Saúde e Bem-Estar

Mariana Ceccon, especial para o Viver Bem

Diagnóstico de puberdade precoce é quebra-cabeça de sinais e exames

Mariana Ceccon, especial para o Viver Bem
01/10/2019 08:00
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Estudos relacionam a puberdade precoce a uma maior probabilidade de atividade sexual precoce, com risco de gravidez na adolescência. Foto: Bigstock.

Como presente de aniversário pelos seus sete anos, a filha da bióloga Gisely Barone ganhou, em vez de brinquedos, uma dupla surpresa: uma “esticada” na estatura e o surgimento dos primeiros pelos em seu corpo.
Era cedo demais, mas a menina já dava sinais de que estava entrando na adolescência.

A mãe, de 39 anos, entrou em desespero. As espinhas que começaram a aparecer e o mau cheiro nas axilas da garota acenderam o alerta e fizeram os pais buscarem ajuda. Depois de consultar pediatra e endocrinologista, foi constatado: a menina estava, sim, entrando na puberdade precoce e era uma séria candidata a precisar tomar injeções periódicas, com inibidores de produção dos hormônios sexuais.

“Após o diagnóstico, eu chorei muito. É uma mistura de angústia, medo, desespero. Tentei explicar que ela precisava tomar injeção para não ficar mocinha tão rapidamente e crescer um pouquinho mais”, relembra a bióloga. “Mas as injeções são bem doloridas e confesso que sofri mais do que ela no início”, conta.
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A conversa

Para a filha de Gisely, mais do que a dor da injeção, incomodava o fato dos pelos e espinhas aparecerem apenas nela e não nas colegas e o ganho de peso, evidenciando o descompasso entre uma mentalidade infantil e um corpo adolescente.
“Fui ao colégio, conversei com a professora dela, expliquei sobre o tratamento e pedi para me manter informada sobre qualquer coisa diferente que pudesse acontecer”, relata Gisely.
“Sempre pedi para que ela não entrasse no banheiro com alguma amiguinha. Fiquei com medo de que isso causasse constrangimento”, conta a mãe.
Agora, prestes a completar dez anos, a menina está concluindo o tratamento com os inibidores. As injeções aplicadas trimestralmente serão finalmente suspensas para que o corpo dela siga o caminho natural.
“Faria tudo de novo. Foi sofrido e ainda é, mas acredito que fizemos a coisa certa. Ela menstruar aos sete anos seria insano. Minha filha é ‘grandona’, mas bem moleca, não tem maturidade para isso agora, aos dez, imagine aos sete anos”, arremata a bióloga.

Incidência é maior em meninas

O caso da filha de Gisely está longe de ser algo isolado: cada vez mais meninos e meninas que iniciam o processo de puberdade antes dos oito anos chegam aos consultórios.

Um estudo realizado na Escola de Saúde Pública da Universidade da Carolina do Norte, no Estados Unidos, com 17 mil meninas, mostrou o quão generalizado estava o aparecimento das características sexuais secundárias naquela população: os botões dos seios e os pelos pubianos.

Um número significativo de garotas caucasianas, 15%, já tinham essas características aos oito anos. Para as afro-americanas as estatísticas eram ainda maiores. Bustos e pelos pubianos já eram encontrados em 15% das meninas com apenas sete anos.
Aos oito, quase metade delas já tinham essas mesmas características. No Brasil, o Ministério da Saúde adota essas estatísticas internacionais para basear suas políticas públicas. Mas o aumento da incidência da condição, nas últimas duas décadas, pode ser sentida nos consultórios, com os relatos médicos.
Outro indicador do aumento de casos está nas redes sociais. O Viver Bem localizou um grupo de ajuda online para pais que estão vivendo esse momento. Só nesse grupo, são 535 mães de meninas e meninos, que dividem a rotina de convencer as crianças a tomarem as doloridas injeções, as dificuldades de lidar com o ganho de peso e até técnicas para explicar de modo lúdico para os pequenos o que está acontecendo com seus corpos.
É por lá que bióloga Gisely Barone divide a sua história e busca apoio de outras centenas de mães que passam pelos mesmos obstáculos.

