Saúde e Bem-Estar

Monique Portela, especial para o Viver Bem

Movimento combate “ilusão terapêutica” por exames desnecessários

Monique Portela, especial para o Viver Bem
03/12/2019 13:00
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Exames de imagem para dor lombar inespecífica estão entre os exames mais realizados de modo desnecessário. Foto: Bigstock.

A cada exame realizado ou remédio ingerido, a sensação é de que estamos colocando a nossa saúde nos trilhos. Mas isso nem sempre é verdade — os próprios procedimentos e medicamentos podem trazer prejuízos os quais, muitas vezes, não valem os possíveis benefícios.
É o que defende o Choosing Wisely, um movimento internacional que se propõe a levantar o debate sobre as práticas médicas de diferentes especialidades.
A ideia é questionar a necessidade de exames diagnósticos e intervenções de saúde, com o objetivo de evitar procedimentos desnecessários.

“Tentamos provocar uma reflexão sobre coisas que são feitas, mas não deveriam ser feitas naquela intensidade. E são exatamente as evidências científicas, ou a falta delas, que trazem essa reflexão”, explica Luis Claudio Lemos Correia, professor adjunto da Escola Bahiana de Medicina e um dos fundadores do movimento no Brasil.

Nos Estados Unidos, estima-se que entre 10% e 30% de todos os procedimentos realizados sejam desnecessários, de acordo com estudos do Dartmouth Atlas Project. As maiores taxas de sobreutilização residem nos testes diagnósticos e no uso de antibióticos.
O infectologista e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Felipe Francisco Bondan Tuon, aponta para realidade semelhante no Brasil.

Aqui, não raro uso de antibióticos profiláticos, por exemplo, é estendido para depois da cirurgia, com a justificativa de atuar na prevenção de infecções. “Já foi comprovado que isso não faz diferença. E você ainda pode trazer efeitos colaterais, gastar dinheiro desnecessário e causar aumento da resistência das bactérias ao antibiótico”, aponta o especialista.

Esta cascata de eventos adversos está bem contemplada na proposta do Choosing Wisely, que incentiva as sociedades de especialidades médicas a criarem listas com 10 indicações de coisas que não devem ser feitas.
Atualmente, cerca de 15 sociedades brasileiras já lançaram suas listas, a mais recente sendo a da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Ilusão terapêutica
O que move os médicos a passarem tantos exames desnecessários, na visão de Correia, é um fenômeno que ele chama de segurança perceptível.

“Nos sentimos mais seguros fazendo alguma coisa, isso cria a sensação de que eu fiz algo e protegi o paciente”, aponta o médico.

Outros pesquisadores, como o norte-americano David Casarett, chamam este fenômeno de ilusão terapêutica, a qual deriva principalmente de um entusiasmo injustificado por parte de médicos e pacientes, que pensam que suas ações e ferramentas são mais eficazes do que realmente são.
Ele aponta ainda para um olhar seletivo, que buscaria nestes procedimentos um “viés de confirmação”, em vez do real potencial do procedimento.
“Nós tendemos a superestimar os ganhos e subestimar os custos. Medicina é economia. Ao tomar uma decisão, eu preciso estimar o ganho do paciente nesse processo de decisão e o custo pessoal que aquela pessoa está pagando por aquela conduta. Eu não estou falando de custo monetário: é custo pessoal”, explica Luis Claudio Lemos Correia.
Quem paga o preço
No caso da medicina, o custo pessoal e o custo monetário andam juntos. Exames, procedimentos e medicamentos desnecessários implicam em custos para o governo, para as operadoras de saúde e para a população no geral.
Para o Presidente da Associação Médica do Paraná Nerlan Carvalho, os protocolos publicados pelas associações especializadas, com claras diretrizes do que deve ou não ser feito, é uma das prioridades para uma mudança de mentalidade.
“Existe um conflito. Nós temos que adotar a medicina preventiva, o que significa interpretar e iniciar o tratamento de doenças antes que elas aconteçam, porque o custo do tratamento, depois que elas acontecem, é maior. Por outro lado, o pedido desnecessário gera custos. Existe uma linha tênue. Por isso, reforço a necessidade de protocolos estabelecidos pelas sociedades especialidades dizendo o que é ou não necessário”, afirma.
No Hospital Cajuru, onde Felipe Tuon é médico infectologista, uma proposta de estudo sobre o uso racional de antibióticos foi implantada em 2016.
Hoje, a prescrição racional, que está de acordo com as indicações do movimento Choosing Wisely, gera uma economia mensal de R$ 40 mil ao hospital. “Foram feitas reuniões dentro do serviço médico orientando quais seriam as condutas implementadas do Choosing Wisely”, comenta Felipe, que também está envolvido no desenvolvimento de aplicativos de saúde que visam otimizar a prescrição de antibióticos.
Discussões em aberto
Existem algumas controvérsias em relação a certas recomendações do movimento. As principais giram em torno do rastreamento do câncer de próstata como medida preventiva, tema de grande visibilidade graças a campanhas de conscientização como o novembro azul.

A primeira recomendação da lista da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) — que junto à Sociedade Brasileira de Cardiologia foram as primeiras a integrar o movimento Choosing Wisely Brasil — é “não fazer de rotina PSA ou toque retal para rastrear câncer de próstata”, uma medida que condena as grandes campanhas, como o Novembro Azul, que incentiva os exames de rotina de forma populacional.

O argumento principal é que, desta forma, a campanha traria mais prejuízos do que benefícios aos pacientes.
“O principal motivo dessa discussão é o fato de que [com a campanha] temos muito mais diagnósticos de câncer de próstata do que, de fato, homens que vão morrer em decorrência da doença”, explica André Matos de Oliveira, professor, doutor em ciências pela divisão de Urologia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do grupo de Uro-Ondo do Hospital São Vicente.
“Temos muitos tumores detectados que são indolentes, ou seja, têm um comportamento muito brando. Aí entra a questão do overtreatment, que é o excesso de tratamento desnecessário”, pontua o médico.
Este é o ponto em que o Choosing Wisely reforça: pacientes que sofrem com overtreatment podem sofrer complicações e ter a qualidade de vida impactada desnecessariamente.

“A probabilidade de malefício é muito maior do que a de benefício. Ele pode deixar homens impotentes e com incontinência urinária, sem oferecer a eles mais tempo de vida, sem oferecer prevenção de morte”, afirma Luis Claudio Lemos Correia, do movimento Choosing Wisely.

Por outro lado, a Sociedade Brasileira de Urologia por diversas vezes veio à público se manifestar a respeito das discussões que envolvem o rastreio.
A última nota foi publicada em novembro de 2018 e reforça a necessidade de que homens a partir dos 50 anos busquem um profissional para avaliação individualizada.
“O grande ponto é que para você evitar uma morte, você precisa tratar vários pacientes”, explica André.
“Nós não conseguimos, infelizmente, diferenciar os cânceres de próstata que são indolentes ou os que são agressivos, que vão matar as pessoas. Mas nós acreditamos, a partir de dados, que detectando precocemente estes pacientes agressivos, podemos mudar a história natural dessa pessoa.”

Desnecessários

Confira as recomendações que geram o maior número de exames e procedimentos desnecessários:
1. O uso de antibióticos em pacientes com infecções respiratórias superiores
2. Exames de imagem para dor lombar inespecífica
3. Exames de imagem para dores de cabeça sem complicações ou estáveis
4. Teste de vitamina D em adultos de baixo risco
5. Exames de sangue completos repetitivos
Fonte: Abim Foundation/Choosing Wisely Internacional
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