Saúde e Bem-Estar

Isadora Rupp, especial para o Viver Bem

Seis comportamentos que mostram que seu filho está dependente da internet

Isadora Rupp, especial para o Viver Bem
03/12/2019 08:00
Thumbnail

Mais do que o tempo em frente aos dispositivos, relação com a tecnologia revela se seu filho é um dependente da internet. Foto: Bigstock.

O tablet e o celular usados como distração em um almoço de família com crianças pequenas são, hoje, onipresentes: os dispositivos são uma forma de deixá-las entretidas para que os pais consigam desfrutar o momento com mais calma.
O hábito que, controlado, faz parte do nosso cotidiano contemporâneo, está, no entanto, ultrapassando limites.
E esse tempo excessivo das crianças e adolescentes com as telas vem sendo motivo de preocupação entre pesquisadores e entidades, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que vem se debruçando sobre o tema para entender os danos e orientar os pais e responsáveis para um uso sadio.
No manual de orientação “Uso saudável de telas, tecnologias e mídias nas creches, berçários e escolas” a SBP salienta que há uma associação entre o excesso de telas na primeira infância com atraso no desenvolvimento cognitivo, linguagem e descontrole emocional, além de comportamentos agressivos e alterações no sono.

“Temos uma geração muito prejudicada, com privação de sono, porque vai para a cama com o smartphone, com o jogo. Tudo isso atrapalha a concentração no outro dia e altera o padrão de sono. Todos os estudos realizados mostram prejuízos com o excesso de tela, cognitivos e de interação social”, diz a médica psiquiatra especialista em psiquiatria da infância e adolescência do Instituto Brasiliense de Psiquiatria (IBP), Maria Cecília Freitas.

A especialista, que também é professora na Universidade de Brasília (UNB), frisa que a literatura médica recente também mostra maiores níveis de ansiedade e depressão, além de associar tablets a problemas como déficit de atenção — estima-se, segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), que o transtorno neurobiológico atinja de 3% a 5% das crianças em todo o mundo.
Publicado em abril deste ano no Jornal de Pediatria, o estudo “Prevalência de tempo excessivo de tela e tempo de tevê em adolescentes brasileiros: revisão sistemática e metanálise” analisou o tempo de crianças e adolescentes em frente à tevê e telas por mais de duas horas por dia — esses 120 minutos são uma estimativa do quanto seria aceitável crianças e adolescentes se distraírem com jogos de videogame, computador e smartphone.

No levantamento, realizado com 300 crianças e adolescentes de todo o Brasil, na faixa etária de 10 a 19 anos, apontou-se que a prevalência do tempo excessivo de tela foi de 70%; o porcentual é praticamente o mesmo entre meninos e meninas.

Na análise por região, a pesquisa mostra que a prevalência do excesso é ligeiramente maior nas regiões Sul e Sudeste do que no Norte e Nordeste.
“No Brasil, há uma grande desigualdade socioeconômica entre as regiões e ela pode afetar o acesso da família à tecnologia e, consequentemente, o tempo gasto em frente às telas”, disseram os pesquisadores no estudo que salientaram, ainda, que o excesso de computador, televisão e telefone gera, na infância, maus comportamentos como sedentarismo e má alimentação , que podem se estender para a vida adulta.
Dependência e consequências
Psicóloga colaboradora do Programa de Dependências Tecnológicas do Laboratório Integrado dos Transtornos de Impulsos do Instituto de Psiquiatria da USP, Sylvia Van Enck explica que a dificuldade em modular o uso é o principal ponto de alerta para os pais e responsáveis.

“É a criança que fica irritada sem o tablet, ou que fica mexendo em várias redes sociais ao mesmo tempo e deixa de fazer coisas da rotina para ficar conectada. Ansiedade e irritação com a falta de likes ou comentários em uma foto, por exemplo, é outro sintoma de dependência”.

O desenvolvimento cognitivo insuficiente, diz Sylvia, é a principal consequência para as crianças e adolescentes que passam o dia no tablet.
“Esses dispositivos fazem com que a criança fique mergulhada naquele universo virtual. E aí eles não interagem, nem contam histórias, nem vivem o mundo de fantasias. E assim deixam de viver coisas fundamentais como a interação e conversação com a família, o brincar ao ar livre. Vão se tornar dependentes tecnológicos mais cedo”, fala.
Em graus mais avançados, o jovem dependente deixa de cumprir obrigações com estudos e tem dificuldade de trabalhar.

“O que temos visto nos estudos científicos é que, na maioria das vezes, esses quadros de dependência tecnológica acompanham alguns outros transtornos, como depressão, fobia social, ansiedade generalizada, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Essas comorbidades são o pano de fundo”.

Má postura (por causa do tempo prolongado com a cabeça abaixada), obesidade, alimentação baseada em fast food e alimentos ultraprocessados são outros problemas citados pela psicóloga, comuns entre os pacientes do Programa da USP que se tratam pela universidade — são atendidas cerca de 20 pacientes por ano e seus familiares.
O consumismo é outro pilar do problema: no TIC Kids Online Brasil de 2018, pesquisa realizada anualmente desde 2012 com indicadores sobre o uso da internet por crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, mostrou que, apesar da irritação com as propagandas e excesso de anúncios na internet (citada por 68% dos quase 3 mil entrevistados), elas não passam ilesas ao contato com a publicidade.

39% das crianças pediram aos pais algum produto após contato com propaganda na internet; esse porcentual era de 24% em 2013.

