Saúde e Bem-Estar

Agência RBS, com Marcelo Kervalt

Veja o que desencadeia a enxaqueca e como amenizar as crises

Agência RBS, com Marcelo Kervalt
12/06/2019 17:00
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São sintomas de enxaqueca a sensibilidade a luz, cheiros e barulho, entre outros. Foto: Bigstock.

Patinho feio da neurologia, a enxaqueca foi por muitos anos desprezada no campo científico. O desdém pela doença genética – e até hoje sem cura – resultou em improvisadas opções de tratamentos para aliviar a dor que atinge 15% dos brasileiros: os remédios mais usados hoje vieram de outras áreas, como anticonvulsivos.

Mas o cenário vem mudando. Em 2018, chegaram ao mercado internacional os primeiros fármacos com finalidade específica para esse tipo de dor de cabeça. Até o fim do semestre, devem começar as vendas no Brasil dessa nova classe de remédios chamada de anticorpos monoclonais, medicamentos biológicos a serem utilizados uma vez por mês e que agem diretamente na molécula causadora da dor.

“Nos Estados Unidos, mostraram ser mais eficazes do que os remédios que já existiam. E praticamente não causaram efeitos adversos. No Brasil, o primeiro deles chega em junho. Outros dois estão em processo de aprovação”, conta Fernando Kowacs, coordenador do Núcleo de Cefaleia do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre.

Membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC), Kowacs explica que essas drogas diminuem a frequência e a intensidade da enxaqueca. Por serem biológicas, são eliminadas mais lentamente pelo organismo. É isso que permite dosagens mais espaçadas.
Sua aplicação é subcutânea e inapropriada em idosos e crianças. Embora utilizadas por cerca de 200 mil pacientes nos Estados Unidos, foram testadas apenas em adultos que não pretendem engravidar. Portanto, os efeitos na gestação também são desconhecidos por enquanto. Lá, as 12 injeções anuais custam cerca de US$ 7 mil.

Ela chegou a sofre um mini-AVC

Há casos em que o medicamento zerou as crises, um sonho que Dienefer Seitenfus, 38 anos, persegue até hoje. Ainda na adolescência, a advogada percebeu que aquela dor “dia sim, dia não” fugia da normalidade e que a automedicação não era o recurso correto.
Sem saber a qual especialista recorrer, procurou um otorrinolaringologista. As dores, para ela, vinham da rinite. Não vinham. Ainda com acessos periódicos, Dienefer foi atrás de um oftalmologista. Falta de visão foi a sentença, mais uma vez equivocada. Depois de mais crises, sentou-se diante de um neurologista e ouviu o diagnóstico: enxaqueca, doença considerada a sexta mais incapacitante do mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Ele explicou que era a manifestação de excessos. Então, fui tentando entender o que eram os excessos que eu cometia enquanto tomava remédios indicados por ele. Hoje, com 38 anos, me assusto ao lembrar da quantidade imensa de medicação que eu tomava indiscriminadamente antes de procurar ajuda especializada”, avalia a advogada.

As crises diminuíram, mas ainda acontecem pelo menos três vezes por mês por cerca de quatro horas cada. Segundo neurologistas, os episódios de enxaqueca podem durar até três dias. Nos piores, é necessário atendimento hospitalar. Luminosidade e ruídos, por menores que sejam, fazem a cabeça pulsar. O sintoma vem acompanhado de tontura, náusea e até vômito.
Quatro anos atrás, Dienefer teve um ataque isquêmico transitório (AIT) decorrente da enxaqueca, conforme apontaram médicos. O AIT também é conhecido por mini-AVC ou AVC transitório. A convivência com a dor a fez entender quais excessos desencadeavam o sofrimento.
Melhorou a alimentação, passou a fazer atividades físicas, deu mais importâncias às noites bem dormidas e tenta evitar situações de estresse. Trabalhos que exijam esforço físico e mental demasiado, em geral, são negados pela advogada. “Até encontrar o tratamento certo, eu não tinha vida. Eu tinha enxaqueca. E ela vinha como uma faca sendo enfiada na minha cabeça”, descreve.
Tratamentos contra a enxaqueca vão desde medicamentos, toxina botulínica, oxigênio a mudanças de hábitos de vida, especialmente os alimentares e de sono (Foto: Bigstock)
Tratamentos contra a enxaqueca vão desde medicamentos, toxina botulínica, oxigênio a mudanças de hábitos de vida, especialmente os alimentares e de sono (Foto: Bigstock)

O impacto na vida dos brasileiros

Estudo da My Migraine Voice, promovido pela Novartis em parceria com a Aliança Europeia para Enxaqueca e Cefaleia (European Migraine and Headache Alliance), mostra que 82% dos entrevistados brasileiros, portadores da doença, sofrem impacto da enxaqueca na vida social.
Para 72%, crises também têm efeito negativo nos relacionamentos amorosos. Inclusive afetou a vida sexual de 56% dos pacientes. Foram entrevistadas 11 mil pessoas, no segundo semestre do ano passado, que sofrem com enxaqueca em 31 países, incluindo o Brasil, com participação de 851 pacientes.

A enxaqueca, que atinge 30 milhões de pessoas no país,“trata-se de uma doença complexa que envolve várias áreas do cérebro e tem como manifestação predominante a dor de cabeça. Pode variar em gravidade, com sintomas que vão desde dores de cabeça até náuseas, vômitos, sensibilidade à luz e odores”, define Mario Peres, médico neurologista da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). O médico alerta que o paciente deve ser tratado com drogas profiláticas específicas.

