Comportamento

Cecília Aimée Brandão, especial para a Gazeta do Povo

Cadeirante após tiro encontra no rugby forma de dar a volta por cima

Cecília Aimée Brandão, especial para a Gazeta do Povo
18/02/2019 19:10
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Tico Kaiss durante o rugby adaptado. Fotos: Thelma Vidales (ABRC)/Divulgação | DanielZappe

Era um sábado como outro qualquer na vida do jovem Anderson Kaiss, o Tico, que tinha uma vida comum a muitos jovens. Ele tinha 19 anos e trabalhava duro a semana toda. Nos fins de semana saía com os amigos. Em um fim de semana de abril de 2004, ao parar em um posto de gasolina, veio o acontecimento que mudou para sempre sua vida: foi assaltado, levou um tiro e ficou tetraplégico, “eram dois bandidos e um deles me deu um tiro para roubar a minha moto”, lembra.
Foram 57 dias de internação no Hospital do Trabalhador, em Curitiba, seguido de um período difícil de novas adaptações. “Minha família foi fundamental para que eu superasse esse momento, pois me ensinou a persistir, mesmo quando eu já havia desistido”, conta Anderson. O apoio dos pais, irmão e irmã foi fundamental para atravessar o período de mudanças radicais. A bala do tiro gerou um trauma na medula.
As adaptações à nova vida precisaram ser imediatas. De um dia para o outro eu tinha virado um bebê, que precisava reaprender a fazer tudo. Dependia de ajuda para as atividades mais simples, como escovar os dentes, me vestir e me alimentar. Cheguei a pensar que jamais superaria. Mas meu irmão foi minhas pernas, meus braços e tudo o que eu precisei naquele momento. Ele fazia qualquer dificuldade parecer pequena, me incentivando a todo momento”, lembra.
O primeiro ano após o acidente foi também marcado por idas e vindas ao psicólogo, para que Anderson pudesse recuperar sua confiança e refazer sua vida. “Além da minha família, encontrei forças na minha fé em Deus”.

Nascer de novo

Novos desafios e novas motivações: vida após se tornar cadeirante. Fotos: André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Novos desafios e novas motivações: vida após se tornar cadeirante. Fotos: André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Anderson, hoje com 33 anos, teve que reaprender a viver. Adaptou sua casa – escadas viraram rampas e os banheiros passaram por reformas. A rotina passou a incluir a clínica de reabilitação e novas amizades surgiram. E foi por meio de um “amigo de rodas”, como Anderson chama, que o esporte surgiu como a melhor terapia de todas.
“Conheci o rugby e foi amor à primeira vista. Fiquei completamente apaixonado pela modalidade adaptada”. Atualmente, Anderson se dedica diariamente ao esporte, pela equipe Gladiadores Quad Rugby. São treinos táticos de quadra três vezes por semana e, nos demais dias, faz atividades ligadas ao rugby com vídeos, musculação, treinos aeróbicos etc.
Tico Kaiss durante o rugby adaptado. Fotos: Acervo Pessoal.
Tico Kaiss durante o rugby adaptado. Fotos: Acervo Pessoal.

“Mudou a minha vida. Além da quadra tenho também uma afinidade grande com os atletas, ganhei os melhores amigos que poderia ter! O esporte é uma terapia. Quando estou na quadra eu me concentro exclusivamente no rugby e esqueço todos os problemas do dia a dia”, explica.

No currículo do atleta está a seleção brasileira de rugby paralímpico, com disputa de Pan-americano, Paraolimpíada e diversos campeonatos internacionais, “além do conhecimento técnico do esporte, tive contato com outras culturas e aprendi grandes lições para a vida”.
Anderson procura ter uma rotina normal dentro das suas limitações. “Tenho várias dificuldades por conta das sequelas relacionadas à minha lesão, mas com uma ajudinha ou outra eu não deixo de fazer nada.
Tico mora com a esposa em uma residência adaptada. Fotos: André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Tico mora com a esposa em uma residência adaptada. Fotos: André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Os desafios são constantes, cada dia tem alguma novidade e procuro não me estressar com a falta de preparo da cidade e mesmo das pessoas para lidarem com minhas limitações físicas. Ser um cadeirante é ter uma surpresa atrás da outra. Mas encaro com um sorriso no rosto e sigo em frente”, diz.

Família e apoio

Há cerca de três anos, o irmão que tanto ajudou Anderson em sua recuperação, faleceu. Mas foi nesse tempo que ele encontrou Natália Floridi, sua esposa. “Ela chegou em um dos momentos mais difíceis da minha vida e hoje é a primeira a me apoiar e incentivar diariamente em tudo”, conta. Atualmente, ele mora  com a esposa e seus dois cachorros em uma casa adaptada que fica no mesmo terreno onde moram seus pais.
Com tanta história para contar, Anderson hoje participa de grupos nas redes sociais com pessoas de todo o mundo que passam pelas mesmas dificuldades que ele. “Sempre procuro ajudar, especialmente os recém-lesionados, pois uma conversa de incentivo faz toda a diferença. Aprendi ao longo dos anos que precisamos estar preparados para as mudanças em nossas vidas. O que temos hoje, pode não existir mais amanhã. Com isso, valorizo mais as pequenas coisas e sou sempre grato, encarando desafios com naturalidade e buscando a superação”.
Tico Kaiss durante o rugby adaptado. Fotos: Thelma Vidales (ABRC)/Divulgação
Tico Kaiss durante o rugby adaptado. Fotos: Thelma Vidales (ABRC)/Divulgação
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