• Carregando...
Crianças expostas exageradamente às telas, e com predisposição genética, podem desenvolver autismo (Foto: Bigstock)
Crianças expostas exageradamente às telas, e com predisposição genética, podem desenvolver autismo (Foto: Bigstock)| Foto:

Nenhum especialista é capaz de apontar para o principal (ou maior) motivo que leva ao desenvolvimento de autismo. Sabe-se que a condição é formada por uma mescla de fatores genéticos e ambientais, e mesmo estes são poucos os conhecidos.

Pesquisadores estão, agora, percebendo que expor de forma exagerada as crianças às telas (sejam de smartphones ou celulares, computadores ou mesmo a televisão) seria suficiente para que uma condição semelhante ao autismo surgisse, denominada de “autismo virtual”.

“Não se trata de um termo médico [autismo virtual]. Foi um termo criado agora, por um pesquisador romeno, que indica o autismo desenvolvido pelo uso excessivo de telas. Na criança que já teria a genética do TEA [Transtorno do Espectro Autista], as telas seriam um ativador”, explica Terezinha Rocha de Almeida, neuropediatra, neurofisiologista e diretora médica do Núcleo de Atenção a Crianças Especiais e coordenadora da Pesquisa Preaut – Brasil.

A pesquisa citada pela especialista foi publicada em 2018 pela revista científica Journal of Romanian Literary Studies, por mesclar conhecimentos da comunicação e mídia com psicologia e saúde. O pesquisador romeno Marius Teodor Zamfir conduziu uma survey com 62 crianças com autismo, na Romênia, onde comparou dois grupos: um que havia sido exposto a mais de quatro horas/dia em um ambiente virtual; e outro que não havia passado tanto tempo assim diariamente, entre as idades de zero a três anos.

“Isso [os resultados] sugerem que a privação sensorial-motora e sócio afetiva, causada pelo consumo de mais de quatro horas/dia de um ambiente virtual, poderia ativar comportamentos e elementos similares a aqueles encontrados em crianças diagnosticadas com desordem do espectro autista. A partir da survey, definimos essa forma de autismo como: Autismo Virtual”, explica o pesquisador na descrição do estudo.

Para entender o que seria esse autismo virtual, e outras questões relacionadas ao autismo, o Viver Bem conversou com a médica Terezinha Rocha de Almeida, durante evento voltado aos profissionais da saúde do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, no início de junho. Confira!

Qual seria o tempo adequado de exposição das crianças às telas, sejam elas os smartphones, tablets ou computadores?

Nada contra as redes, mas a criança só poderia estar exposta a duas horas de tela por dia, a partir dos quatro anos. Isso é preconizado em nossa linha, outras linhas preconizam outros horários. A criança tem que brincar livremente, tem que interagir com o humano, e ela está perdendo essa capacidade. Isso leva ao autismo virtual.

As telas seriam as causadoras desse tipo de autismo?

Isso seria um ativador na criança que já tiver a genética do TEA. Claro que você não vai tirar as telas da criança [para uma exposição] ao zero se ela já faz uso delas. Dentro da idade dela, a pessoa tem que começar a ‘desmamar’, a tirar aos poucos, a medida que for ofertando outras atividades de prazer. Por exemplo, brincadeiras lúdicas, conversas com os pais e com a família, com os amigos da escola e as brincadeiras livres. Essas perderam a credibilidade e a valorização que tinham no passado e foram sendo substituídas por jogos pedagógicos, na tentativa de ativar a cognição. Hoje vemos que essa não é a única área importante do comportamento humano.

>>> Como ficar 30 dias sem ingerir açúcar? jornalista conta a experiência

Quais outras áreas do comportamento humano devemos ter em mente na hora de estimular as crianças?

Tem as áreas do social, do emocional, que também precisam ser ativadas. E quem as ativa? As brincadeiras livres. Aquelas de grupo, na rua, de roda, de correr, de se esconder no quintal ou no parque. Essas brincadeiras, hoje desvalorizadas, são importantes. O grande problema do autismo é a interação com o humano. Quando a criança com autismo entra no consultório, ele não vai atrás do humano, ele procura objetos, peças pequenas. Ele precisa de interação com gente. E se usar demais a tela, embora ela tenha a figura humana, não tem o humano.

