Saúde e Bem-Estar

Guilherme Grandi

No fim da vida: os cuidados que pacientes e familiares precisam para atravessar esse momento

Guilherme Grandi
23/10/2018 17:30
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Tentar manter a rotina e ser bem informado ajudam a prolongar a vida de pacientes com doenças sem possibilidade de cura. Foto: Unsplash.

Já faz quase uma década que a aposentada Fátima Djanira, de 63 anos, descobriu que era portadora de uma doença sem cura, e que um dos poucos tratamentos disponíveis era a fila dos transplantes. Ela luta contra a leucemia mielóide crônica (LMC), um tipo de câncer que se desenvolve na medula óssea e provoca muito cansaço, mal-estar, anemia e perda de peso.
Fátima faz parte de um grupo de pacientes que os médicos chamam de “fora de possibilidades terapêuticas curativas” – sem cura para determinados tipos de câncer ou doenças crônicas –, mas elegíveis para tratamentos que amenizem os sintomas e melhorem a qualidade de vida. É o que acontece com a aposentada.
Há nove anos ela começou a fazer uso de medicamentos específicos que tornam a LMC uma doença crônica, evitando a necessidade de um transplante. Isso a ajuda a ter uma rotina quase normal de vida, mas com alguns cuidados no dia a dia.
“Ao primeiro sinal de febre ou infecção eu preciso procurar o médico, e tenho muitos efeitos colaterais com a medicação. A minha rotina ainda tem exames e consultas trimestrais com os especialistas”, explica.
Desde que descobriu a LMC, Fátima faz trabalho voluntário e participa de grupos e congressos sobre a doença. Foto: acervo pessoal.
Desde que descobriu a LMC, Fátima faz trabalho voluntário e participa de grupos e congressos sobre a doença. Foto: acervo pessoal.
Fátima contou ao Viver Bem que já está na terceira medicação disponível no Brasil para inibir o avanço da doença. São apenas três remédios que impedem a mutação de dois cromossomos responsáveis pela evolução da leucemia mielóide crônica.
“Existem pacientes que não alcançam resposta com nenhum dos três, aí precisam recorrer ao transplante de medula óssea, o que aumenta o risco de morte“, completa.

Expectativa de vida

O tratamento que a aposentada faz ajuda a prolongar o tempo de vida e a manter longe de qualquer intervenção mais agressiva. Para a chefe do setor de cuidados paliativos do Hospital Erasto Gaertner, Clarice Nana Yamanouchi, não há mais uma régua que defina isso.
“Para muitos deles, o que era uma expectativa de vida de seis meses pode se estender para até dois anos ou mais”, explica.
Outro fator importante para que a doença não afete o psicológico desses pacientes  é tentar, na medida do possível, manter as atividades normais do dia a dia até o estado de saúde permitir. É o ideal, mas não uma regra, salienta a psicóloga Iolanda de Assis Galvão. “O tratamento precisa ser individualizado, não dá para padronizar um atendimento a um paciente nesta situação. Vai depender muito de como ele se vê naquele momento e em seu estado de saúde”, analisa.
Há ainda as terapias que ajudam a amenizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Os cuidados paliativos integram uma série de tratamentos em questões físicas, com o uso de medicamentos para amenizar os sintomas de algumas delas; emocionais, para lidar com o diagnóstico; práticas, geralmente ligadas a preocupações financeiras e legais; e até mesmo espirituais, com um trabalho mais holístico da situação.

Dúvidas recorrentes

O médico geriatra e paliativista do Grupo Oncoclínicas, André Filipe Junqueira dos Santos, responde as cinco dúvidas mais comuns de pacientes e familiares sobre a eficácia dos cuidados paliativos em doenças sem possibilidade de cura:
1- O que são os cuidados paliativos?
A terapia com cuidados paliativos é usada para a prevenção e alívio do sofrimento, e requer uma avaliação precoce para tratar a dor e qualquer problema de natureza física, social e espiritual. Está presente em tratamentos de qualquer área da medicina, inclusive na pediatria, mas com mais impacto em alguns casos de cânceres agressivos.
2- Quando essa terapia deve entrar em cena?
Sempre que uma pessoa enfrente uma doença que ameace a sua vida. A chave é entender que os cuidados continuados envolvem uma série de fatores, e que a doença continuará sendo tratada para que o paciente viva da melhor forma possível com essa condição.
O momento de buscar essa alternativa depende de uma decisão particular do paciente, apoiada pela equipe médica e familiares.
Os cuidados paliativos são ministrados por uma equipe multidisciplinar, e já há cursos no Brasil que fazem essa capacitação. Foto: VisualHunt.
Os cuidados paliativos são ministrados por uma equipe multidisciplinar, e já há cursos no Brasil que fazem essa capacitação. Foto: VisualHunt.
3- No caso do paciente com câncer, há uma recomendação específica?
A American Society of Clinical Oncology (ASCO) recomenda cuidados paliativos para todos os pacientes com câncer avançado ou em caso de sintomas de difícil controle, sendo que esse atendimento deve ser feito por uma equipe interdisciplinar em até oito semanas depois do diagnóstico da doença em fase avançada.
Inicialmente, o cuidado paliativo pode atuar no controle de sintomas e apoio emocional. Mas, caso a doença avance, é preciso conciliar o tratamento oncológico disponível com os desejos da pessoa.
A chave é o equilíbrio, unindo o conhecimento do médico com os valores do paciente. Isso porque o tratamento pode ajudar a ganhar tempo de vida, mas eventualmente resultar em efeitos colaterais que o paciente não quer.
4- Qualquer médico pode ministrar?
Essa é uma área muito nova no Brasil e ainda não há uma regulamentação jurídica. O Conselho Federal de Medicina já o considera como uma área de atuação desde 2012, e já existem cursos que oferecem essa capacitação.
No entanto, este trabalho é impossível de ser feito apenas pelo médico. É necessária uma equipe devidamente treinada, também com um enfermeiro e psicólogo. Grupos maiores englobam ainda nutricionista, fisioterapeuta e outros profissionais de saúde.
5- O que prova que essas medidas influenciam no aumento da vida ou na aceitação da morte?
Como este ramo da medicina ainda é muito novo no Brasil,  não há muitas publicações que consigam medir o impacto dessa atividade no país. Mas, na literatura internacional, já existem trabalhos que comprovam três resultados no tratamento do paciente: aumento da qualidade da vida, alívio dos sintomas e melhora do gerenciamento dos recursos de saúde.
Ou seja, você evita a realização de tratamentos que não são adequados para aquela pessoa. Há uma frase que sempre usamos sobre cuidados paliativos: “Não é que não existe mais nada que fazer, o que muda é a maneira de fazer”. Ao invés de apontar a cura como único tratamento, trabalhamos com outras opções para essas pessoas.

E quem cuida, fica como?

Quem cuida também precisa receber atenção especializada. Foto: Pixabay.
Quem cuida também precisa receber atenção especializada. Foto: Pixabay.
Não é só o paciente que tem direito aos cuidados paliativos. Quem o ajuda também precisa de uma atenção especial. Quando a pessoa vai do hospital para casa, é a família ou quem ela desejar que continua o tratamento, e isso inclui alimentar o paciente, ajudar a dar banho, ir para a cadeira de rodas, e assim por diante.
“Se a família não recebe o auxílio de uma equipe especializada, acaba sofrendo mais e muitas vezes atrapalhando o paciente”, completa Clarice Nana Yamanouchi.
Ela conta que todos os hospitais, públicos e privados, estão aptos a fornecer este tipo de auxílio, e que é um direito do doente receber todas as informações necessárias sobre a doença.
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