Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Refluxo em crianças: por que remédios anti-ácidos não devem ser prescritos

Amanda Milléo
13/07/2019 15:00
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Refluxo em crianças: quais são os tratamentos mais indicados, e por que não são os anti-ácidos? (Foto: Bigstock)

Bebês regurgitam depois da mamada. Isso é normal e faz parte do desenvolvimento da criança, que ainda não consegue se sentar sozinha e nem tem a válvula (que faz a ligação entre o esôfago ao estômago, mantendo os alimentos abaixo dela) com total competência para a função. Mas e quando a prática acontece em crianças mais velhas?
Uma criança que, passado os dois anos de idade, ainda tem sintomas de vômito ou refluxo pode ter diferentes causas, que vão de alergias alimentares à alguma má formação. Nenhum desses casos demanda necessariamente uma medicação, como anti-ácidos ou inibidores da bomba de prótons, sob o risco de afetar outros sistemas importantes do paciente.

“Vômito em bebê cabe bastante investigação, análise clínica, porque mais de 90% das crianças nessa idade têm refluxo, e não significa nada, já que é normal vomitar nessa idade. Depois do primeiro ano, o refluxo cai para 5% e não é algo esperado com frequência. Mas o tratamento para criança é diferente do adulto. A questão da alimentação é muito importante, assim como a postura”, explica Marcilene Teixeira Lima Oku, médica pediatra do hospital Nossa Senhora das Graças. 

Em geral, conforme explica a especialista, a dieta das crianças com sintomas de refluxo contém alimentos que favorecem a condição, como excesso de cafeína (seja em refrigerantes ou mesmo chá gelado), chocolates e muitas frituras.

Há também falta de exercícios físicos, excesso de peso e erro na postura. “Hoje temos muitos casos de obesidade infantil, que facilitam o refluxo, e não só em crianças. Quando abordamos outras vertentes de diagnóstico conseguimos resultados mais interessantes do que apenas aplicando um remédio”, reforça a pediatra. 

Sintomas de refluxo em crianças

Quando o refluxo acontece em bebês, não há qualquer desconforto a eles, visto que se trata de um movimento fisiológico e normal, que passará com o tempo. Em crianças, os sintomas podem aparecer em forma de outras doenças, como:
Pneumonia.
Tosse.
Dor abdominal.
Dificuldade para se alimentar (recusa de alimentos).

“Nesses casos são crianças que, na sua grande maioria, têm erro alimentar, obesidade. Existem sim casos em que é preciso fazer uma investigação e tratamento, mesmo cirúrgico. Tive um paciente que não tinha a válvula por uma doença congênita e, ao fazer uma cirurgia, uma parte do estômago subiu com o esôfago. Ele tinha pneumonias de repetição, com três anos, e até passar pela cirurgia foi preciso usar muito bloqueador de ácido. Porque a gente tirava o remédio, a criança tinha asma, pneumonia, otite. Mas é um caso específico”, reafirma a médica pediatra Marcilene Oku. 

Uso de remédios contra o refluxo em crianças pode trazer efeitos colaterais importantes (Foto: VisualHunt)
Uso de remédios contra o refluxo em crianças pode trazer efeitos colaterais importantes (Foto: VisualHunt)

Risco dos remédios

O uso de medicamentos anti-ácidos em crianças não é tão simples e nem indicado indiscriminadamente por um motivo simples: a acidez do estômago tem função importante na digestão, mas também na imunidade.

“A acidez do estômago é uma barreira também para proteger a criança, é uma proteção contra infecções, além de facilitar o processo de digestão. Alterar esse pH gástrico a longo prazo tem consequências, seja em crianças, mas adultos também”, explica a pediatra Marcilene Oku.

Alguns nutrientes também são melhor absorvidos a partir da acidez e o uso de inibidores da bomba de prótons (como omeprazol, lanzoprazol, pantoprazol, etc) ou mesmo antagonistas do receptor H2 da histamina (como ranitidina, nizatidina, famotidina, etc) pode causar efeitos colaterais, aumentando o risco de pneumonias, gastroenterites, candidíase, manifestações cardiovasculares e enterocolite em prematuros.

“Atualmente, não há evidências científicas que justifiquem a recomendação do uso destes medicamentos em pediatria, uma vez que os potenciais efeitos colaterais destas medicações são mais importantes do que os benefícios por eles alcançados no tratamento da DRGE (doença do refluxo gastroesofágico)”, explica Mário Vieira, médico gastroenterologista pediatra do hospital Pequeno Príncipe, médico, que também é membro da diretoria da Sociedade Paranaense de Pediatria (SPP) e professor da PUCPR.

Há estudos, conforme explica Vieira, que associam o uso dos anti-ácidos à alteração da microbiota do intestino, predispondo ao desenvolvimento de alergias alimentares nas crianças. “Infelizmente, o que se observa atualmente é um abuso na utilização de medicamentos em bebês com irritabilidade e choro excessivo, nos quais a doença do refluxo não é uma causa comum para o aparecimento desses sintomas”, diz Vieira, que completa:

“Os motivos que levam ao excesso de tratamento na DRGE não são claros, mas se acredita que o ‘rótulo de DRGE’ pode perpetuar o uso da medicação em lactentes saudáveis influenciando a percepção dos pais no interesse em medicar os bebês, mesmo quando são informados que os medicamentos são provavelmente ineficazes.”

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