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Estudo destaca aumento na incidência de câncer em jovens nos últimos anos no Brasil (Foto: Bigstock)
Estudo destaca aumento na incidência de câncer em jovens nos últimos anos no Brasil (Foto: Bigstock)| Foto:

Ao olhar para os números de câncer entre 1997 e 2016 no Brasil, os pesquisadores do Observatório de Oncologia tiveram uma surpresa. Entre os jovens (de 20 a 49 anos), houve um aumento na incidência da doença nesses últimos anos.

Câncer da glândula da tireoide, por exemplo, teve um aumento de 8,8% nessa faixa etária, enquanto a doença na próstata registrou um crescimento de 5,2% e no cólon e reto foi de 3,4%.

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A surpresa decorre de dois fatores principais: o câncer, por mais que possa surgir entre uma população mais jovem, ainda é uma doença bastante associada à pessoas mais velhas, visto que um dos fatores de risco para o desenvolvimento é a idade avançada. Já o segundo fator diz respeito aos tipos de cânceres indicados pela pesquisa, divulgada na última quarta-feira (17) pelo Observatório.

O câncer de próstata, conforme explica João Soares Nunes, médico oncologista do hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, é uma doença cujos fatores de risco são principalmente a idade avançada e a hereditariedade (parentes próximos que foram acometidos por esse tipo de câncer, indicando que a doença corre pela genética da família). E aí pode estar uma das respostas aos números encontrados no levantamento.

“[O câncer de] próstata não tem muitos fatores de risco, como alimentação, cigarro ou bebida alcoólica. É mais a questão genética, hereditária. Os dois fatores que influenciam o surgimento desse câncer é a idade, mas também o parente próximo que teve a doença”, explica o especialista. 

Isso não significa que o estilo de vida não possa acelerar o surgimento da doença, como é comprovado em estudos. O uso do cigarro, por exemplo, é consenso entre os médicos como risco direto ao desenvolvimento de um câncer de pulmão, além de favorecer cânceres na boca, pescoço, cabeça e até mesmo bexiga.

Para atingir os jovens, porém, outros fatores devem estar associados, segundo o oncologista. “A mudança de hábitos, como a obesidade, influencia o câncer comum, que surge na pessoa mais velha, como o câncer de corpo de útero, que foi outro câncer que mais cresceu em termos de mortalidade, conforme mostrado pelo estudo”, diz Nunes.

Dos cânceres elencados pelo estudo com maior mortalidade na mesma faixa etária, destaque para o câncer no corpo do útero (4,2% de aumento), cólon e reto (3,2%), mama (2,5%), cavidade oral (1,2%) e colo do útero (1%).

Diagnóstico tardio do câncer

Casos de câncer entre os adultos jovens podem não ser doenças que surgiram nessa faixa etária, mas ainda na infância — e que foram negligenciadas.

“Os médicos pediatras precisam lembrar sempre do diagnóstico de câncer em crianças que, embora raro, acontece. Já existem campanhas, como a do retinoblastoma, cujo diagnóstico é feito pela fotografia da criança, cujo olho não fica vermelho. O índice de câncer em crianças também está relacionado a influência genética, hereditária, como no retinoblastoma”, explica João Nunes, médico oncologista.

Um câncer desenvolvido nessa idade, mas não identificado, pode surgir com sintomas mais graves anos mais tarde. Além disso, o diagnóstico do jovem adulto também é um desafio, ainda segundo o médico, porque eles têm alguns tumores que se assemelham aos das crianças, mas são quase adultos.

“São pessoas que, além de não pensarem no diagnóstico de câncer, acabam procurando pouco o médico porque estão em uma faixa de transição do pediatra ao médico de adulto. Isso leva ao diagnóstico tardio. E, muitas vezes, são tumores agressivos”, reforça o especialista.

Mais exames, mais diagnóstico

Outro fator que pode ter levado a um aumento nos números de câncer em jovens está relacionado ao maior acesso a exames ao longo do período analisado pelo Observatório de Oncologia. Essa seria uma justificativa plausível para o crescimento nos diagnósticos de câncer da glândula da tireoide, conforme explica Hans Graf, médico endocrinologista, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, chefe da unidade de tireoide do serviço de endocrinologia da UFPR.

“O principal motivo do aumento [no número de câncer da tireoide] é a maior procura por exames de imagem. Hoje se faz a ecografia de tireoide de rotina, onde são detectados pequenos nódulos, muitos  nem mesmo palpáveis e que são indolentes”, explica o especialista.

Em casos assim, o tratamento não exige sempre uma abordagem mais agressiva, mas um acompanhamento. “São lesões de pequena agressividade e esse aumento é mundial, não é um fenômeno exclusivo dessa faixa etária. Muitas vezes o ecografista recebe a solicitação para um exame das mamas e não raramente faz da tireoide também. Lá ele encontra lesões microscópicas e que muitas vezes pode não tratar de forma agressiva, e são curáveis”, diz Graf.

Exames de imagem na tireoide são indicados apenas quando há:

  • Histórico familiar de câncer da tireoide;
  • Processos inflamatórios frequentes da tireoide;
  • Glândulas de tamanho alterado;
  • Doenças como a de Hashimoto.

“Não há motivo para fazer um exame de rotina [da tireoide] em uma pessoa jovem, sadia, sem queixas”, alerta Graf.

Ainda assim, o endocrinologista não exclui a possibilidade de fatores ambientais favorecerem o surgimento desse tipo de câncer, como a obesidade — condição associada a outras neoplasias.

“Dados claros da população americana indicam que a obesidade pode ser um fator de importância. Não temos esses dados no Brasil. Não há relação com tabagismo ou com álcool, como acontece com outros cânceres”, explica o especialista.

Percepção exagerada

De acordo com o médico oncologista João Soares Nunes, é preciso considerar também o seguinte fator na hora de fazer a leitura dos números de câncer no país: em 1997 o registro dos casos de câncer, especialmente entre os adultos jovens, poderia não ser feito com o mesmo rigor que em 2016 (último ano de coleta dos dados). Dessa forma, um número crescente de cânceres é bastante plausível.

“O levantamento do Observatório é novo, com uma abordagem diferente. Mas a base de dados tem limitações de interpretação. A primeira questão é ponderar a qualidade dos registros do SUS nessas décadas avaliadas. Pode ser que agora se registre mais, catalogue melhor esses casos. Antes as pessoas morriam sem o catálogo adequado”, diz Nunes.

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