Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Compulsão por contar calorias e quase não comer; Netflix retrata verdades da anorexia

Amanda Milléo
13/09/2017 08:00
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Foto: Reprodução

Ellen consegue calcular, de cabeça, a quantidade correta de calorias de cada refeição. Quando ninguém está vendo, ela faz abdominais que geram hematomas nas costas, porque os ossos estão expostos pela falta de gordura corporal. Nas refeições, ela corta os alimentos em pedacinhos pequenos e os espalha pelo prato, a fim de enganar os pais e amigos de que está se alimentando de forma satisfatória – quando, na verdade, ela come muito pouco.
O comportamento da jovem, cuja história fictícia é retratada no filme da Netflix “O Mínimo para Viver” e representada pela atriz Lily Collins (veja o trailer abaixo), é o mesmo de milhares de garotas e garotos que convivem com a anorexia. Essa representação tão fiel à realidade fez do filme uma referência aos médicos psiquiatras e especialistas no assunto.
“Eu considero esse filme muito bom para discutir o tema, porque o assunto não é muito comentado. A anorexia nervosa é questão de saúde pública, pois é o transtorno com maior risco de mortalidade”, alerta Glauber Higa Kaio, médico psiquiatra especialista em transtornos alimentares pela Unifesp e membro da Associação Paranaense de Psiquiatria.
A taxa de mortalidade da doença chega a ser de 6 a 12 vezes maior que a taxa de mortalidade esperada para uma população de mesma idade e gênero – sendo tão preocupante quanto a depressão, por exemplo.
O filme lembra outra representação midiática que fez sucesso nos últimos tempos: a série – também da Netflix – “13 Reasons Why”. Neste, trata-se da história de uma adolescente em depressão que acaba por cometer o suicídio. Ao contrário da série, que recebeu muitas críticas pela visão romântica sobre o suicídio, o filme que retrata a anorexia deixa claro, logo no início, que todos os sinais dos personagens indicam uma doença.
“Foi mostrado daquele jeito, com tantos detalhes, mas você sabe que ela está doente. Eu acho pior quando você abre uma revista de moda e está lá o corpo magro sem nenhuma associação ao transtorno. Isso passa uma visão distorcida. Do jeito que foi exposto no filme, não acho que seja uma visão negativa”, explica Kaio.
Ver a anorexia na mídia, porém, não é suficiente para que o filme tenha efeitos benéficos à população. Felipe Augusto Dufloth, médico psiquiatra do hospital Marcelino Champagnat e do Centhre – Centro de Tratamento do Humor Resistente, lembra que as conversas dentro de casa, entre pais e filhos, entre psiquiatras, psicólogos e pacientes são fundamentais.
“Se o seu filho ou paciente vê o filme e você deixa quieto, ele não é orientado sobre o que é certo ou o que é errado e aí fica o problema. A anorexia não é uma questão apenas psíquica, de ver uma imagem corporal que não condiz com a realidade, mas também orgânica. Existe essa alteração orgânica e que pode ser reforçada pelos fatores ambientais”, reforça Dufloth.
Tratamento
Dos tratamentos mais comuns do transtorno, a psicoterapia é a mais indicada para tratar as crenças irreais relacionadas com a alimentação. Como muitos pacientes apresentam, além da anorexia, outras comorbidades, como depressão, em alguns casos é indicada medicação para o tratamento dessas doenças associadas.
É importante lembrar, porém, que todo tratamento da anorexia é multi e interdisciplinar: trabalham juntos médicos psiquiatras, clínicos, psicólogos, nutricionistas, entre outros. “Quando o paciente atinge um Índice de Massa Corporal (IMC) abaixo de 13, há alterações mentais e, nestes casos, é preciso fazer o internamento e uma sonda gástrica”, explica o psiquiatra Felipe Dufloth.
Sinais da doença
Dos sinais e sintomas, muitos foram retratados no filme “O Mínimo para Viver”. Confira abaixo os principais, de acordo com informações dos especialistas ouvidos pelo Viver Bem:
Preocupação excessiva com a imagem corporal. São pessoas que, geralmente, medem a circunferência dos braços, da coxa, abdome, que vestem roupas largas ou sobrepostas para esconder a magreza.
Pelos no corpo. Como forma de se proteger, o organismo de uma pessoa com anorexia desenvolve uma penugem pelo corpo, para tentar se esquentar – visto que a taxa de gordura corporal é muito baixa.
Alimentos espalhados. Para enganar os familiares, a pessoa anoréxica pica os alimentos e os espalha pelo prato, para disfarçar a pouca quantidade e fazer parecer que comem mais do que de fato.
Problemas familiares. Uma situação comum nos consultórios médicos é a ausência de um dos pais ou a presença de famílias desestruturadas, com alguém que parece não acreditar no transtorno do parente.
Indecisão entre se tratar ou não. Outra situação comum é de pacientes que marcam consulta, relutam em ir, desmarcam e voltam meses ou mesmo anos depois.
Isolamento social. Evitar sair com amigos, especialmente quando o programa envolva um local com refeições, é outro sinal comum.
Exercícios físicos escondidos. Correr, fazer abdominais e tentar, de todas as formas, perder as calorias ingeridas na refeição anterior.
“São várias as causas de transtorno alimentar. Mas a principal e que aumenta em 20 vezes o risco de desenvolver um transtorno alimentar é a DIETA. Vários estudos mostram que as pessoas que começam uma dieta têm o risco aumentado em 20 vezes” – Glauber Higa Kaio, médico psiquiatra especialista em transtornos alimentares pela Unifesp e membro da Associação Paranaense de Psiquiatria.
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