Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

“Cabeça humana” criada por médicos e experts de Hollywood é avanço na neurocirurgia

Amanda Milléo
07/03/2018 12:00
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"Cabeça humana", feita de silicone e resina, foi desenvolvida para treinar médicos neurocirurgiões (Foto: Divulgação)

Neurocirurgiões precisam de cabeças para treinarem técnicas e procedimentos antes das cirurgias nos cérebros. Muitas cabeças. Uma para cada nova doença ou condição, pelo menos. E isso não era possível, até agora.
Nos últimos dois anos, pesquisadores brasileiros e norte-americanos, em parceria com especialistas de efeitos especiais de Hollywood, criaram uma “cabeça humana“, feita a partir de resina e silicone, que simula diferentes doenças e condições cerebrais – conforme a necessidade de prática do médico. Todos os detalhes anatômicos internos, e também externos, foram esculpidos no modelo, que reproduz as características do cérebro, inclusive as pulsações e o fluxo sanguíneo.
“Nós desenhamos uma espécie de simulador de voo para o cérebro. Primeiro, fizemos um exame de ressonância magnética da cabeça de um paciente e, com um grupo de neurocirurgiões, traduzimos o exame para um ambiente tridimensional. Criamos, então, um modelo da cabeça na impressora 3D. O pessoal de efeitos especiais tornou o modelo bem mais realista, o que era importante para que os neurologistas comprassem a ideia”, explica Alan Cohen, médico norte-americano, chefe da divisão de pediatria, neurocirurgia e professor de neurocirurgia, oncologia e pediatria da Universidade de Johns Hopkins, idealizador da “cabeça humana”.
(Foto: Divulgação)
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Por enquanto há uma só cabeça protótipo, que foi testada pela neurocirurgiã brasileira Roberta Rehder em sua tese de doutorado (defendida nessa semana na Faculdade Evangélica do Paraná – Fepar). No estudo, a médica avaliou como o simulador ajudaria o neurocirurgião durante uma cirurgia para tratar uma hidrocefalia, ou a presença de água no cérebro. O procedimento escolhido pelos médicos para ser testado foi a Terceiroventriculostomia endoscópica, técnica minimamente invasiva comumente usada no tratamento da hidrocefalia.
O plano, segundo Roberta Rehder, é que esse primeiro modelo sirva de ponta pé para outras “cabeças humanas”, que tratem de outras condições. “Inicialmente com cirurgias minimamente invasivas, acessos cirúrgicos. E esse foi o primeiro modelo”, explica a médica. Além disso, partes do simulador podem ser substituídas, de forma a servir de treino para diferentes condições médicas, e o conhecimento pode ser distribuído ao redor do mundo.
“O modelo é bem realista, e o feedback tátil que o médico recebe durante o procedimento é muito bom. Externamente ele é bem realista também. Tanto que, quando o trabalho foi publicado em uma revista científica de Neurocirurgia, o pessoal da publicação pediu para que enviássemos o consentimento do paciente para o uso da imagem, mas não era o rosto de nenhum paciente específico”, confirma Cohen, em entrevista ao Viver Bem em Curitiba, após visita do médico à cidade.
(Foto: Divulgação)
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Hollywood na medicina

O realismo da “cabeça humana” precisava de pessoas com experiência em criar “cabeças humanas”, e elas vieram diretamente de Hollywood. Conforme explica Roberta Rehder, neurologista e integrante do projeto, os experts em efeitos especiais foram contatados diretamente pelos chefes dos departamentos de neurocirurgia e engenheiros de simulação cirúrgica do Boston Children’s Hospital, nos Estados Unidos.
No currículo, os especialistas têm um prêmio Emmy pelos efeitos especiais da série norte-americana Knicks, dirigida por Steven Soderbergh e estrelada pelo ator Clive Owen. A série trata da vida profissional e pessoal do médico John W. Thackery e dos funcionários de uma versão fictícia do hospital Knickerbocker Hospital, em Nova York, na primeira metade do século XX. De cabeça humana, portanto, eles entendem.
(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

Não seria mais fácil usar cadáveres?

Cadáveres não são modelos muito bons para neurocirurgias porque nem sempre as pessoas morrem com os tumores ou com as condições que os médicos precisam estudar. “Também, os cadáveres são muito caros e não podem ser reutilizados”, explica o médico norte-americano Alan Cohen.
Uma vez feito qualquer procedimento no cérebro de um cadáver, o órgão se deteriora, deixando-o inutilizável para um segundo neurocirurgião. Da mesma forma, sempre há um risco de transmissão de doenças quando se mexe com um órgão vivo e, no caso de um paciente que falece de um ataque cardíaco, o cérebro pode diminuir de tamanho, o que torna o trabalho do neurocirurgião mais difícil. Como as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil, muitos cérebros se tornam inviáveis para o estudo.

“Tentamos também modelos de realidade virtual. Desenvolvemos um simulador e o feedback era muito bom, mas as imagens gráficas não. Para que os médicos comprem a ideia e consigam treinar de forma satisfatória, é preciso que seja totalmente realista, que lembre um cérebro real, uma cirurgia real. O avanço real foi trazer o pessoal de Hollywood”, reforça Cohen.

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