Saúde e Bem-Estar

Tamar Haspel, The Washington Post

Seis maneiras de emagrecer uma nação obesa

Tamar Haspel, The Washington Post
19/11/2018 12:00
Thumbnail

Em 10 anos, prevalência de obesidade no Brasil aumentou 60%, segundo o Ministério da Saúde. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo. | Gazeta do Povo

Perguntei a um grupo de especialistas em saúde pública, bem como no Twitter, e algumas sugestões apareceram repetidamente sobre como emagrecer uma nação obesa — problema que cresce em todo o mundo. Antes de olharmos para elas, porém, vamos tirar algumas coisas do caminho.
Em primeiro lugar, se tivesse um caminho fácil — ou até mesmo um meio fácil — nós teríamos realizado eles até agora.
Em segundo, se você tem em mente que qualquer intervenção que tentemos precisa de evidências científicas, você pode ir embora agora. A maioria das evidências que temos é a evidência da falha; o registro de tentativas de conter a obesidade é sombrio. Quase nada funciona em longo prazo. Nós estamos, todos nós, atirando do escuro.
Há um par de pontos, se não brilhantes, um pouco menos nebulosos. Eu vi dois programas em uma comunidade que mostraram algum sucesso em longo prazo quando comparados com outros locais em que nenhuma intervenção foi tentada. Uma delas foi em uma cidade fora de Boston (Shape Up Somerville) e a outra na França. Ambas realizaram um programa  entre a escola e a comunidade, que envolve crianças e pais, visando melhora na alimentação e atividade física. E as duas mostraram bons resultados.

Eles oferecem uma dica que todo o especialista em obesidade com quem eu falei me disse: não existe uma solução única. Uma abordagem multifatorial é a melhor esperança.

É um ponto difícil. Individualmente, praticamente nenhuma intervenção afeta a obesidade, mas estamos especulando que, em combinação, elas podem funcionar. Diga para a indústria de alimentos que eles precisam mudar as embalagens, ou para os restaurantes que eles devem deixar o número de calorias dos pratos visíveis em seus cardápios. “Bem, essas coisas provavelmente não farão tanta diferença, mas nós esperamos que, se fizermos o suficiente dessas coisas, isso ajude”.
Essa é a a realidade abaixo do esperado: nós precisamos de uma abordagem mulifacetada, apesar do fato de que nenhuma medida individual ter sido bem-sucedida.

Veja os seis pontos mais populares que encontrei para emagrecer nações acima do peso:

1 – Impostos

Para muitos, é o imposto sobre o refrigerante. Para o professor da Cornell University, John Cawley, é “um imposto nacional de base ampla para alimentos densos em energia”. Ele enfatiza que a taxa precisa ser nacional (porque “é fácil fugir” de impostos estaduais e locais), e para todos os alimentos que são “alto em calorias e zero em nutrientes”, porque os consumidores podem trocar um alimento pelo outro quando o imposto é estreito. Fora com a Coca-cola e com os Oreos.  Onde a taxação sobre os refrigerantes foi implementada (como no México e em Berkeley), há evidências da redução de compra e consumo, mas nós não temos a menor ideia do que as pessoas estão comendo ou bebendo no lugar — ou se houve algum impacto na saúde pública.
Alguns entrevistados sugeriram que essa receita fiscal seja usada para subsidiar alimentos saudáveis, embora esse tipo de esforço também não tenha mostrado um grande impacto.

2 – Reformar o programa de assistência nutricional

O Programa Suplementar de Assistência Nutricional (SNAP, anteriormente conhecido como food stamps, que oferece assistência na compra de alimentos para pessoas de baixa renda e sem renda que moram nos Estados Unidos) tem poucos limites sobre o que os seus destinatários podem comprar. O professor Cawley eliminaria do SNAP os mesmos alimentos altas-calorias, zero-nutriente que ele gostaria de taxar. A  diretora de política de nutrição do Centro para a Ciência no  Interesse Público (CSPI), Margo Wootan, eliminaria o refrigerante e acrescentaria incentivos para frutas e legumes frescos — uma mudança com apoio mais amplo.

