Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Dieta contra o câncer? Low carb, cetogênica, alcalina e detox prejudicam tratamento

Amanda Milléo
26/02/2019 17:00
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Dietas restritivas contra o câncer não tem evidências científicas que funcionem (Foto: Bigstock)

Dietas que promovam a restrição de grupos alimentares, como a low carb, cetogênica, detox ou alcalina, não devem ser seguidas por pacientes em tratamento oncológico, alerta o Instituto Nacional do Câncer (INCA).
Embora sejam dietas frequentemente sugeridas na internet com supostos resultados positivos no combate ao câncer, não há qualquer evidência científica que comprove tais benefícios, pelo contrário.
Excluir grupos alimentares, como os carboidratos e as proteínas, pode prejudicar os ganhos durante o tratamento tradicional.
Quando a pessoa em terapia oncológica restringe um grupo alimentar, ela vai ter perda de peso e consequentemente a perda da massa muscular — o que é muito prejudicial à saúde do paciente.
Isso porque o organismo, sem a glicose adquirida via carboidrato dos alimentos, recorrerá aos músculos, quebrando a massa muscular e transformando em glicose a partir do fígado.

“Um paciente oncológico com massa muscular adequada tolera e responde melhor aos efeitos dos medicamentos. Ele também tem menos complicações e o risco de ir à óbito é também reduzido. Então, essa restrição alimentar, não apenas do carboidrato embora seja a dieta mais famosa, terá consequências negativas no tratamento”, explica Thais Manfriato Miola, nutricionista coordenadora de Nutrição Clínica do A. C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. 

De acordo com Elge Werneck, médico oncologista do Instituto de Hematologia e Oncologia de Curitiba/Grupo Oncoclínicas, o estado nutricional do paciente é um dos critérios mais importantes para determinar se o paciente irá tolerar o tratamento, ou não.
“Pacientes bem nutridos toleram bem melhor que os desnutridos. Qualquer tipo de dieta pode facilitar o processo de desnutrição”, explica.
Além disso, o cálculo da dosagem de quimioterápico usado varia conforme o peso do paciente. Se a pessoa tiver uma perda muito significativa de peso durante o processo, como é comum entre quem restringe a alimentação, o quimioterápico precisará ser recalculado — sob o risco de uma toxicidade maior e atraso no tratamento.

“Nesse processo, o paciente não recebe a quantidade de quimioterápico que precisa, que a doença precisa para ser combatida. E a resposta acaba sendo menor, aumentando o risco de o câncer avançar”, alerta Miola. 

Mitos das dietas contra câncer

Na tentativa de combater a desinformação e as fake news que relacionam uma mudança na alimentação com a melhora no tratamento oncológico, o INCA lançou uma cartilha com quatro mitos principais:
  • 1) Carboidratos ?alimentariam? os tumores;
  • 2) Cortar carboidratos ajudaria no tratamento contra câncer;
  • 3) Proteínas de origem animal também ?alimentariam? o câncer;
  • 4) Cogumelo do sol, noni, graviola, chá de graviola, chá verde curam o câncer.
Com relação ao primeiro mito, a nutricionista Thais Miola afirma que, sim, a primeira fonte de energia das células tumoral é a glicose (resultado do consumo de carboidratos). No entanto, essa é a primeira fonte de energia de qualquer célula, seja ela saudável ou doente.
“Estudos in vitro observaram que poderia haver uma redução no crescimento do tumor quando se corta a fonte principal de glicose, os carboidratos. Mas não há estudos em humanos que mostrem o mesmo efeito. Pelo contrário, as pessoas que fazem a restrição não aguentam ficar muito tempo sem o carboidrato, que leva também a perda de peso e perda de massa muscular, irritação e cansaço”, explica a nutricionista.

Ter uma massa muscular saudável, como visto acima, é essencial para bons resultados no tratamento oncológico. 

O mesmo vale para a restrição da proteína animal. “Hoje sabemos que o excesso de carne vermelha e carne processada aumenta o risco de câncer de intestino. Mas as pessoas precisam de proteínas, e a de origem animal tem uma qualidade que os alimentos vegetais ainda não superaram. O único alimento de origem vegetal com a mesma qualidade proteica é a soja. Precisamos dos aminoácidos [uma cadeia de aminoácidos forma uma proteína] para a manutenção da massa muscular”, reforça Miolo.

Da carne vermelha, vale a recomendação de não ultrapassar 500 g por semana.

Dos alimentos listados no 4º mito, as suposições de que teriam substâncias ativas que auxiliariam no combate ao câncer são, ainda, especulações. Poderiam agir no momento de prevenção, mas não durante o tratamento da doença.
“O chá verde, por exemplo, tem um composto bioativo, a epigalocatequina, que pode ter reações com os quimioterápicos. Trata-se de uma interação droga-nutriente. Esses chás não têm comprovação. Estudos apenas in vitro ainda. Alguns são promissores, mas não se sabe para qual tipo de tumor que teria uma ação, qual organismo, em qual quantidade. O chá da folha de graviola, por exemplo, em excesso pode levar a uma lesão renal. Pode ser que, no futuro, descubra-se uma ação positiva desses chás, mas é preciso avaliar a ação em cada tipo de célula”, explica a nutricionista.

“Em quimioterapia, não faça uso de nada desses alimentos tidos como ‘milagrosos’, porque pode ter uma reação com o quimioterápico. A melhor alimentação é a saudável, com frutas, verduras, legumes, fontes de nutrientes e minerais, sob a orientação de um nutricionista”, reforça Miolo. 

Previna-se, mas não trate sozinho

Não há estudos que comprovem o impacto da mudança alimentar com uma melhora no tratamento oncológico, mas hábitos mais saudáveis podem, sim, favorecer a prevenção dos cânceres.
O que existe de evidência científica atualmente, conforme reforça o médico oncologista Elge Werneck, está relacionado ao momento pré-diagnóstico.

“Uma dieta rica em alimentos frescos, in natura, como a dieta mediterrânea, é benéfica em reduzir a mortalidade de um vasto grupo de doenças, entre elas o câncer. Mas dietas como a low carb, detox, alcalina, não têm evidência científica que respaldem a indicação e não devem ser recomendadas. As evidências de que a alimentação tem algum impacto são mais relevantes no cenário preventivo do que no terapêutico. Mudar os hábitos uma vez que a doença está instituída, portanto, não há evidências que tragam benefícios”, reforça o médico. 

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