Saúde e Bem-Estar

New York Times, por Jane E. Brody

Síndrome de Prader-Willi: doença que causa fome incontrolável tem tratamento pioneiro

New York Times, por Jane E. Brody
20/06/2019 08:00
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No início, é uma verdadeira batalha alimentar os bebês com a síndrome, porque são muito fracos para sugar. Foto: Bigstock

Quando uma criança nasce com um distúrbio raro que poucos médicos reconhecem ou sabem como administrar, pode ser bem interessante para os pais aprender tudo que puderem sobre a doença e, com orientação médica especializada, encontrar a melhor maneira de tratá-la.
Essa é a abordagem que Lara C. Pullen, de Chicago, adotou quando seu filho, Kian Tan, nasceu há 15 anos com 3,4 kg, aparentemente bem formado e saudável. Mas, após 24 horas, Kian tinha parado de se mover, não se alimentava e parecia molenga como uma boneca de pano, conta Pullen, que já tinha duas filhas.

Duas semanas e meia depois, um teste genético mostrou que Kian tinha a síndrome de Prader-Willi, um distúrbio genético que ocorre com um em cada 15 mil a 25 mil nascidos vivos.
No início, é uma verdadeira batalha alimentar esses bebês, porque são muito fracos para sugar, mas, após dois ou três anos, seu principal sintoma torna-se justamente um apetite insaciável que resulta em obesidade extrema, a menos que se evite que a criança, que é conduzida pela fome constante, consiga roubar comida.

A síndrome de Prader-Willi é causada por variações de diversos genes do cromossomo 15, derivados do pai da criança. Os genes estão ausentes ou inativados por um erro que ocorre durante o desenvolvimento do esperma ou, em alguns casos, quando todo o cromossomo 15 do pai não é herdado pelo feto.

O distúrbio é herdado raramente, mas, quando o pai tem a síndrome de Prader-Willi causada pela ausência do cromossomo 15, há uma possibilidade de 50% de que seus filhos herdem a condição.

Além de um apetite excessivo, a gama de sintomas inclui baixa estatura, apneia do sono, sonolência diurna extrema, defeitos visuais, órgãos genitais subdesenvolvidos, má coordenação, incapacidade intelectual de leve a moderada, problemas de fala, alta tolerância à dor, birras, comportamentos obsessivos e irregularidades do açúcar no sangue.

Pullen estava determinada a dar a Kian a melhor chance possível de ter um desenvolvimento próximo do normal. O tratamento da síndrome de Prader-Willi é normalmente centrado na prevenção da obesidade, limitando calorias e mantendo os alimentos trancados a chave em todos os momentos, mas Pullen, que, como seu marido, é imunologista, decidiu, com a ajuda dos médicos de Kian, que se dedicaria a proteger o cérebro dele, além de controlar a quantidade que ele comia.
“Quando Kian começou a ingerir alimentos sólidos aos seis meses, dei-lhe muitas gorduras para ajudar a desenvolver seu cérebro – abacate, gema de ovo, iogurte integral –, alimentos com altos índices calóricos, bons para quando era tão difícil fazê-lo comer. Mais tarde, quando a hiperfagia começou, mantive a dieta com poucos carboidratos porque ele ficava com fome novamente logo depois de ingeri-los”, disse sua mãe em uma entrevista.

Como deve ser a dieta

A dieta, juntamente com doses noturnas de hormônio do crescimento desde a infância, manteve Kian em uma curva de crescimento normal e apropriadamente magra. Ele também prosperou na escola, entrando na lista dos melhores alunos no ano passado.
A princípio, eles podem não gostar, mas, se você oferecer cada purê durante algumas refeições, o interesse deles vai aumentando. Foto: Bigstock.
A princípio, eles podem não gostar, mas, se você oferecer cada purê durante algumas refeições, o interesse deles vai aumentando. Foto: Bigstock.
Mas a história de Kian não termina aí, e o que se segue poderia, com mais pesquisas, se revelar uma dádiva para outras crianças na mesma situação.

Pullen contou que, além da fome incontrolável, os sintomas comuns na infância de portadores da síndrome de Prader-Willi sugerem que anomalias neurológicas podem estar por trás dos problemas mais desafiadores do transtorno.

