Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Brincadeiras devem ser prescritas como remédios, defendem pediatras

Amanda Milléo
30/09/2018 12:00
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Além de se exercitarem, brincar ajuda no desenvolvimento social, emotivo e cognitivo das crianças (Foto: Hugo Harada/ Agência de Notícias Gazeta do Povo) | Gazeta

Brincar parece fazer parte da rotina de qualquer criança, certo? Não é bem assim: assustados com a quantidade crescente de crianças com as agendas cheias de compromissos, os pediatras norte-americanos publicaram um alerta: médicos devem prescrever, tal qual remédio,  a brincadeira para as crianças e também para os adultos.
O momento é essencial para o desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional, além de trabalhar na linguagem e nas habilidades sociais das crianças. “Quando as brincadeiras e as relações seguras, estáveis e amorosas estão em falta na vida da criança, o estresse tóxico pode atrapalhar o desenvolvimento de funções executivas e o comportamento de aprendizagem pró-social”, ressaltam os médicos norte-americanos em comunicado divulgado em agosto.
Dentre os benefícios, as brincadeiras ajudam a criança a desenvolver noções de colaboração, negociação, resolução de conflitos, defesa de si próprio, tomada de decisão, criatividade, liderança, além de aumentar os exercícios físicos.
“Brincar melhora a estrutura e a função cerebral, e promove uma função executiva, como por exemplo o processo de linguagem, permitindo que nós persigamos metas e ignoremos as distrações”, aponta o relatório.

Criança pode, e deve, ser livre para sujar

Não é difícil encontrar hoje brincadeiras estruturadas, com muitas regras e com objetivos claros e didáticos. Embora sejam atividades importantes, é preciso que a criança também tenha momentos livres, onde ela possa escolher do que e como vai brincar.
Foto: Markus Spiske/Unsplash.
Foto: Markus Spiske/Unsplash.
“Não digo que tenha que sempre ser assim, mas é preciso um momento que a criança escolha o que brincar, se vai usar argila, tinta, o que for. Nada que ofereça risco, mas sem a preocupação dos pais que a brincadeira vá sujar o local. Ou, se for um jogo certo, que ela possa criar novas regras”, explica Rita de Cássia Lous, psicóloga e coordenadora do setor de voluntariado do hospital Pequeno Príncipe.
Uma vez dada a liberdade, todas as escolhas — e inclusive a responsabilidade — recaem sobre a criança, e isso é bastante benéfico.
“Ela precisa ter a opção de fazer escolhas e que ela seja respeitada por isso. Ouvir a criança é muito importante. A medida que a escolha dela for respeitada, as consequências são dela também. Ela vai brincar e, se sujar, depois vai limpar. Talvez ela não fique contente, mas isso também é importante para ela aprender com a frustração”, reforça a psicóloga.

Brincadeira terapia

Os pais que brincam junto com as crianças conseguem, inclusive, perceber sentimentos que os filhos não manifestam no dia a dia, como de tristeza ou angústia.
“A criança tem condições de colocar no brincar tanto o que traz alegria quanto o que traz tristeza, e aprende a lidar com isso. Um exemplo simples: quando eu brinco de professora e eu me sinto mal com alguma situação que ocorreu na sala de aula, eu imito na brincadeira. Isso me reestrutura”, reforça Rita de Cássia Lous, psicóloga.
Além disso, qualquer objeto se transforma em um brinquedo pelo olhar da criança e isso também colabora na formação. “Só o ser humano consegue olhar para o objeto além da função e imaginar algo a mais, dar um valor simbólico. O cabo de vassoura que se transforma em um cavalinho. Hoje trabalhamos com brinquedos prontos, e isso não é ruim. Mas a possibilidade de se tornar algo que não é brinquedo em brinquedo também deve ser dada à criança”, explica a psicóloga.

“Tudo que a gente faz com prazer na vida adulta, como trabalhos manuais, provavelmente foi algo que a gente brincou na infância. O nosso precursor é o brinquedo, as brincadeiras” – Rita Lous, psicóloga.

Crianças precisam correr

Se a brincadeira envolve o correr, caminhar, pular e se jogar, Evando Góis, médico ortopedista e traumatologista pediátrico, prescreve no consultório. O especialista aplica há anos a regra reforçada agora pela Academia norte-americana de Pediatria, e diz que conversando e explicando aos pais, até eles entram na brincadeira.
“A criança chega ao consultório e eu não digo que vou prescrever uma atividade física, mas uma brincadeira que ela se divirta. Peço que ela escolha algo que goste e não quero que se torne um atleta profissional, mas que ela saia de casa, não fique parada”, explica o especialista, que atua no hospital Pequeno Príncipe.
Não se trata apenas do aspecto físico, conforme reforça Góis, mas também do ponto de vista social que a brincadeira beneficia. “Criam-se uns adultos meio alienados, que não sabem ter uma interação social. Quando você faz um esporte, ele pressupõe regras, um líder, que você tem que obedecer ou liderar. Tudo isso é importante”, diz o especialista.
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