Como é feito o diagnóstico do autismo?

Pelo CID-10 [Código Internacional das Doenças], só se pode fechar o diagnóstico do autismo aos três anos da criança. É uma questão legal. Você só pode dizer que a criança está com autismo quando ela completa três anos e apresenta no mínimo três sinais: problemas de interação social, problemas de linguagem, fixação ou rigidez em escolhas e atividades (objetos e brinquedos).

A popularização do  MMS aconteceu a partir de 2013, quando uma mãe, também norte-americana, lançou um livro contando como havia praticamente anulado todos os sinais severos de autismo de seu filho, seguindo um protocolo de sete passos. Foto: Bigstock
A popularização do MMS aconteceu a partir de 2013, quando uma mãe, também norte-americana, lançou um livro contando como havia praticamente anulado todos os sinais severos de autismo de seu filho, seguindo um protocolo de sete passos. Foto: Bigstock

É possível verificar os sinais precocemente? Quais os benefícios em identifica-los antes dos três anos?

O protocolo Preaut, criado na França, é um modelo de avaliação onde os profissionais conseguem captar sinais precoces do autismo, a partir dos quatro meses de vida. Assim, detectando antes, você tem condições de usar terapias multidisciplinares para que, se essa criança vier a apresentar o autismo no futuro, que ele seja de uma forma muito mais leve, com sintomas atenuados. Alguns não chegam nem a apresentar sintomas, eles voltam ao canal da normalidade. E, se a criança tiver uma genética forte, e um ambiente contraditório, na medida que se trabalha as diversas áreas, se os sintomas aparecerem, será de uma forma mais atenuada.

“No passado isso não era feito, e o que ocorria: você já trabalhava com o paciente com o autismo instaurado, que a gente chama de ‘cristalizado’ e, então, é muito mais difícil o tratamento. Pode atenuar, mas com mais dificuldade.” – Terezinha Rocha de Almeida, neuropediatra e neurofisiologista. 

Quão importante é o fator genético no desenvolvimento do autismo?

O potencial genético é muito forte. Mais de 40% da etiologia do autismo é genética, mas existem fatores ambientais também. O autismo é multifatorial. Trato famílias com três autistas em casa, e ainda primos e parentes com autismo. Ou seja, a genética dessa criança é forte. Se ele tem um ambiente adverso, desestruturado, chamamos de fatores ambientais de risco, e a criança não tem uma boa cobertura em termo de terapêutica que neutralize esses sinais, a tendência é que desenvolva um autismo de moderado a grave.

Tenho pacientes que mesmo usando todas as medidas terapêuticas não evoluíram muito bem, porque tinham um potencial genético muito forte e também porque o ambiente não colaborou. Família, escola são fundamentais. Quando o paciente tem uma escola que encontra uma metodologia adequada a ele, uma equipe multidisciplinar que sabe trabalhar bem as deficiências dele, uma família que aceita e colabora com o tratamento, ele tem tudo para evoluir bem – a não ser que tenha uma genética muito forte. Cada pessoa com autismo tem suas singularidades.

Existe diferença de diagnóstico entre meninos e meninas?

Existe, e é genético, comprovado cientificamente. São quatro meninos com diagnóstico para cada menina. Geralmente, o autismo nas meninas é mais grave. As meninas ganham na quantidade, já que os meninos são mais em número, mas em termos de gravidade, os meninos variam muito (de leve a moderado e poucos graves), enquanto elas são mais graves, alguns moderados e poucos leves.

Ainda há desconhecimento sobre o autismo?

Desconhecimento não, pelo contrário. Agora há uma confusão de conceitos. A informação é tanta, que as mães chegam com a criança no consultório e, mesmo não sendo autistas, já estão com o diagnóstico formado. Nada contra a internet, que também tem boas informações, mas é tanta informação, e às vezes anticientíficas, que confundem a cabeça dos pais e das escolas, e a criança já vem para gente com o diagnóstico, sendo que nem sempre é. Pode ser um distúrbio de linguagem, um transtorno de relação interpessoal, mas não autismo. No passado havia mais desinformação e sub diagnóstico. O autismo existia, mas estava preso em casa.

LEIA TAMBÉM

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]