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Busca na internet por sintomas não substitui consulta médica; saiba os perigos

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10/08/2018 08:30
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Regras do atendimento médico online estão sendo questionadas por algumas entidades. Foto: Bigstock

Pessoas das classes A e B, com curso superior e jovens, são o perfil dos pacientes que usam a internet para se autodiagnosticar, segundo levantamento do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), entidade de pesquisa e pós-graduação na área farmacêutica. O terceiro estudo do instituto sobre o tema apontou que 40,9% dos brasileiros fazem autodiagnóstico pela internet. Desses, 63,84% têm formação superior.
A última edição do estudo, de 2016, já apontava patamar de 40% de autodiagnóstico online, mas dessa vez foi traçado o perfil socioeconômico. “É uma novidade e nos surpreendeu muito, porque imaginávamos que quem se autodiagnosticava eram pessoas que não têm acesso ao médico. Mas são das classes A e B, esclarecidas e com poder econômico para buscar informação de saúde mais concreta e consciente”, diz Marcus Vinicius Andrade, diretor de pesquisa do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico do ICTQ.
Entre os que fazem autodiagnóstico 55% são das classes A e B e 26%, das classes D e E. “Pessoas de baixa renda ainda buscam mais o médico em prontos-socorros. Quanto mais idosas, mais recorrem ao médico, pois têm dificuldade com a internet de modo geral.” O levantamento foi feito em maio em 120 municípios, incluindo todas as capitais, e ouviu 2.090 pessoas com mais de 16 anos. Para os pesquisadores, o imediatismo está entre as motivações, principalmente na geração de 16 a 34 anos.
A professora Isabella Oku, de 28 anos, é um exemplo. “Evito ir a consultas em relação a certos sintomas, coisas que não são tão graves, como alergias.” Há cerca de oito meses, ela está com um desconforto na unha, que coça sempre que vai à manicure. Isabella pesquisou na internet uma pomada, que está usando. “Não quero precisar esperar o médico ter disponibilidade para me atender.”
Na semana passada, com dor de garganta, já chegou ao consultório dizendo que estava com amidalite. “Tomei antibiótico e não adiantou nada. O médico falou que eu estava resfriada e isso é muito genérico.”
Autodiagnóstico: uma realidade que só aumenta
Foto: Bigstock
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Denize Ornelas, da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, diz que o número de pacientes que chegam aos consultórios com autodiagnóstico e automedicação é crescente. “O maior impacto é quando chegam por efeitos colaterais ou interação medicamentosa”, diz. “A maior parte das doenças começa com dor, febre, indisposição, sintomas mais gerais. Se o paciente se automedica e não espera a progressão, pode mascarar uma doença. Dor abdominal pode ser azia e má digestão, mas, se você faz uso constante de antiácido, pode retardar um diagnóstico de câncer de estômago. É raro, mas pode acontecer.”
Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu os critérios para que remédios pudessem ser isentos de prescrição médica. Não ter potencial para causar dependência, não ter indicação para doenças graves e ser tomado por prazo curto estão entre os requisitos. “São feitos para sintomas menores, como dor de cabeça, indisposição estomacal”, diz Marli Sileci, da Associação da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição.
O Google e o Hospital Israelita Albert Einstein fecharam em 2016 parceria para oferecer informações confiáveis a usuários que fazem buscas na área da saúde por meio de quadros com dados sobre as doenças revisados pelo hospital. No ano passado, foram incluídos dados sobre os sintomas.
“Faço automedicação total”
Pesquisa foi feita com 31 homens voluntários na Dinamarca. Foto: Pixabay.
Pesquisa foi feita com 31 homens voluntários na Dinamarca. Foto: Pixabay.
O analista de negócios Raul Almeida, de 27 anos, está entre os 63% dos brasileiros com nível superior que têm o hábito de se autodiagnosticar pela internet. Ele busca os sintomas de doenças no Google, não gosta de ir ao médico por achar burocrático e cansativo – apesar de ter plano de saúde -, e só sai de casa com uma bolsinha de remédios básicos.
Em uma das últimas vezes que recorreu ao hospital, aguentou três semanas sentindo coceira e tentando se tratar com xarope antialérgico. “Estava coçando pouco na primeira semana. Joguei no Google as palavras ‘manchas vermelhas no corpo’. Aí falou que podia ser sífilis ou alergia e para todas essas coisas o tratamento era Benzetacil. Tentei tomar só xarope, mas já na terceira semana estava muito ruim. Precisei ir correndo para o hospital. Cheguei lá e falei: isso é uma bactéria. O médico confirmou e tomei a Benzetacil”, conta.
Para Almeida, a regra é: se o nariz coçou, lava com Rinossoro ou banho quente. Se sentiu dor de cabeça, compra Tylenol e Advil. “Faço automedicação total”, admite. Aliás, na bolsa, o que “nunca pode faltar”, diz ele, é Advil. “Aciclovir porque tenho herpes desde pequeno, Strepsys para a garganta é bom ter também. E algum sorinho para lavar o nariz.”
“Esses dias minha gengiva estava sangrando. Joguei no Google ‘gengiva sangrando’. E dizia que podia ser provocada por causa dos dentes. Pensei que provavelmente está inflamada porque ainda tenho todos os meus sisos. Não posso tirar os sisos agora por falta de dinheiro. Mas também pode ser outras coisas, né? Pode ser gengivite… Não tenho a confirmação, mas também não me automediquei.”
O analista de negócios tem plano de saúde da empresa onde trabalha e confessa que não gosta de ir ao médico por “pura preguiça”. “É fadiga, é fila. Você chega lá e tem um monte de gente doente, aquele clima ruim… Tem de esperar senha, se cadastrar. Parece banco. Tenho paciência zero para ficar esperando. É todo um processo.”
Almeida defende ainda que no Brasil as consultas e as prescrições deveriam ser feitas por médicos virtualmente, seguindo moldes internacionais, onde o paciente pode ser consultado online, usando o tablet ou o computador. “Se fosse um cenário assim, com certeza ia ser mais fácil. Mas como é muito burocrático, vou bem pouco mesmo ao médico”, confessa.
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