Plástico, cosméticos ou problemas de saúde?

Para explicar por que os relógios biológicos estão encurtando a infância dessas crianças, os médicos elencam uma série de fatores estimulantes, como distúrbios neurológicos ou déficit cognitivo; tendência genética e obesidade infantil.
Antes do diagnóstico, os médicos precisam afastar a hipótese de problemas de saúde mais graves, como tumores nas glândulas ou sistema nervoso, que podem estar impactando na produção de hormônios como testosterona e estrogênio.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e outras entidades ligadas à saúde das crianças também apontam a hipótese de substâncias como agrotóxicos, cosméticos e químicos estarem acelerando esse processo, os chamados desreguladores endócrinos, substâncias com capacidade para alterar o funcionamento do sistema endócrino-hormonal.

“Um dos desreguladores suspeitos é o bisfenol A, presente em diversos plásticos e embalagens. Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a presença desta substância nas mamadeiras, pelo risco que representa para as crianças, mas ela continua presente em latas de refrigerantes e outras embalagens”, alerta a SBP.
Outros desreguladores – como o triclosan e benzofenonas – e conservantes – como parabenos – também podem estar presentes em cosméticos como xampus, sabonetes e desodorantes, além de maquiagens, esmaltes e até protetores solares.

Consequências são psicológicas e físicas

Consultada pelo Viver Bem, a endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, Gabriela Carvalho Kraemer, explica que quando não diagnosticada e tratada, a puberdade precoce interfere no crescimento das crianças.

“Quanto mais descompassada está a idade óssea da criança em relação a sua idade real, menos tempo o corpo terá para chegar ao crescimento esperado. As crianças que são diagnosticadas com puberdade precoce podem até ser mais altas que os outros naquele momento, mas seus ossos vão parar de crescer mais rapidamente e vamos acabar com um adulto de baixa estatura”, resume a profissional.

Ainda nas consequências físicas, essas crianças também têm mais chance de sofrer com hipertensão, diabete do tipo 2, infarto e acidente vascular cerebral.
“Outro fator importante é o desajuste entre a mente e o organismo, a idade que aparenta e o que entrega emocionalmente. São crianças que tem a qualidade de vida prejudicada por essa diferença e sofrem bullying, porque é esperada delas uma maturidade que ainda não tem”, comenta Kraemer.
“É uma criança que não tem maturidade para lidar com ciclos menstruais. Estudos relacionam a puberdade precoce a uma maior probabilidade de atividade sexual precoce, com risco de gravidez na adolescência”, pontua.

Para realizar o diagnóstico os profissionais realizam diversos exames. “São várias peças em um quebra-cabeça, que vão desde o surgimento de acne e pelos, aumento dos testículos, tudo isso aliado à velocidade em que está ocorrendo. Exames de idade óssea, ecografias para constatar tamanho do útero e ovários e dosagem hormonal também são necessários”, pontua.

“Quando a puberdade tem origem periférica, estimulada por algum produto, tumor ou ganho de peso fazemos interferências para sanar isso, como suspensão do uso de produtos, perda de peso e até cirurgia para remoção de tumor”, diz.
“No caso da puberdade precoce clássica, que está sendo provocada sem motivo aparente e partindo da hipófise, o tratamento é com injetáveis e a periodicidade varia de criança para a criança, sendo o mais comum a aplicação mensal”, fala Kraemer.

Desreguladores endócrinos

São as substâncias com capacidade para alterar o funcionamento do sistema endócrino-hormonal. Saiba quais são os mais comuns e onde podem ser encontrados:
Bisfenol A: plásticos e embalagens
Triclosan, benzofenonas, parabenos: cosméticos, xampus, sabonetes e desodorantes
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