Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

O problema do afastamento dos idosos da rotina familiar pode estar na visão

Amanda Milléo
02/05/2018 12:00
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Nos exames de visão, as artérias são vistas com clareza, sendo possível assim pré-diagnosticar outras doenças. (Foto: Bigstock)

Sempre que pensa na própria idade,  minha avó Zilah Marília Correia de Almeida não acredita que chegou ao marco dos 88 anos. Com surpresa, ela sempre questiona os familiares: “Mas será mesmo? Será que não erraram em algum momento a conta?”. Os seus olhos, no entanto, não enganam.
Diagnosticada com a degeneração macular, uma doença comum entre idosos, dona Zilah vinha, desde o começo dos 1980 anos, dando sinais de que o corpo não a acompanhava na tagarelice e disposição.
Aos poucos, filhos e netos foram percebendo que ela não interagia como antes nas conversas da família – aquelas onde todo mundo se reúne e fala ao mesmo tempo, uns gritando mais que os outros. Achamos que era coisa da idade – justificativa que não cabe, jamais, para nenhuma situação – ou que ela simplesmente não queria tagarelar naquele momento.

Sem leitura, nem cinema

Fanática por livros (fosse do tipo que fosse, desde as histórias das revistas Seleções até todos os livros do autor norte-americano John Green), a avó não gostava mais de folheá-los. Filmes no cinema eram convites recusados. Até mesmo na televisão da sala ela não queria mais vê-los, pois estava cada vez mais difícil enxergar os atores principais e acompanhar a trama pela legenda.
Por um tempo ela aceitava vê-los dublados em português, mas com a visão piorando, nem isso foi possível ao longo dos meses seguintes. Ninguém poderia sentir a sua angústia, porque a visão era, para todos nós, um dos sentidos mais usados e, mesmo com alguns problemas pontuais (fôssemos míopes ou não), ainda usávamos sem muitas dificuldades.
Como a degeneração macular atrapalha toda a visão central, tornando-a completamente borrada – e levando a uma cegueira com o tempo -, tudo que exigia uma visão focada em um ponto, para ela, estava fora de cogitação. Tão logo o médico oftalmologista lhe deu o diagnóstico, começou o tratamento, que afetou sua qualidade de vida tanto quanto os sintomas da doença.
Mensalmente, ou às vezes até com uma frequência um pouco menor, dependendo da orientação médica, dona Zilah visita o consultório do oftalmologista para injeções nos olhos. Embora a primeira vez tenha sido assustadora, ainda mais para uma senhora que nunca precisou de cuidados extras com a saúde, agora que está na 11ª injeção, o tratamento faz parte da sua rotina.
“Mas não melhorou. Também não piorou. Mas não melhorou nada”, reclama a dona Zilah toda vez que alguém lhe questiona sobre a visão. Os livros continuam num canto, e quando precisa ler algo, o faz com uma lente de aumento e um óculos especial – daqueles usados por ourives em filmes. Letra por letra, palavra por palavra, a vovó reaprende a transformar as palavras isoladas em frase com sentido.

Qualidade de vida interrompida

Ainda faltam tratamentos, especialmente na área de geriatria, que leve em consideração não apenas a solução do problema – seja nos olhos, ou onde for -, mas também a qualidade de vida dos idosos.
De acordo com Elisabeth Guimarães, médica oftalmologista membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e chefe do setor de lentes do hospital Santa Casa de São Paulo, existe na oftalmologia a sub-especialidade da oftalmogeriatria, que pretende dar atenção especial às doenças mais comuns depois dos 60 anos e seus impactos na saúde como um todo.

“Se pensarmos na terceira idade, o que impactar a piora da visão também limita o idoso, porque a visão é fundamental. Na hora que impacta a visão, atrapalha a vida social, a pessoa acaba mais reclusa, sem querer participar. Tenho uma paciente que diz que quando ela está sem os óculos, ela não escuta. O cérebro trabalha como um todo, com todos os sentidos. É um sistema complexo, que um sentido ajuda o outro”, explica a especialista.

A degeneração macular relacionada à idade é uma das quatro doenças mais impactantes e importantes na saúde visual dos idosos. Ao lado dela, o glaucoma, a retinopatia diabética e a catarata completam o quadro dos problemas a que as famílias, e os próprios pacientes, devem ficar atentos. Confira abaixo um pouco mais sobre cada uma delas:

1 – Degeneração macular: visão central comprometida

Por estar relacionada à idade, a medida que envelhecemos aumentamos a chance de desenvolver a doença.
E há dois tipos: a degeneração seca e a úmida. No caso da primeira, o centro da retina se deteriora, gerando a visão embaçada. No caso da úmida, vasos sanguíneos vazam e crescem sob a retina, também causando uma visão central mais turva. A doença não tem cura.
O tratamento mais recente é o uso das injeções intravítreo, compostas com medicações específicas que inibem a proliferação dos vasos sanguíneos. Há ainda estudos que relacionam ao uso de vitaminas e antioxidantes que, em grandes quantidades, inibem o envelhecimento da retina.
“Sabemos que o sol, os raios UVA e UVB, acabam influenciando negativamente na saúde ocular. O sol também tem impacto na catarata, que é a maior causa de cegueira reversível. Em termos de reabilitação visual, no caso da degeneração, não há muito o que fazer, mas há hoje recursos ópticos, como lentes especiais que fazem com que o paciente enxergue mais pelas laterais”, explica Elizabeth Guimarães, médica oftalmologista.
Dos fatores de risco mais conhecidos para a doença, atenção especial ao alcoolismo, tabagismo, obesidade, alimentação inadequada, doenças inflamatórias, população caucasiana e idosa.

