Comportamento

RBS, por Jéssica Rebeca Weber

Tarefas domésticas ajudam no desenvolvimento da criança e devem ser dadas o quanto antes

RBS, por Jéssica Rebeca Weber
20/11/2018 08:27
Thumbnail

Quando a organização é aprendida desde a infância, com diferentes tarefas e evoluções durante seu crescimento, colabora na formação de um adulto responsável, comprometido e autônomo. Foto: Bigstock

Benjamin tem seis anos, mas já acumula experiência em participar das tarefas domésticas. Começou quando ainda usava fraldas, guardando os brinquedos depois de usar. Passou a ajudar a mãe a estender a roupa, a carregar uma das sacolas no retorno do supermercado, a limpar suas migalhas de bolacha com um pequeno aspirador portátil.
Seu último desafio está sendo arrumar a cama aos finais de semana. O lençol ainda não fica muito bem estendido e o cobertor pode até ser colocado torto, mas ele não perde o incentivo dos pais, os professores Viviane Pereira Moreira, 43 anos, e João Comba, 52 anos. “Acho que quanto antes começar, mais natural fica para a criança entender que ela tem que fazer a parte dela”, ressalta Viviane.

É que o envolvimento dos filhos vai além do auxílio para vencer a faxina e a organização da casa: é importante na formação deles. O que é aprendido na infância e alimentado durante o crescimento se incorpora ao modo de ser na vida adulta – neste caso, inclui o desenvolvimento de qualidades como a autonomia.

“Se a criança tem tudo muito de mão beijada, quando tiver que enfrentar dificuldade, frustração, vai se atrapalhar”, garante José Paulo Ferreira, pediatra e membro do departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul.
O especialista também cita outras vantagens de envolver os pequenos na tarefa doméstica, como ensinar a importância de poupar água e luz e de separar o lixo corretamente, para colaborar com o ambiente. Ele acrescenta outro exemplo:
“Uma criança que aprende a lavar louça, secar e guardar no armário está aprendendo organização, uma sequência de trabalho que tem de ter início, meio e fim”.
Lucia Hugo Uczak, professora do curso de Pedagogia da Universidade Feevale, acrescenta a importância desse hábito para o sentimento de pertencimento a um grupo familiar – a criança vai desenvolvendo a percepção de vínculo, de fazer parte. Inicialmente, isso ocorre mais pela imitação: ela vê os pais ou irmãos mais velhos desempenhando alguma tarefa e tenta fazer igual. O exemplo dos adultos é fundamental.
“Nas idades iniciais da infância, o aprendizado é muito mais pelo exemplo do que pela palavra. Se o adulto diz “larga o prato na pia”, mas não sai da mesa para largar o seu prato na pia, a mensagem aprendida será de ficar na mesa esperando e não levar o prato”, explica.
E se a lição for muito bem aplicada, é capaz até de os papéis se inverterem entre pais e filhos. Há alguns dias, o pequeno Benjamin cobrou quando o pai saiu da mesa e, por descuido, não levou a louça à pia. Reproduziu o comentário feito algumas vezes pela mãe quando o distraído era ele: “Papai, tu esqueceu alguma coisa aqui…”

A partir de quantos anos a criança pode se envolver?

Faça chuva ou faça sol, tire os eletrônicos das crianças e promova brincadeiras em família. Foto: Bigstock
Faça chuva ou faça sol, tire os eletrônicos das crianças e promova brincadeiras em família. Foto: Bigstock
A partir dos 2 ou 3 anos já é possível ter tarefas, como, por exemplo, guardar os próprios brinquedos. “É uma coisa muito simples, que, mesmo em período muito precoce, a criança pode fazer. E ela aprende pela prática, fazendo todos os dias”,  relata Lucia Hugo Uczak, professora do curso de Pedagogia da Feevale.
A especialista ressalta que, quando essa organização é aprendida desde a infância, com diferentes tarefas e evoluções durante seu crescimento, colabora na formação de um adulto responsável, comprometido, autônomo, com senso de compartilhamento.

Como deve ser a participação de meninos e meninas?

O ideal é que não se separe o que é tarefa de menino ou de menina e que filhos de ambos os sexos sejam envolvidos nas atividades igualmente. Mas cabe observar que, se os pais fazem a separação do que é tarefa para homem e do que é para a mulher, a criança tende a aprender da mesma forma.
Lucia chama atenção para os termos utilizados: se o pai diz que está “ajudando” a mãe a lavar a louça, dá a entender que é uma tarefa da mulher. Agora, se um dia a mãe lava, no outro, o pai, e, assim, vai revezando, mostra que a tarefa é compartilhada, que é de ambos.
O empenho do pai também é importante? 
O pai não deve ter papel de "ajudante" . Também cabe a ele arrumar a casa e dar o exemplo. Foto: Bigstock
O pai não deve ter papel de "ajudante" . Também cabe a ele arrumar a casa e dar o exemplo. Foto: Bigstock
Com certeza, porque essa concepção de distribuição de atividades por gênero começa na família. Especialmente para os meninos, o exemplo do pai é muito importante. Se ele nunca vir o pai fazendo alguma coisa, não vai entender que ele também deva fazer, destaca Lucia.