3 – Educação

Eduardo, aluno da escola Adriano Robine, sova a massa a exemplo do chef Rafael Gonçalves, da Cantina do Délio. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Eduardo, aluno da escola Adriano Robine, sova a massa a exemplo do chef Rafael Gonçalves, da Cantina do Délio. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Comece cedo, trabalhando nutrição no currículo escolar. Ensine as crianças a cozinhar e plante hortas nas escolas. O reitor da Escola Friedman de nutrição, ciência e política da universidade de Tufts, Dariush Mozaffarian, adiciona à lista educação nesta área para estudantes de medicina. Há um extenso corpo de pesquisas ou programas educacionais; alguns são promissores, mas há pouca possibilidade de continuidade em longo prazo.

4 – Rotulagem de alimentos

Isso inclui rotulagem de calorias nos restaurantes e rotulagem clara (talvez na frente da embalagem) nos alimentos. As evidências sobre a rotulagem em restaurantes são ambíguas: alguns estudos mostram uma pequena queda dos clientes  com a contagem de calorias; em outros estudos nenhum efeito foi sentido.
Nas calorias impressas na frente das embalagens, todas as evidências são hipotéticas, com pesquisas que mostram diferentes reações ao design, com pouco resultado real.

5 – Marketing

Limitar a publicidade de alimentos para crianças e talvez até para adultos. Enquanto alguns governos (Noruega, Suíça, Reino Unido, Coreia do Sul) restringiram a propaganda, e algumas indústrias (como a de bebidas dos EUA) adotaram diretrizes voluntárias, não há evidências fortes de que a exposição de crianças aos anúncios tenha sido substancialmente reduzida — sem falar da evidência de que houve um impacto positivo na saúde pública.

6 – Atividade física

Segundo OMS, países devem criar políticas para práticas de exercícios ao ar livre e locomoção a pé ou de bicicleta. Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo.
Segundo OMS, países devem criar políticas para práticas de exercícios ao ar livre e locomoção a pé ou de bicicleta. Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo.
Torne isso mais simples! Sugestões voltadas principalmente para a boa e velha educação física nas escolas, e calçadas e espaços verdes nas cidades. A educação física na escola pode não necessariamente melhorar o IMC de uma criança, mas ninguém acha que exercício é uma má ideia.

Outras maneiras

Na miscelânea de sugestões de todas as categoria, muita gente sugeriu a reestruturação dos subsídios agrícolas, uma ideia que eu apoio, apesar do fato de que não terá muito efeito sobre os preços, e quase certamente não ajudará no combate à obesidade. Mozaffarian sugere a prescrição médica de frutas e vegetais, direcionado para populações carentes e padrões de aquisição para hospitais.

Algumas ideias inovadoras vieram do meu Twitter: não dê açúcar para crianças que não são suas. Reserve os elevadores para pessoas com  deficiência e para quem vive e trabalha acima do 10º andar.

E porque é o Twitter, naturalmente a sugestão de algumas pessoas é de que a civilização moderna deveria entrar em colapso, o que certamente resolveria esse trabalho.
E eu? Fico feliz que tenha perguntado. Meu imposto de escolha para taxação é sobre o açúcar, na cadeia de suprimentos. Eu apoio a renovação do SNAP e sou loucamente a favor da educação e da educação física nas escolas, e fico dividida entre restringir anúncios e rotulagem na parte da frente das embalagens.
Mas mesmo que a gente faça tudo que está nesta lista, eu não acho que teremos muito impacto sobre a obesidade.

Porque nenhum desses pontos chega ao item que eu penso ser a raiz do problema: a simples onipresença da comida.