A maioria dos afetados tem de 25 a 45 anos. Após os 50,a taxa tende a diminuir, principalmente em mulheres. Quando se trata de crianças, ocorre em 3% a 10%, afetando igualmente ambos os sexos antes da puberdade. Após essa fase, o predomínio é no sexo feminino. Entre as mulheres, o problema chega a até 25%, mais que o dobro da prevalência entre os homens, segundo o Ministério da Saúde.

“Prefiro ter 10 crises de cálculo renal do que uma de enxaqueca”

Camila Souza tem 27 anos, 20 deles tendo que ajustar sua rotina às manifestações da enxaqueca. Por causa da doença, levou e leva uma vida de restrições. Nunca foi reprovada na escola porque a mãe explicava aos professores que as faltas decorriam dos vômitos diários, que se estendiam por semanas. Na adolescência, enquanto as amigas iam para a festa, Camila ficava em casa.
“Estava sempre com dor ou grogue dos medicamentos. A última coisa que eu sempre quis foi fazer uma social”, recorda a professora de inglês e estudante de Direito.

Em duas das poucas festas a que foi, saiu direto para o hospital. As luzes piscantes eram suficientes para desencadear crises. Nessa época, entre os 18 e os 19 anos, uma vez por mês era medicada com morfina. Foram anos pipocando de neurologista em neurologista, mudando frequentemente de remédio até encontrar a combinação ideal.

Hoje, consegue controlar as dores em casa e tem crise cerca de duas vezes por mês. Comemora o período de um ano sem pisar em hospitais. “Prefiro ter 10 crises de cálculo renal do que uma de enxaqueca. Ela te incapacita, não te deixa raciocinar. Às vezes, você não consegue nem mesmo ficar em pé”, conta.
Em 2014, começou a tratar a doença com olhar mais amplo. Além de seguir com os medicamentos e reeducar a alimentação, cortando café, queijo, leite, chimarrão, gorduras e frituras, passou a dar mais importância a aspectos comportamentais.
“A mudança veio quando incluí a terapia holística no tratamento. A dores estão muito ligadas à maneira como encaro a vida, à importância que dou a cada coisa e ao meu nível de estresse”, comenta.
Secretário da Sociedade Brasileira de Cefaleia e neurologista do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, o médico Mario Peres ressalta que os gatilhos mais relatados pelos pacientes são, justamente, noites maldormidas, jejuns prolongados, estresse e ansiedade.
(Foto: VisualHunt)
(Foto: VisualHunt)

O que é enxaqueca?

É um dos tipos de cefaleia, nome científico das dores de cabeça. Trata-se de uma doença neurológica, genética e crônica, cuja principal característica é a dor de cabeça latejante.
Outros sintomas
– Sensibilidade a luz, cheiros e barulho
– Náuseas e vômitos
– Visões, como pontos luminosos, escuros, linhas em ziguezague que antecedem ou acompanham as crises de dor
– Formigamento e dormências no corpo
– Tonturas, sensibilidade a movimentos ou passar mal em viagens de carro, ônibus, barco.
Fatores que desencadeiam crise
Muitas pessoas têm dor logo após períodos de estresse ou excitação. Mas há outros fatores. Veja os mais comuns:
Alimentos e bebidas
– Queijos amarelos envelhecidos
– Frutas cítricas
– Banana
– Linguiças
– Salsichas e alimentos de coloração avermelhada em conserva
– Frituras e gorduras
– Chocolate
– Café, chá e refrigerantes a base de cola
– Aspartame
– Vinho
– Cerveja (ou chope)
Hábitos de alimentação e sono
– Ficar mais de cinco horas seguidas sem comer
– Dormir mais ou menos do que o habitual
Variações de temperatura e umidade
– Sair de um lugar quente para um frio ou vice-versa
– Ingestão de líquidos gelados com o organismo aquecido
Menstruação e fatores hormonais
–  É comum às mulheres ter enxaqueca nas fases pré, durante ou pós menstruação
– As crises pioram quando começam a usar anticoncepcionais orais
– Há mulheres que, na menopausa, melhoram espontaneamente e voltam a ter crises ao iniciarem a reposição hormonal
Ao ter uma crise…
– Quem sofre de enxaqueca deve carregar medicamentos que aliviam a dor. Consulte o seu médico
– Procure um local fresco e escuro para se recostar
– Coloque gelo sobre as áreas doloridas
– Tome o medicamento para crise recomendado pelo médico
– Beba água e coma moderadamente
– Descanse

Botox ajuda

A toxina botulínica é uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, comumente utilizada para correções faciais – as linhas de expressão do rosto. Popularizada pela marca Botox, sua utilidade como ferramenta de alívio da enxaqueca foi descoberta casualmente. Portadores da doença perceberam a redução das dores após aplicações para outras finalidades. O método é indicado para casos com frequência igual ou superior a 15 dias por mês de sofrimento e precisa ser aplicado a cada três meses, seguindo protocolo específico. A substância precisa ser injetada em 31 a 39 pontos espalhados por testa, nuca, ombro e lateral da cabeça. Ao todo, são utilizadas de 155 a 195 unidades de Botox.
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