E quando se tem empregada em casa?

Se a empregada doméstica fizer todas as tarefas sozinha, e a criança não ficar responsável nem mesmo por arrumar sua própria bagunça, essas lições podem não ser aprendidas em casa. Por isso, é interessante que seu filho tenha as suas atribuições desde sempre, independentemente de quem esteja ajudando a executá-las, diz Lucia.
O pediatra José Paulo Ferreira exemplifica com uma situação da sua família, que conta com o auxílio de uma funcionária durante a semana: “A empregada não precisa entrar em casa e encontrar uma selva. Eu digo:“Gurias, deem um jeito no quarto de vocês”. Além disso, no final de semana, uma arruma a mesa, outra vai na padaria comprar alguma coisa… Tem empregada, mas também tem responsabilidade.

E se for mais fácil fazer por conta em vez de exigir do filho?

Provavelmente é mais fácil, mas a criança não ganharia autonomia alguma. É essencial estar presente quando os filhos começam a desempenhar alguma tarefa e, como eles tendem a levar muito mais tempo do que você, será necessário paciência. Da mesma forma que os pais têm de ser pacientes quando a criança começa a comer sozinha, por exemplo – no início, mais espalha a comida do que ingere. Lucia destaca que é importante que o trabalho da criança seja valorizado, que ela seja elogiada, mesmo que não atenda exatamente aos padrões de exigência dos pais.

Quais são os limites da atividade doméstica para crianças?

Foto: Bigstock
Foto: Bigstock
Tem que estar de acordo com a condição física e a capacidade da criança. Não dá para pedir para um menino de três anos lavar a louça, exemplifica Lucia. Ela também entende que os estudos são prioritários na vida de uma criança: “Não se pode exagerar na rotina de tarefas, mas elas precisam estar presentes para o desenvolvimento infantil. Não se esqueça que, no começo, um adulto tem de estar presente: a criança só deve passar a realizar tarefas sem supervisão gradativamente.

Como fazer as crianças terem vontade de participar?

Se os pais conseguirem promover o envolvimento dos filhos nas atividades domésticas de forma lúdica, com aspecto de brincadeira, esse processo se torna muito interessante, segundo a professora. Para não dar ares de fardo, são válidos desafios como: “Vamos ver quem consegue organizar os brinquedos na caixa?!”;“Vamos tentar deixar esse quarto organizado de maneira diferente?!”; “Quem consegue recolher mais rápido todo o material que ficou na sala?!”.
Lucia complementa que o ideal para a formação da criança é o envolvimento dela nas atividades que a família realiza. Se costumam preparar refeições em casa, por exemplo, é uma excelente oportunidade para incluí-las como ajudantes.
“Qual criança não ficaria orgulhosa de saber que ela lavou as verduras e preparou a salada que estão comendo? E se ela receber um elogio pelo trabalho? O que significa para sua autoestima?”,  comenta.

E se os filhos se recusam a realizar tarefas?

Uma dica de Ferreira é criar uma tabela com as atribuições de cada membro da família, para cada dia da semana. Se as crianças não fizerem sua parte, os pais podem criar mecanismos para lembrá-la. “Vai ter uma hora em que a criança vai querer alguma coisa, como pegar o celular ou ligar a TV. Os pais podem deixá-la fazer isso só depois de terminar a tarefa. Não é castigo, não é maldade: é combinação”, esclarece o pediatra. – Ela tem o direito de não cumprir para testar se é regra mesmo, e tu vai dizer: “Filhotinho, o pai te ama de paixão, mas primeiro faz tua parte, para depois fazer a coisa boa”.

Que tal experimentar?

Reproduzimos a chamada Tabela Montessori (que mostra atividades domésticas que as crianças já podem executar em cada faixa etária), com adaptações da professora Lucia Hugo Uczak. A especialista ressalta que a relação de tarefas por idade é um tema difícil de definir o que é certo ou o que é inadequado, porque depende da visão de cada família, do que desejam para suas crianças e do que consideram um valor moral na sua formação. Portanto, trata-se de sugestões, sem rigor científico.

De dois a três anos:

Guardar os brinquedos
Colocar as roupas sujas no cesto
Colocar lixo no lixo
Dobrar panos
Guardar seus calçados

De 4 a 5 anos

Arrumar a cama
Ajudar a tirar pó (se não tiver alergia)
Regar plantas
Separar o lixo
Organizar a mochila

De 6 a 8 anos

Tirar o lixo
Varrer
Por e tirar a mesa
Preparar o próprio lanche
Auxiliar no preparo de alimentos
Auxiliar no cuidado de animais de estimação
Guardar as compras nos armários
De nove a onze anos:
Fazer lista de supermercado
Ajudar a cozinhar
Trocar roupa de cama
Limpar móveis
Colocar roupa no varal
Levar os cães para passear
Lavar louças

De 12 a 14 anos

Fazer compras de pequenas quantidades
Passar pano no chão
Separar contas a pagar
Preparar lanches para a família
Limpar seu quarto

LEIA TAMBÉM