Comportamento

New York Times, por Concepción De León

Técnica de organização promete fazer o dia render mais que 24 horas

New York Times, por Concepción De León
11/02/2019 11:27
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O bullet journal, sistema criado por Ryder Carroll, sugere organizar listas de afazeres, horários e o diário em um único caderno, otimizando a lista de afazeres. Foto: Pixabay

Pré-adolescente, toda vez que meu pai queria que eu resolvesse algo para ele, tipo depositar um cheque, escrever uma carta ou ligar para o serviço de atendimento ao cliente, parava no meio das instruções, me olhava com seriedade e perguntava: “Você está anotando?” Imagine o revirar de olhos de uma menina de doze anos. Na minha cabeça, eu tinha um sistema redondo, perfeito, à base de sequências sonoras simplificadas: cheque, carta, ligar para a Time Warner; cheque, carta, ligar para a Time Warner. Se para você parece uma estratégia ruim… é porque era mesmo. Admito, raramente funcionava.
O instinto do meu pai tinha razão de ser. Hoje sabemos que o cérebro não guarda nem se lembra de mais do que alguns pensamentos/ideias por vez. É por isso que decidi adotar o bullet journal, sistema criado por Ryder Carroll que organiza listas de afazeres, horários e o diário em um único caderno, além de dar liberdade à pessoa de planejá-lo de acordo com seu estilo de vida. Virou sensação nas redes sociais há alguns anos, com mais de três milhões de postagens relacionadas ao tema só no Instagram, e seguidores dedicados e inspirados a criar blogs e inovações ao sistema original. O que me atraiu foi sua flexibilidade e as belas decorações criadas pelos outros – mas, na prática, eu não conseguia acompanhar o ritmo.
Em seu novo livro, “The Bullet Journal Method: Track the Past, Order the Present, Design the Future”, Carroll revisita os princípios básicos, explicando a prática e justificando o uso de cada elemento, entre eles um índice, um espaço para registro de eventos e/ou tarefas futuros, um segundo, diário, e um terceiro, mensal, para um planejamento mais minucioso. Dá para criar coleções customizadas, páginas em branco que assumem qualquer formato, até mesmo o de uma lista simples.

“Não é uma questão do visual da agenda, mas sim de como você se sente em relação a ela e de seu grau de eficiência”, escreve ele.

O autor define as formas de uso do bullet journal em todos os passos da gestão de projetos: lançamento de ideias, definição do resultado desejado (ele inclusive recomenda que se escreva uma declaração de objetivos no topo da página), estabelecimento de sub-resultados e pesquisa necessária.
Para as iniciativas de longo prazo ou aquelas que contêm muitas partes flutuantes, como aprender a cozinhar, Carroll recomenda dividi-las em “fatias menores” – miniprojetos independentes e autônomos que podem ser realizados entre quinze dias e um mês –, criando-se páginas especiais para acompanhar seu progresso.
Decidi abolir as estruturas elaboradas e dar uma nova chance ao bullet journal, dessa vez com a ajuda de outro livro, “Getting Things Done: The Art of Stress-Free Productivity”, de David Allen, que me ensinou a clarificar e organizar minhas tarefas com mais eficiência.

Pergunte a si mesmo: é executável?

