Saúde e Bem-Estar

New York Times, por Jane E. Brody

Como um grave AVC mudou a vida deste homem para melhor

New York Times, por Jane E. Brody
12/07/2019 15:00
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Foi preciso um tratamento intensivo - e muita perseverança - para que o cérebro do homem, que sofreu o AVC aos 41 anos, voltasse a "funcionar" como antes. Foto: Bigstock

Por mais estranho que pareça, o AVC sofrido por Ted Baxter em 2005, aos 41 anos, que o deixou sem conseguir falar e paralisado do lado direito, foi uma bênção de diversas maneiras. Se o coágulo, que começou na perna, tivesse se alojado nos pulmões, e não no cérebro, os médicos disseram que ele teria morrido de embolia pulmonar.
E, por mais difícil que tenha sido deixar para trás sua ativa vida profissional e substituí-la por uma década de recuperação meticulosa, o AVC deu à sua vida um objetivo totalmente novo e, em muitos aspectos, mais recompensador.
Antes do AVC, a intensa vida focada no trabalho de Baxter como executivo global de finanças internacionais corroeu seu casamento e privou-o de relacionamentos satisfatórios com familiares e amigos.
Incapaz de relaxar mesmo nas férias, ele raramente tinha tempo para cheirar as rosas. Agora, ele me contou, leva uma vida mais rica, mais calma e feliz como educador voluntário para vítimas de AVC e seus cuidadores, além dos terapeutas que os tratam.

O AVC começou com uma dor de cãibra na perna após um longo voo internacional, durante o qual ele usou uma meia-calça de compressão para suas veias varicosas. Ele não levou a dor a sério até que de repente não conseguia falar ou mover o lado direito do corpo.

O coágulo que causou a dor na perna tinha se rompido e cortado o fluxo sanguíneo para o lado esquerdo do cérebro.

Susto e aprendizado

Ele quase morreu. Mas, quando foi estabilizado, os médicos descobriram que ele tinha nascido com um buraco no coração que havia permitido que o coágulo contornasse seus pulmões e fosse direto para o cérebro. Dois de seus irmãos têm o mesmo defeito, chamado de forame oval patente, que eles posteriormente trataram.
Baxter admite que sua personalidade Tipo A, que foi a força motriz por trás de seu sucesso profissional, também foi um fator importante que o ajudou a reverter as extensas perdas que sofreu quando o coágulo danificou severamente seu cérebro.
Ted Bexter mudou radicalmente sua vida após sofrer o AVC. Foto: divulgação
Ted Bexter mudou radicalmente sua vida após sofrer o AVC. Foto: divulgação
E o inspirou a contar seus 14 anos de recuperação e renovação em um livro fascinante: “Relentless: How a Massive Stroke Changed My Life for the Better” (“Implacácel: como um grave acidente vascular cerebral mudou minha vida para melhor” – ainda sem tradução para o português), um título adequado para quanto lhe custou recuperar a função física completa, a compreensão e a fala inteligível.
Seu mantra, que poderia ajudar muitos outros a enfrentar um revés devastador na saúde, é que a recuperação exige determinação, foco, resiliência, persistência e coragem – a coragem de resistir a reveses e frustrações repetidas. Ele admite, no entanto, que também pode exigir os recursos financeiros e o apoio pessoal necessários para obter o tipo de ajuda que pode fazer a diferença.
No início, seu objetivo era voltar logo ao trabalho em finanças. Mas, depois de meses de intensa reabilitação, ele ainda não conseguia nem usar nem entender a linguagem, falada ou não.

“Depois de sete ou oito meses, compreendi que não voltaria ao meu emprego. Eu nem sequer percebia que as palavras que eu dizia não faziam sentido”, disse ele.