Tratamento
De acordo com Sylvia, os pais devem procurar ajuda de psicólogos ou grupos especializados ao perceberem que os filhos não estão conseguindo modular o uso de smartphones e afins.
O tratamento é de controle das horas gastas, não deixar de usar totalmente ou proibir.
“Não é como um usuário de drogas ou álcool: o caminho não é proibir mas sim inserir outras atividades na rotina aos poucos, tirando a criança ou adolescente do isolamento que ocorre nesses casos” orienta.

Agir com agressividade com a criança (como desconectar um videogame, por exemplo) não é indicado. “Isso vai gerar ainda mais agressividade. É essencial que os pais dialoguem e entendam o porquê aquilo é tão importante para o filho” ensina a psicóloga.

Ela também frisa que os pais precisam pensar no modelo que estão oferecendo aos filhos com o uso da tecnologia, pois o exemplo deveria começar em casa.
“Muitos chegam em casa e ficam no computador trabalhando, não saem do celular e mal olham para os filhos. Esse relacionamento vai ficando distante”.

Videogame contra o sedentarismo

Em projeto, educador físico conseguiu cativar por meio dos jogos crianças inativas fisicamente
Para atrair crianças com resistência à atividade física e que, mesmo com pouca idade, já convivem com doenças crônicas como o Diabetes Tipo 2, o professor e educador físico Hugo Tourinho Filho, da Escola de Educação Física e Esporte da USP — campus Ribeirão Preto, percebeu que a abordagem precisaria ser diferente.
Ele usou o videogame a seu favor no projeto “Jogando pela vida”, um programa de condicionamento fisico com games interativos para crianças obesas e com sobrepeso.

Duas vezes por semana, eles entram em um ginásio e, por uma hora, lutam, jogam vôlei de praia, boxe, dançam e até participam de competições de atletismo. Tudo pelo videogame (cuja tecnologia exige que o participante use o corpo para conseguir jogar).

O programa, parceria com o departamento de pediatria da Faculdade de Medicina da USP, atende cerca de 40 crianças e é contínuo.
Além do ambiente convidativo, Tourinho explica que nenhuma criança é pesada, medida ou avaliada antes de começar, já que são crianças que sofrem desde cedo uma pressão em relação ao peso.
“Se você não impuser essa ditadura da magreza fica muito mais fácil lidar com a criança que não quer se exercitar. O maior benefício dos jogos é a melhora da autoestima e a percepção de imagem e da autoestima”, diz.
Os chamados exergames foram tema de uma dissertação de mestrado defendida recentemente pela pesquisadora Rafaella Belém Aragão, que apontou uma diminuição da percepção negativa por parte das crianças em relação ao corpo com o programa de exercícios.
Migração
Outro aspecto positivo citado pelo professor é o fato de, até agora, todos os participantes do programa migrarem rapidamente para as atividades físicas mais convencionais.
“Rapidamente, com 15, 20 dias, elas já começam a se interessar pela natação e outros esportes, e isso se deu por conta dessa melhora na autoimagem e pela autoconfiança adquirida com os games. Elas se sentem empedradas para experimentar outras coisas”.

On-line

Veja a quantidade de horas indicadas por dia para crianças, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP):
Até 2 anos de idade: nenhuma tela. Segundo a SBP, pesquisas mostram que a interação com os cuidadores é a mais eficaz para o desenvolvimento da linguagem.
De 2 a 5 anos: 1 hora por dia ao todo. Esse é o período, somado, que a criança pode assistir televisão, ficar no tablet ou celular.
A partir dos 5 anos: até duas horas por dia. Esse é o tempo máximo recomendado. A SBP lembra que o acesso deve ser monitorado, com envolvimento ativo dos pais e cuidadores na supervisão do conteúdo.
Dependência
Com base nas perguntas do estudo de pesquisadores do Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares e Bulimia da USP), que traduziram e readaptaram um teste norte-americano que avalia a dependência em internet, junto com a orientação dos especialistas entrevistados, elencamos comportamentos que mostram dependência de telas e internet, tanto para crianças como para adultos.
É importante procurar ajuda caso os seguintes comportamentos sejam muito frequentes e rotineiros:
* Optar por passar mais tempo na internet do que se pretendia. Resposta: O controle do tempo on-line é o principal indicador de um uso saudável.
* Deixar de lado tarefas escolares, domésticas e de trabalho para passar mais tempo na internet. Resposta: Segundo os especialistas, esse é um dos principais fatores de alerta, já que o uso excessivo pode gerar consequências sérias na vida escolar e no trabalho.
* Negligenciar tarefas domésticas ou o autocuidado para passar mais tempo na internet. Resposta: Segundo a psicóloga Sylvia Van Enck, isso se aplica sobretudo as horas passadas nos serviços de streaming.
* Fica irritado/a nervoso/a quando está sem o celular ou o tablet. Resposta: O senso de urgência precisa ser administrado. Para as crianças, isso vale quando ela só consegue se acalmar em uma situação com jogos ou tablet.
* Isolamento. Resposta: Pessoas que preferem ficar sozinhas com o celular/tablet/jogos eletrônicos ao invés de interagir pessoalmente. Em crianças, são aquelas que preferem sempre as telas ao invés da brincadeira no parque ao ar livre ou mesmo em casa com brinquedos educativos.
* Não conseguir controlar o uso. Resposta: Quando a pessoa percebe que está se excedendo nas horas online, tenta ficar menos tempo mas não obtém sucesso. O que mais caracteriza a dependência de internet é justamente conseguir modular o uso.
Fontes: Sylvia Van Enck, psicóloga e Maria Cecília Freitas, psiquiatra.
LEIA TAMBÉM