“A grande maioria das pessoas tenta se organizar refazendo/alterando listas incompletas de objetivos pouco claros”, escreve o autor. A tendência geral é criar listas de afazeres contendo uma mistura de projetos, recados e lembretes de conteúdos confusos que geralmente “só servem para lembrá-lo de que você está sobrecarregado”. De acordo com o sistema de Allen, devemos dividir as informações em três categorias: “próximas ações”, que, segundo seus padrões, devem ser “descritivas de um comportamento físico”; “projetos”, definida amplamente como qualquer coisa que exija mais de um passo; e “material de referência”, como aqueles artigos salvos em Favoritos ou as ideias de pintura de unha na pasta do seu Pinterest.
As tarefas devem ser visualizadas facilmente. Isso garante o sucesso da técnica. Foto: Pixabay
As tarefas devem ser visualizadas facilmente. Isso garante o sucesso da técnica. Foto: Pixabay
Um dos maiores desafios foi reconhecer todos as empreitadas da minha lista. A preparação de refeições, por exemplo, que geralmente listo, mas raramente faço, é na verdade um projeto disfarçado, pois exige mais de uma ação para ser considerado completo. Minhas pífias habilidades culinárias exigem que eu procure uma receita e me prepare psicologicamente para a tarefa. Criar uma lista de compras também precede o ato de cozinhar. Ao simplesmente escrever “preparação de refeições”, eu estava forçando meu cérebro a trabalhar para preencher o espaço entre o resultado e o meio necessário para chegar até lá. “Pensar de forma concentrada para definir os resultados desejados e exigir novas ações é coisa que pouca gente acha necessária (até que tenha de fazer)”, escreve Allen.

Faça mais de uma lista de afazeres

De acordo com Allen, “uma vez que você sabe como processar suas coisas e o que organizar, só precisa criar e gerenciar as listas”. Sim, no plural.

Allen recomenda agrupar os itens segundo as condições sob as quais eles têm de ser completados. Pode ser útil, por exemplo, colocar juntas todas as tarefas externas, de modo que, se tiver de sair, você pode checar a relação para conferir os lugares aonde tem de ir e organizar um itinerário. Da mesma forma, se você tem uma reunião toda semana com seu chefe, ajuda ter uma agenda com os pontos que devem ser abordados.

Com essa base, eu comecei do zero para criar meu novo bullet journal.

“Getting Things Done” e “The Bullet Journal Method” funcionam bem juntos porque a flexibilidade do sistema dá abertura para o tipo de lista específica que Allen recomenda. Criei relações do tipo “Obrigações” ou “Em Casa”, para as tarefas que não consegui realizar em nenhum outro lugar. Meu registro diário, que faz parte do sistema do bullet journal e que Carroll descreve como “abrangente, projetado para conter todas as nossas ideias até estarmos prontos para realizá-las ou resolvê-las”, sempre foi minha lista de afazeres efetiva nas tentativas anteriores de fazer um bullet journal – e que acabavam virando um espaço de espera temporário até que essas tarefas, projetos, ideias ou lembretes pudessem ser incluídos nas listas ou grupos apropriados (ou na minha agenda).
Para colocar a técnica em prática você vai precisar apenas de canetas coloridas e um caderno, para começar. Foto: Pixabay
Para colocar a técnica em prática você vai precisar apenas de canetas coloridas e um caderno, para começar. Foto: Pixabay

Tá bom, mas e agora?

No mundo ideal, um aplicativo me avisaria das tarefas pendentes, feito um alarme, mas só quando eu tivesse tempo e energia para cumpri-las; no entanto, tanto Allen como Carroll insistem em falar sobre “reflexão” e “confiar no instinto”. Argh. Sério que não posso operar no piloto automático?

Os dois autores aconselham uma olhadela constante na lista de tarefas, projetos e pensamentos. “O objetivo é adquirir o hábito de se questionar, de se fazer perguntas constantemente. Com o tempo, você vai ficando cada vez mais craque em respondê-las. É uma questão de refinar suas crenças, seus valores, sua habilidade de reconhecer os pontos fracos e fortes”, escreve Carroll.

Para mim, isso tudo é novidade, por isso não sei se posso dizer que experimentei “a mente fluida feito água” ou o “fluxo” (palavras de Allen), ou qualquer outro eufemismo para quando não me sinto como se do meu cérebro jorrassem pensamentos, opiniões e ideias. Mas se, como Allen escreveu, “o segredo é se sentir tão bem com o que você não está fazendo quanto com o que está”, então acho que consegui chegar a certo grau de lucidez.
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