A curva de aprendizado foi íngreme: “Não conseguia ler; não conseguia escrever. Via as placas do hospital, os sinais dos elevadores, os cartões dos terapeutas, mas não conseguia entendê-los”, escreveu ele. A afasia – a incapacidade de entender ou articular palavras – tinha “golpeado e vencido” seu orgulho.
Mas ele se recusou a desistir. Com a idade e o condicionamento físico pré-AVC do seu lado, ele se convenceu de que “100% de recuperação eram possíveis desde que eu me esforçasse o suficiente”.

A virada

Baxter calculou que, se conseguisse fazer o corpo funcionar novamente, sua capacidade de falar também poderia retornar. O cérebro, ele aprendeu, era plástico e capaz de renovação. Por isso, dedicou horas incontáveis à fisioterapia, trabalhou muito no ginásio e ficou com o braço esquerdo amarrado às costas, forçando-se a usar o direito. Descobriu que, com a melhora de suas habilidades físicas, suas habilidades de compreensão e comunicação também aumentaram.

Quando o que tentava dizer saía ilegível, muitas pessoas achavam que ele era ou mentalmente lento ou um estrangeiro com inglês limitado. Como um de seus fonoaudiólogos dizia sobre pessoas com afasia: “É difícil entender que eles têm suas faculdades intelectuais e sabem o que querem dizer, mas não têm a capacidade de comunicar.”

Baxter pesquisou e se matriculou em vários programas diferentes de afasia em todo o país. Durante muitas horas por dia, praticava a linguagem, começando com livros e cartões para crianças em idade pré-escolar e repetindo interminavelmente para reaprender a falar, até que, depois de anos de trabalho duro, finalmente conseguiu ler livros e ter conversas reais.
Seus terapeutas originais do Instituto de Reabilitação de Chicago, reconhecidamente impressionados com o progresso que ele fez, perguntaram o que tinha sido mais benéfico e solicitaram sua ajuda para desenvolver um novo programa intensivo de afasia. Ele também foi convidado a participar do Archeworks, um programa de design em Chicago para estudantes que trabalham para resolver problemas urbanos.
“Encarei o desafio de usar a mão direita, fazer novos amigos e me comunicar de forma eficaz com uma equipe”, escreveu ele. Estava construindo objetos e ferramentas com as mãos e, de repente, percebeu que estava resolvendo problemas, uma habilidade que usava com frequência em finanças.
Foto: Reprodução
Foto: Reprodução
O esporte também ajudou em sua recuperação. Enquanto lentamente retomava o uso do lado direito, teve aulas de golfe e boxe, e, para ajudar, via os outros fazerem as coisas corretamente.
“Eu via alguém fazendo alguma coisa e podia imitar o que estava fazendo. Tive de me concentrar na visualização – ver a tarefa, as ações necessárias para executar essa tarefa e o resultado pretendido”, escreveu ele.
A arteterapia foi outra busca útil, que, segundo ele, reduziu o estresse, combateu a depressão e melhorou a autoestima e a saúde emocional. Com a arte como uma nova fonte de realização, veio um convite para se juntar à diretoria de um museu, que lhe deu uma prática adicional de conversação e “foi diminuindo minha afasia a cada dia”.

Aos poucos, Baxter disse, “comecei a perceber que, fazendo mais pelos outros, ficaria mais feliz comigo mesmo”.

Vivendo agora em Newport Beach, na Califórnia, com sua segunda esposa, esse sobrevivente de um AVC, de 55 anos, dedica sua vida a inspirar outros sobreviventes e seus cuidadores. “Vou a universidades e hospitais para apresentar minha história – o que experimentei, como me reabilitei, como isso mudou minha vida para melhor e o que foi preciso para recuperá-la”, escreveu ele.
“Às vezes, não consigo acreditar que cheguei até aqui”, disse ele. Ele exalta os membros da família e amigos que “nunca desistiram da minha recuperação, nem nunca me trataram como se eu estivesse perdido e, por causa disso, nunca me senti perdido. Nada disso teria funcionado sem uma atitude positiva.”
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