Em apoio a sua teoria, Pullen e Maria Picone acabaram de publicar no periódico “Journal of Pediatric Pharmacology and Therapeutics” um relato preliminar documentando os benefícios do medicamento pitolisant (Wakix) em três crianças com Prader-Willi.
O pitolisant é liberado na Europa para tratar a narcolepsia, um distúrbio neurológico do sono. Picone, fundadora da TREND Community, uma plataforma de networking para pessoas com distúrbios raros, também tem um filho com a síndrome. Ela e Pullen são cofundadoras da Fundação Chion, com sede em Chicago, que faz pesquisas sobre doenças raras.

As crianças com síndrome de Prader-Willi em seu relatório estão entre as dez que tomaram o pitolisant. Nove dizem ter experimentado melhoras significativas na qualidade de vida, incluindo padrões de sono mais normais, maior agilidade diurna e melhor funcionamento mental.

Foi relatado que as crianças mostraram melhoras após alguns dias do começo do tratamento com uma baixa dose da droga, que foi aumentada gradualmente. Várias crianças, incluindo Kian, aparecem em um vídeo que Pullen produziu para mostrar em uma conferência profissional no Canadá no mês passado.

O tratamento

Reconhecidamente, esse não era um estudo controlado: está sujeito a viés parental e, portanto, apenas dá uma ideia dos benefícios relatados. Muitos relatos de tratamentos aparentemente bem-sucedidos não se sustentam em ensaios clínicos.
Mas a atividade biológica conhecida do pitolisant pode gerar os efeitos observados nas crianças com Prader-Willi. Pullen explicou que o pitolisant é uma droga altamente seletiva que atua nos receptores de histamina 3 (H-3) no cérebro, aumentando a atividade dos neurônios que melhoram a vigília.

Mas isso não é tudo que os receptores H-3 fazem. Além de afetarem os ciclos de sono-vigília, eles estão envolvidos na regulação da fome, na cognição, na aprendizagem e no tônus muscular. Há também receptores H-3 no estômago, no intestino, no pâncreas e nos testículos, todos funcionando anormalmente em crianças com Prader-Willi.

O pitolisant, disse Pullen, “parece normalizar os sistemas desregulados nos indivíduos com síndrome de Prader-Willi”. Atualmente, a droga está disponível apenas em farmácias na Europa, embora, com a aprovação por escrito da Administração de Alimentos e Drogas (FDA), ela possa ser legalmente importada para os Estados Unidos por correspondência.
Com ou sem tratamento medicamentoso, a dieta de uma criança com síndrome de Prader-Willi precisa de atenção cuidadosa, preferencialmente guiada por um nutricionista com experiência no distúrbio, recomendaram o dr. Shawn E. McCandless e o comitê de genética da Academia Americana de Pediatria.

Uma vez que a criança desenvolva um apetite incontrolável, cerca de 60% das calorias indispensáveis para uma criança do mesmo tamanho, não afetada, podem ser necessárias para alcançar o crescimento normal. Mas é importante assegurar que todos os nutrientes essenciais, incluindo proteínas adequadas, estejam incluídos na dieta.

McCandless, pediatra e geneticista médico do Hospital Infantil do Colorado, enfatizou que “parentes e contatos sociais devem ser educados para perceber que oferecer comida às escondidas para a criança com síndrome de Prader-Willi não é um método adequado de comunicar afeição”.
Segundo relatos, a maior dificuldade das mulheres que se submetem a cirurgias bariátricas é largar os doces Foto: Bigstock
Segundo relatos, a maior dificuldade das mulheres que se submetem a cirurgias bariátricas é largar os doces Foto: Bigstock
O gerenciamento apropriado de problemas comportamentais é igualmente importante e frequentemente exige a ajuda de um psicólogo ou do pediatra da criança. McCandless sugeriu que, como com a maioria das crianças, a melhor abordagem é premiar os comportamentos desejados e, sempre que possível, ignorar aqueles que são indesejáveis. Mas usar alimentos como recompensa ou punição pode ser contraproducente e deve sempre ser evitado, disse ele.
Quando as crianças com síndrome de Prader-Willi se aproximam da idade adulta, vários comportamentos compulsivos podem surgir, incluindo o tabagismo. Algumas podem desenvolver depressão, ansiedade ou mesmo psicose, portanto os pais precisam estar atentos aos primeiros sinais de tais problemas e procurar ajuda médica imediatamente.
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