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A "Síndrome de Paris" atinge principalmente japoneses que visitam a capital francesa. Foto: Unsplash
A "Síndrome de Paris" atinge principalmente japoneses que visitam a capital francesa. Foto: Unsplash| Foto:

Amélie Poulain gosta de jogar pedrinhas no Canal Saint Martin. Satine encontra o amor nos bastidores do Moulin Rouge. Hugo Cabret vai escondido ao cinema para ver as obras de Georges Méliès. Cenas como essas ajudam a cunhar a imagem que milhares de pessoas pelo mundo têm de Paris.

Mas é claro que, no cotidiano real da capital francesa, nem sempre há um músico tocando “La Vie en Rose” no acordeon enquanto as pessoas passeiam pelas margens do Rio Sena. Descobrir que a visão romantizada que se tinha de alguns lugares não corresponde à realidade é uma pequena frustração para alguns, mas pode se tornar um grande problema para outros. Tanto que a própria Paris emprestou seu nome a um transtorno descrito pelo psiquiatra japonês radicado na França Hiroaki Ota.

A chamada “Síndrome de Paris” é uma doença psicológica que acomete japoneses que vão à Cidade Luz. “Alguns médicos dizem que essa síndrome se manifesta naqueles que não têm a capacidade de se adaptar à França por causa de um choque entre duas culturas e outros dizem que é, na verdade, por causa da diferença entre a Paris sonhada e a Paris real.” A descrição foi feita por Kumiko Ishimaru no artigo “Estereótipos de si mesmo e do outro na França e no Japão: análise dos artigos sobre a síndrome de Paris”, publicado em 2013.

Homem toma um banho de sol em frente ao Museu o Louvre, em Paris. Foto: Boris Horvat/AFP
Homem toma um banho de sol em frente ao Museu o Louvre, em Paris. Foto: Boris Horvat/AFP| AFP

Idealização e questões pessoais

Embora tenha sido oficialmente observado primeiro entre japoneses que visitam a França, esse tipo de episódio não acontece somente com essas pessoas. A “Síndrome Indiana” tem efeitos parecidos e parece vitimar principalmente europeus que vão à Índia em busca de experiências espirituais e acabam frustrados com o cenário caótico e muito pobre do país. Há, inclusive, casos de desaparecimento de turistas que alguns especialistas relacionam a essa síndrome.

De acordo com o psicólogo Eduardo Chierrito, coordenador da comissão de Psicologia Ambiental do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), “a simples decepção [com a realidade] ainda não virou síndrome, ainda bem. Podemos continuar nos decepcionando com a vida sem esse peso da síndrome. Mas essa idealização muitas vezes está acompanhada de fatores. São questões sociais, econômicas e pessoais“.

A realidade de pobreza e caos na Índia deixa muitos turistas europeus chocados. Na imagem, moradores esperam em uma fila para pegar água potável em Ahmedabad. Foto:  Amit Dave/REUTERS
A realidade de pobreza e caos na Índia deixa muitos turistas europeus chocados. Na imagem, moradores esperam em uma fila para pegar água potável em Ahmedabad. Foto: Amit Dave/REUTERS| REUTERS

Chierrito explica que o fato de ter trabalhado muito para realizar uma viagem ou de construir muita expectativa em torno dela pode contribuir para que, ao encarar uma realidade menos mágica que a esperada, sejam desencadeadas manifestações como alucinação, ansiedade, pânico e despersonalização. “São todas características muito específicas de um evento em que a pessoa está em conflito com a identidade que ela possui. Na psicologia ambiental, você entende que essas manifestações estão associadas a um quadro muito específico. São defesas psicóticas e envolvem uma quebra de identidade.”

A barreira linguística, as diferenças culturais e o cansaço da viagem, bem como as diferenças de fuso-horário, clima e afins também se somam aos motivos para esse tipo de episódio. Uma reação tão extrema quanto um colapso nervoso, segundo o psicólogo, não poderia ser fruto apenas da frustração. “Essa pessoa provavelmente já possui determinadas questões em sua vida, em seu contexto socioespacial, em suas crenças, em sua vida pessoal, que acabam gerando essas reações mais específicas.”

Identidade de lugar

Criamos uma identidade associada ao local em que estamos. É quando um local deixa de ser um simples local e passa a ser um lugar. Isso é muito interessante, porque começamos a ganhar determinada identificação. Ao mesmo tempo esse local vai nos modificando aos poucos”, explica Chierrito. Chegar a um espaço totalmente diferente do habitual, em que as idealizações não batem com a realidade, pode gerar uma fragilização da identidade pessoal.

Evitar e tratar

Como defende o psicólogo, é preciso aprender a lidar com as frustrações. “Vamos nos decepcionar muito, com certeza, e essa decepção tem que ser vivenciada como algo que nos trará aprendizado.” Ao viajar para lugares com culturas muito diferentes das suas, o melhor é preparar-se para o possível choque cultural.

“Outra coisa que a gente tem que pensar é nessa possibilidade de patologização da vida e o quanto isso pode gerar determinados confortos. Esse choque cultural vai acontecer e não precisa ser patologizado. Quando vou viajar preciso tentar buscar resiliência e recursos internos e sociais para passar pela adaptação necessária.”

Turistas em frente ao Arco do Triunfo, na capital francesa. Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo
Turistas em frente ao Arco do Triunfo, na capital francesa. Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo| Valterci Santos/Agência Gazeta d

Essa é uma forma consciente de lidar com um problema do qual só se pode escapar evitando viver determinadas situações. O afastamento dessas situações não é saudável.” A gente não pode perder a possibilidade de ter experiências de vida. Existe uma tendência mundial a fugir de determinados conflitos simplesmente porque eles podem gerar desprazer ou nos tirar da nossa zona de conforto“, diz Chierrito.

Quando o colapso nervoso é inevitável, o primeiro passo do tratamento é encaminhar a pessoa a um hospital onde ela possa receber uma intervenção de emergência. Essa intervenção será determinada pelos profissionais de saúde de acordo com os sintomas que a pessoa apresenta. Uma vez de volta ao país de origem, o ideal é buscar acompanhamento psicoterapêutico para compreender os fenômenos e explorar os motivos que levaram ao surto.

O mais importante, segundo Chierrito, é entender que “há questões culturais que são válidas. Todavia a gente também precisa considerar que isso pode ser um preconceito estimulado. É fundamental pensar quanto nós podemos passar por experiências de frustração e adaptação e fazer delas experiências bacanas“.

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