2 – Glaucoma: prevenção da cegueira irreversível

A principal sequela do glaucoma (estima-se que, no Paraná, 140 mil pessoas tenham a doença – no mundo, são 2,4 milhões de novos casos)  é a cegueira irreversível, mas há tratamentos que previnem o surgimento da mesma, dependendo do momento do diagnóstico. Quanto mais cedo, portanto, melhor será o prognóstico do paciente.
O maior problema do glaucoma, porém, é que a doença não demonstra sintomas nos momentos iniciais, de acordo com Rodrigo Omoto, médico oftalmologista da equipe do glaucoma do Hospital de Olhos do Paraná e um dos coordenadores do Abril Marrom, mês de prevenção das doenças oculares, especialmente o glaucoma.

“O glaucoma vai alterando o campo de visão, porque o paciente perde a visão dos campos periféricos e, com a evolução da doença, perde a visão central. Quando o paciente procura atendimento, já perdeu todo o campo periférico. A idade para começar uma investigação do glaucoma é a partir dos 40 anos”, reforça Omoto.

Como a doença não apresenta sintomas iniciais, a consulta ao oftalmologista com frequência é fundamental na detecção dos fatores de risco, como a pressão alta no olho. “História familiar também é muito importante. Não significa que, quem tem um familiar com glaucoma, vai desenvolver a doença, mas a chance aumenta. Afrodescendentes, hispânicos e diabéticos também precisam ficar mais atentos”, explica o oftalmologista.
O principal tratamento do glaucoma especialmente nos estágios iniciais, visa a estabilização da pressão intraocular. Isso é feito em forma de colírios ou mesmo lasers. Doenças mais avançadas contam com procedimentos cirúrgicos, mas que não conseguem reverter os danos já causados, embora consigam reduzir sequelas mais graves.
“Não só a doença, mas o tratamento do glaucoma também afeta a qualidade de vida do paciente. O colírio deve ser aplicado diariamente e, pela química do princípio ativo e dos conservantes, agride o olho. O paciente apresenta olhos vermelhos, irritados. Também pode alterar a coloração do olho”, diz Omoto.

3 – Catarata: primeira causa de cegueira reversiva

Poucos lembram, mas o uso de óculos escuros é uma medida fundamental na prevenção do surgimento da catarata. Isso porque os raios UVA e UVB do sol aumentam o risco da doença. Ainda assim, a prevalência da doença aumenta conforme o envelhecimento da população e o tratamento mais usado atualmente, a cirurgia, faz a remoção da catarata – ou o cristalino embaçado – de forma efetiva.
“Têm sido discutido o uso de um colírio que dissolve a catarata, mas é algo que está em estudos ainda, sem nenhuma comprovação científica. A cirurgia é uma medida eficiente e que tem avançado bastante, com o surgimento de lentes cada vez mais novas”, reforça a médica oftalmologista Elisabeth Guimarães.

4 – Retinopatia diabética: diabetes afetando a visão

Pacientes diabéticos que estão com a doença descompensada – termo usado pelos endocrinologistas para indicar que os níveis de açúcar no sangue, ou a glicemia, não estão adequados e precisam ser melhor controlados – têm o risco de desenvolver a doença. Se não for controlada, os picos de açúcar na corrente sanguínea levam a hemorragias nos vasos sanguíneos dos olhos, comprometendo a visão.
“O grande segredo do tratamento é o controle glicêmico. Se a pessoa não controlar como um todo o diabetes, a doença vai progredindo até estágios da cegueira. Há tratamentos com injeções e lasers, mas são voltados a complicações da retinopatia”, explica Rodrigo Omoto, médico oftalmologista.

Controle frequente

Por conta da falta de sintomas e de outras questões que envolvem o dia a dia do idoso, o oftalmologista deve ser consultado com frequência — quanto antes identificadas, melhores são as chances de tratamento das doenças. “Idosos precisam também tomar cuidado com as lesões. Quedas, bater a cabeça e toda vez que houver possibilidade de um trauma, deve buscar também um oftalmologista. Às vezes, num desses acidentes, acontece o descolamento da retina, machuca a córnea e nem sempre os familiares e o paciente se dão conta” salienta a médica Elizabeth Guimarães.
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