Comportamento

Camila Petry Feiler, especial para Gazeta do Povo

Crianças agressivas não devem ser tratadas como “alunos-problema”

Camila Petry Feiler, especial para Gazeta do Povo
25/04/2017 08:00
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o papel da escola é combater o estereótipo de que a criança agressiva tem algum problema. Pais e professores devem ficar atentos. Foto: Bigstock

Movida por impulsos em busca de novidade e liberdade, muitas vezes a agressividade na infância se apresenta como uma reação comum às descobertas na fase pré-escolar. Afinal, é entre os 2 e 3 anos que a criança começa a desenvolver práticas sociais e a agressividade pode ser uma cópia do comportamento do colega, como um processo de experimentação, afirma a psicóloga Laurema Suckow de Castro. E antes de qualquer julgamento, é preciso entender que a agressividade existe e faz parte do ser humano.
Para a pedagoga Dayse Campos, diretora da Interpares Educação Infantil, o papel da escola é combater o estereótipo de que a criança agressiva tem algum problema. Pelo contrário: ela vai obter uma série de aprendizados nessa fase. “Tratar as crianças mais agressivas como ‘alunos-problema’ é um grande erro. O que eles precisam é de assistência com apoio e compreensão até que a fase acabe”, afirma Dayse.
Ela lembra que é importante não associar o comportamento agressivo na escola com uma possível vivência agressiva em casa. Além disso, hoje em dia é muito mais comum que as crianças apresentem esse tipo de comportamento na escola. “Antigamente, as famílias eram maiores, então a agressividade surgia em casa e era resolvida em casa. Agora como a maioria das crianças é filha única, o normal é que essa questão apareça na escola e seja resolvida por lá também”, afirma Dayse.
Como a escola atua
Como o período da infância é bastante adaptável e flexível, é um período ideal para o estimulo ao desenvolvimento de habilidades sociais. Por isso, é importante que a educação infantil trabalhe o impulso da agressividade sem reprimi-lo. As crianças devem vivenciar essa etapa e ter essa energia canalizada por meio de jogos, rodas de conversa, dinâmicas de grupos e atividades em ambientes diversos.
O desenvolvimento de condutas empáticas e comportamentos sociais na infância também aparecem como fator de prevenção às condutas agressivas. Uma das formas que Dayse encontrou para trabalhar esse tema foi através dos brinquedos. As crianças devem levar brinquedos de casa diariamente para a escola.
O objetivo é trabalhar com elas questões ligadas a cuidar, guardar, dividir, devolver. Muitas pessoas temem que isso gere confusão e disputas entre as crianças – e gera mesmo. Mas, sem essas pequenas confusões, a escola não consegue trabalhar a resolução de conflitos. São vivências complexas, mas também muito importantes para o aprendizado.
Outra coisa importante é se atentar às crianças que não exercem nenhum tipo de agressividade nessa idade. Dessa forma, elas deixam de desenvolver vários aprendizados do processo. “Essas crianças, normalmente, são agredidas e não conseguem reagir. E se ela fica com essa lacuna na formação, ela pode se tornar uma pessoa passiva, que vai permitir agressividade contra ela, inclusive relacionamentos abusivos”, diz Dayse.
A “mordida” dói mais nos pais
Quando o comportamento agressivo é diagnosticado na escola, a primeira medida é convidar os pais para uma conversa. O advogado Davis Bruel já passou por duas situações distintas e viu na escola o suporte para entender a fase. Ele tem duas filhas: Bianca, de 10 anos, e Alice, de 2. “A mais velha chegava em casa toda mordida e era muito assustador. Procuramos a escola e a gente compreendeu que era normal. Como ela era a vítima, eu não tinha muito o que fazer, além de conversar”, diz Davis.
Já com a segunda filha, o jogo virou: ela começou a morder, tanto em casa como na escola. “Quando fomos conversar com a diretora e fomos avisados que ela mordia os colegas, percebemos que a mordida doía mais nos pais”. A sensação de que algo está errado pesa para os pais, que se sentem de mãos atadas. Mas, juntamente com a escola, a família de Davis desenvolveu diálogos com a filha e a fase, que durou 3 meses, terminou de forma harmoniosa.
Davis e Cleide Bruel, com as filhas Bianca e Alice. Pais viveram agressividade de formas diferentes (Foto: Divulgação)
Davis e Cleide Bruel, com as filhas Bianca e Alice. Pais viveram agressividade de formas diferentes (Foto: Divulgação)
A relação entre escola e família é fundamental. Para a psicóloga Laurema Suckow de Castro, os pais devem ser colocados a par dos ocorridos, para que tomem alguma atitude. “Conversar com os filhos, saber o que está acontecendo, perceber se eles estão muito distantes e sempre dar muito afeto e atenção”, comenta a psicóloga. Se isso não ajudar, é preciso buscar uma análise profissional, para orientação e diagnóstico. “Tudo para que a criança pare de sofrer, pois por trás desta agressividade, pode estar escondido um grande sofrimento”.
Tendo em vista que a construção das habilidades na infância sofrem influência do ambiente, a forma como a família, a escola e os amigos atuam diante do comportamento da criança é alicerçador. Se o professor responde de forma agressiva na escola, por exemplo, ele está reforçando o comportamento da criança. Por isso a importância de compreender, conversar e compartilhar os sentimentos desde cedo.
Além do normal
Como coloca Laurema, a palavra-chave é equilíbrio. Por isso que é preciso entender que a agressividade faz parte do comportamento humano e é fundamental para a sobrevivência. Em contrapartida, ela diz que é importante saber se a criança já não possui um distúrbio ou transtorno cuja a agressividade é um dos sintomas. “Nesse caso, a conduta e o olhar sobre esta criança é totalmente diferente”.
Mas, se a criança começa a apresentar comportamento agressivo sem episódios anteriores, fora da idade pré-escolar, talvez seja um sintoma para mostrar que algo não está bem. “Nesse caso, a criança não consegue por em palavras. Devemos saber que o medo dos pais é o medo dos filhos, a dor dos pais é a dor dos filhos, e a criança apenas reflete como uma forma de pedido de atenção ou socorro”, diz Laurema.
Como identificar um comportamento agressivo na escola
* A criança morde ou machuca os colegas
* Não apresenta respeito pelas regras da escola e da sala
* Tem baixa tolerância à frustração, como dificuldades de ouvir “não”
* Não faz amigos
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