeiras e um banner que convida pessoas a contarem suas histórias de amor, o professor de Psicologia Matheus Vieira monta seu “consultório” no trecho inicial da Rua XV de Novembro – conhecido como Rua das Flores ou Boca Maldita – e ouve os voluntários, gratuitamente. A ação começou em 2018 com o objetivo de reunir histórias positivas que pudessem ser apresentadas em cursos de relacionamento e em sala de aula.

“As pessoas que chegam à clínica para receber atendimento sempre estão em crise porque saíram de relacionamentos ou não estão bem com o parceiro. Então, eu não tinha muitas histórias felizes para compartilhar e precisava encontrar esses relatos”.

Foi então que decidiu buscar as narrativas fora do consultório, em um ambiente informal e com muitas pessoas que pudessem compartilhar experiências. “Nada melhor do que a Rua XV”, afirma o professor da Universidade Tuiuti do Paraná, que agora chama a atenção de quem passa pelo Centro da cidade.
Segundo ele, assim que instalava a “barraquinha”, as pessoas ficavam receosas, perguntavam qual era o objetivo da iniciativa e até se tinha custo. “Alguns turistas também sentavam na cadeira só para tirar foto e depois iam embora”, brinca. No entanto, depois que a primeira pessoa aceitava o convite e iniciava o relato, outras se empolgavam. “Cheguei a atender mais de 15 pessoas em apenas uma tarde e várias vezes as pessoas fizeram fila, aguardando sua vez de conversar”.

As histórias

Em uma dessas situações, Vieira teve contato com uma história digna de filme. Na ocasião, uma moradora de Curitiba com aproximadamente 70 anos sentou ao lado dele e começou a contar a respeito da juventude “Ela se apaixonou por um seminarista e o sentimento foi recíproco”, relatou o psicólogo. Mas, quando os pais descobriram que a jovem amava um futuro padre, a obrigaram a mudar-se para São Paulo, onde ela casou e teve quatro filhos.
A relação com o esposo paulista não deu certo e a mulher ficou 19 anos sem envolver-se em relacionamentos. “Até que um dia, pelas redes sociais, localizou o rapaz que amou na juventude. O homem havia deixado o seminário, também estava sozinho e o amor renasceu de forma tão bonita que o primeiro reencontro dos dois foi para comemorar o noivado”, contou Vieira. Segundo ele, a mulher estava em Florianópolis e o amor de sua vida, em Curitiba. Agora, estão casados e vivem na capital paranaense.
Foto: Alexandre Mazzo
Foto: Alexandre Mazzo
De acordo com o psicólogo, ele já teve contato com dezenas de histórias assim e a maioria foi relatada por mulheres porque elas têm mais facilidade para falar de sentimentos. No entanto, os poucos namorados e maridos que já sentaram no “divã da Rua XV” viveram experiências impactantes. “Em uma dessas histórias, por exemplo, o homem contou que era usuário de crack e viveu sete anos como morador de rua. Ele chegou a pesar 40kg e achava que ia morrer”.
Só que a vida do rapaz mudou no dia em que ele viu um sujeito agredir uma moça. “Ele defendeu a mulher, levou uma facada do agressor e, depois de ser atendido, foi enviado a uma clínica de reabilitação”, relatou o psicoterapeuta. Segundo ele, o homem conheceu uma voluntária nessa clínica que o tratou com carinho, o incentivou a estudar para ser técnico em segurança do trabalho, e o incentivou a recomeçar.

“Eles se apaixonaram e hoje são casados. No dia em que me contou seu relato, ele estava sozinho, mas depois retornou para me apresentar a esposa. Com certeza, uma verdadeira história de amor”, afirma o psicoterapeuta.

Além de escutar histórias com finais felizes, Vieira também tem contato com pessoas que passam por problemas nos relacionamentos, pedem dicas e que precisam de ajuda para superar traumas. Na tarde da última quinta-feira (21), por exemplo, uma cabeleireira de 27 anos – que preferiu não se identificar – parou seu passeio na Rua XV para falar da sua dor.
“Há sete meses, o amor da minha vida foi assassinado, e tem sido muito difícil conviver com isso”, relatou a moradora do bairro Uberaba, que se apega na fé em Deus para seguir em frente e cuidar dos dois filhos. Segundo ela, contar a história para o psicólogo trouxe conforto e o terapeuta ainda a orientou a procurar acompanhamento profissional. “Senti que ele se preocupou comigo e isso foi muito bom”, garantiu.

Ser ouvido é terapêutico

Assim como ela, o publicitário André Malucelli, de 39 anos, também aproveitou a oportunidade para conversar com o profissional. Morador de São Paulo, ele veio para Curitiba resolver situações do trabalho e não imaginava que ganharia uma sessão de terapia no meio da rua.
Foto: Alexandre Mazzo
Foto: Alexandre Mazzo

“O que ele faz é sensacional porque, além de encontrar as histórias que procura, dá oportunidade para as pessoas falarem em um ambiente descontraído, e isso nos faz bem”.

De acordo com o psicoterapeuta Vieira, o objetivo da ação na Rua XV não é oferecer consultas, mas a conversa tem esse efeito terapêutico para quem aceita o desafio de contar sua história. “Minha ideia é ouvir as pessoas, e muitas precisam disso para reviver momentos felizes e também para lidar com situações tristes que passaram”.
Por isso, ao perceber que o voluntário está sofrendo com a situação relatada, o profissional também oferece orientações. “Já atendi casos bem delicados de depressão, por exemplo, e sinalizei que um apoio terapêutico seria útil porque se trata de uma doença e tem cura. Então, essa ação de ouvir histórias acaba fazendo muito mais do que isso”, afirma Viera.
Para participar do projeto e contar uma história de amor, basta acompanhar o Facebook “Amor no Divã” ou o canal do psicoterapeuta no Youtube para verificar as datas da ação. “Não consigo ir sempre no mesmo dia e horário, mas aviso no dia anterior para que a pessoa tenha tempo de se programar”.
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