Moda e beleza

The Washington Post

Globo de Ouro 2018 aliou moda e ativismo – entenda porque as atrizes usaram preto

The Washington Post
08/01/2018 10:20
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Atrizes Octavia Spencer e Jessica Chastain chegam para o Globo de Ouro 2018, na Califórnia. Foto: Valerie Macon / AFP Photo.

O tapete vermelho do Globo de Ouro 2018, premiação realizada na madrugada deste dia 8 de janeiro, foi praticamente todo preto. O que, visualmente, pode ser um pouco monótono. As atrizes usaram vestidos lindos, calças chiques e até alguns conjuntos que deixaram uma impressão forte e fizeram o que os melhores trajes de tapete vermelho se destinam a fazer: deixar o público pensando que a estrela em questão é capaz de gestos criativos e ousados. E que, por isso, é alguém ainda mais interessante.
As mulheres e homens de Hollywood usaram preto em apoio ao Time’s Up, uma iniciativa que visa a combater assédio sexual e apoiar igualdade de gênero em várias indústrias. O objetivo era o de substituir as tradicionais entrevistas sobre moda antes da premiação por um papo sobre igualdade e segurança no ambiente de trabalho. E, basicamente, eles conseguiram.
Mas a iniciativa ainda está no início, então, por enquanto, há pouco a ser dito além do fato de que ela existe. Então essa informação foi disseminada várias vezes por todos, de Meryl Streep a Sarah Jessica Parker e Reese Whiterspoon, assim como por vários ativistas que foram à premiação como convidados das atrizes.
E talvez tenha sido Meryl Streep a dizer a frase mais memorável sobre o evento. “Nesse momento, nós nos sentimos encorajadas a ficarmos juntas como uma grande linha preta dividindo o antes do agora“, disse. Já Debra Messing (de Will and Grace), uma das primeiras a cruzar o tapete vermelho, tinha um tom particularmente mordaz. Usando túnica brilhante e calças, a atriz parou para a tradicional entrevista com o canal E! Entertainement e deixou claro que tinha ido para dar sua opinião.
A apresentadora Giuliana Rancic perguntou a ela o porque de ela estar usando preto. E ela respondeu que a cor da sua roupa era para destacar a necessidade de paridade entre os sexos em todas as áreas. E que, além disso, não estava contente em descobrir que o E! Entertainement, em cujo microfone ela falava, paga menos às apresentadoras do que aos apresentadores. O plano de usar preto foi se desenhando lentamente.
Primeiro, foi uma sugestão. Depois, passou a fazer parte de uma plataforma orquestrada para angariar fundos e conscientizar. Então, tornou-se um movimento que incluiu tudo, todos usam roupas pretas. Foi um protesto e depois um sinal de solidariedade e, então, bem, ninguém sabe exatamente para onde está indo. Afinal, o ano acabou de começar. Vários ativistas foram convidados a caminhar sobre o tapete vermelho de braços dados com várias das atrizes mais envolvidas na iniciativa Time’s Up.
Streep foi acompanhada por Ai-Jen Poo, da Aliança dos Trabalhadores Domésticos; Michelle Williams entrou com Tarana Burke, que plantou a semente para o movimento de mídia social #MeToo; e havia outros líderes focados na vida de mulheres latinas, mulheres nativas norte-americanas, trabalhadoras agrícolas e assim por diante.
“Acreditamos que as pessoas de todos os gêneros e idades devem viver sem violência. E acreditamos que mulheres que enfrentaram situações de exclusão – como as de origem indígena, asiática e latina; negras; portadoras de deficiências; trabalhadoras rurais ou domésticas; gays e mulheres trans – devem estar no centro das nossas preocupações”, disseram os ativistas em comunicado conjunto.
“Este momento nos pede que usemos o poder de nossas vozes coletivas para encontrar soluções que não deixem a mulher para trás”.
As palavras no tapete vermelho, às vezes repetitivas, muitas vezes vagas, ainda conseguiram chamar a atenção para o assunto em questão. Mas e quanto ao vestuário? O vestuário pode falar poderosamente e eloquentemente para todos os tipos de problemas, mas a decisão de usar o preto no tapete vermelho vem com um conjunto único de significados.
Este era o tapete vermelho no qual a moda não deveria importar. Ou talvez a moda fosse mais importante do que nunca. Era um tapete vermelho cheio de ativistas e hashtags, vestidos finos, bordados, chiffon e muitas jóias emprestadas. Especificamente, foi preenchido com vestidos feitos sob medida criados por casas de design apenas para a ocasião. Essas marcas não receberam créditos ao vivo, como é de praxe.
Debra Messing, por exemplo, usava um conjunto personalizado de Christian Siriano. Mas quando ela parou para sua entrevista com o canal E!, a entrevistadora Rancic anunciou que não iria perguntar a ela “quem ela estava vestindo”. E Messing respondeu com um suspiro de alívio audível e um “muito obrigada”, porque ser convidado a reconhecer o designer que colaborou com você na noite seria um fardo.
Parker, cuja fama da cultura pop é, em parte, devido a seu relacionamento com a indústria da moda, não mencionou que ela estava usando Dolce & Gabbana no E!. Kerry Washington não citou Prabal Gurung. Laura Dern não deu créditos a Giorgio Armani. A moda ficou emaranhada em ativismo. E nunca foi realmente claro, nunca foi bem explicado, por que mencionar a moda era tabu. Mesmo a escolha da cor gerou um pouco de confusão.
A atriz Amber Tamblyn escreveu, em um ensaio, que o uso de preto não era sobre o luto. Foi um despertar. Mas Rosario Dawson disse que usar preto era uma forma de simbolizar “o golpe da morte que atingiu o abuso de poder”. Eva Longoria disse que o Globo de Ouro preto era porque agora não era o momento de posar em nome da moda. Em caso afirmativo, por que as celebridades ainda estavam sujeitas ao E!, que era como a objetivação de alta resolução e de câmera lenta?
Eram atrizes que sabem que todos os olhos estão em sua caminhada no tapete vermelho, aproveitando o poder da moda e se dobrando a sua vontade? Possivelmente. Mas por que mudar o vestuário em resposta a assédio sexual? Em grande medida, a moda do tapete vermelho é uma mentira bonita. Não há nada espontâneo ou orgânico ou particularmente “real” sobre as imagens que vêm do tapete vermelho. É uma fantasia. Relações públicas para todos os interessados.
Talvez a decisão de não falar sobre moda no tapete vermelho tenha sido um pouco exagerada. Mas houve lições na forma como algumas marcas lidavam com a situação. Marc Jacobs anunciou que vestiu Tracy Ellis Ross e incluiu uma declaração de Ross explicando suas escolhas estéticas, que diziam, em parte: “Eu visto preto hoje como “nós” não como um “eu”, como uma celebração de nosso poder coletivo feminino, como encarnação de irmandade, solidariedade e o trabalho a ser feito para criar mudanças estruturais na sociedade”.
E Calvin Klein, que vestiu Sarah Paulson e Millie Bobby Brown, reconheceu suas contribuições criativas em um comunicado que, ao mesmo tempo que anunciava uma contribuição financeira para o fundo legal de defesa do Time’s Up.
A moda pode ser usada como uma arma quando é permitido falar com audácia e voz alta. Não quando está abafada.
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