Várias pessoas, incluindo o professor da Escola Friedman de Ciências e Políticas Nutricionais, Parke Wilde e a professora da Universidade de Nova York, Marion Nestle, uma das vozes mais proeminentes na área de saúde pública, também se concentram neste problema. “Várias mudanças sociais promoveram a cultura de que qualquer comida está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, em enormes porções e em um preço baixo notável”, Nestle me escreveu em um e-mail.
Nós não podemos reverter essas mudanças sociais por decreto do governo; mudanças sociais são um trabalho para a sociedade, e a minha prioridade número 1 é aproveitar a preocupação pública — e o poder de compra — para estimular mudanças no setor privado. Nestle começaria com o tamanho das porções, e eu acho que isso é algo enorme. Nós podemos conseguir que restaurantes ofereçam a metade de suas porções como entrada, por exemplo? Ou, que sirvam copos de refrigerantes menores? (a rotulagem de calorias pode impulsionar isso também).
Mas nós temos que ampliar a lente. Ei, empregadores —  vocês poderiam perguntar aos seus funcionários se eles preferem ter menos encontros com donuts e ter mais chances de subir escadas? Nós precisamos mesmo dar doces e salgadinhos para crianças depois todos os jogos de todos os esportes? E que tal implementar uma regra de não comer durante as aulas nas faculdades? E falando em reduzir ocasiões que envolvem comida, organizações como o Centro Para Ciência e Interesse Público está trabalhando em retirar doces das áreas de checkout em aeroportos — um esforço que está dando frutos.
Nada disso vai nos deixar magros, mas, juntas, elas são a nossa melhor aposta para mudar o panorama. Todos nós temos que começar um pensamento diferente em relação a comida. Onde é apropriado para comer? Como é uma porção adequada? Um jantar é a chance para as famílias estarem, e comerem, juntas? As lojas que vendem roupas deveriam vender junto junk food? Será que todo mundo deveria saber o que fazer com um saco de lentilhas? (ok, talvez esse último item seja um sonho).

Sem balança?

O efeito platô é uma falta de resposta do corpo a um determinado estímulo, assim mesmo que faça exercícios, por exemplo, a pessoa não consegue emagrecer. Foto: Bigstock
O efeito platô é uma falta de resposta do corpo a um determinado estímulo, assim mesmo que faça exercícios, por exemplo, a pessoa não consegue emagrecer. Foto: Bigstock
Uma questão que muitas pessoas mencionaram para mim foi que nós deveríamos parar de focar no peso e focar na comida. Mas se tem uma coisa que nós sabemos com certeza é que a obesidade está tão perto de ser um percursor para problemas de saúde como qualquer outra coisa. Há, claro, uma classe de pessoas que são obesas e ainda “metabolicamente saudáveis” — isto é, eles não têm fator de risco para doenças como pressão alta ou colesterol alterado. O estudo mais recente sobre esse tema, publicado em julho, clama que essas pessoas não estão “aumentando o risco de morte significativamente por todas as causas”.
Mas leia as letras miúdas e se concentre no porcentual de pessoas obesas que se enquadram nesta categoria. É 5,8% entre os 94% das pessoas obesas que não são metabolicamente saudáveis. Para contextualizar: vale a pena lembrar que a maioria dos fumantes, de 85% a 90%, não tem câncer de pulmão, ainda que fumar seja o maior fator de risco para a doença. (também vale a pena ressaltar: outra pesquisa pontou que mesmo pessoas obesas metabolicamente saudáveis tem risco maior de desenvolver doenças).
Focar no peso é focar na saúde: a questão é como podemos fazer isso de uma maneira que seja favorável, construtiva e gentil. A resposta, eu acho, é focar no ambiente alimentar que nos cerca. Quando 2/3 de nós ser humanos não conseguem navegar pelo sistema alimentar com sucesso, temos que procurar a resposta no sistema, e não em nós mesmos.
De acordo com o professor Wilde, o fato de termos ganhado peso ao mesmo tempo em que o nosso ambiente alimentar mudou nos diz alguma coisa. Nos diz que a obesidade é “responsiva a condições externas”. Nossa melhor esperança não é esperar que as pessoas vivam nesse ambiente alimentar e continuem magras. Nós temos que voltar ao antigo ambiente, para que a resposta seja dada.

***

LEIA TAMBÉM