Saúde e Bem-Estar

Julliana Bauer, especial para Gazeta do Povo

Família na UTI: visita prolongada reduz depressão em parentes pela metade

Julliana Bauer, especial para Gazeta do Povo
11/08/2019 13:00
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Um estudo recente prova os benefícios de se flexibilizar as visitações — e representa uma esperança para familiares de pacientes em UTIs. Foto: Bigstock.

Situações que envolvem internação em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) costumam ser estressantes para todos os envolvidos — sejam pacientes, equipe médica ou familiares.
Por muito tempo, as regras rígidas de visitação, com horários restritos a poucas horas por dia, foram consideradas um mal necessário para que se garantisse o acesso a cuidados médicos com os menores riscos possíveis de infecção ou de piora dos pacientes.

No entanto, um estudo recente prova os benefícios de se flexibilizar as visitações — e representa uma esperança para familiares de pacientes em UTIs.

A pesquisa brasileira foi publicada em julho no Journal of the American Medical Association (JAMA) e testou os efeitos de ampliar o acesso de um familiar ao paciente por até 12 horas por dia.
A ideia inicial era comprovar a hipótese de que a visita estendida dos familiares poderia diminuir a incidência de delirium — uma forma de disfunção cerebral que acomete de 30% a 50% dos pacientes graves.
Com o aumento no tempo das visitas, a incidência de delirium foi de 18,9% no grupo de pacientes que tiveram maior contato com familiares, contra 20,1% entre aqueles que permaneceram com as visitas em horário padrão.

No entanto, a descoberta mais significativa encontrada ao longo do estudo se deu na saúde dos visitantes: a mudança reduziu em 50% os sintomas de ansiedade e depressão desenvolvidos por parentes ao longo do período em que um familiar está na UTI — sem causar impacto na incidência de infecções, ou mesmo na carga de trabalho dos profissionais de saúde envolvidos.

De acordo com Péricles Duarte, médico intensivista na UTI do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP) — uma das 36 instituições que participaram da pesquisa — o estudo preenche uma grande lacuna na Medicina Intensiva atual.
“Havia poucos estudos sobre o impacto no estresse de pacientes e da equipe, e também sobre os eventuais tumultos gerados pela maior presença de familiares em um ambiente tão complexo”, explica.

Em relação às infecções hospitalares associadas às visitas, Duarte esclarece que se trata de um mito. “Na maioria das vezes, os agentes infecciosos são oriundos dos próprios pacientes, podendo ser transmitidos paciente a paciente pela própria equipe. Sabemos também que as bactérias podem se tornar mais resistentes pelo uso desenfreado de antibióticos – portanto, não é algo relacionado à visita ou presença de familiares”, destaca.

E se 12 horas de contato entre familiares e pacientes já causam tanto impacto, na rede particular, alguns hospitais oferecem até mesmo 24 horas de convivência entre o paciente e um acompanhante. Foto: Bigstock.
E se 12 horas de contato entre familiares e pacientes já causam tanto impacto, na rede particular, alguns hospitais oferecem até mesmo 24 horas de convivência entre o paciente e um acompanhante. Foto: Bigstock.

Humanização da UTI

Embora o objetivo principal do estudo não tenha sido comprovado, os resultados são válidos por mostrarem outras vantagens associadas à prática da visita estendida — e que o que se espera é que se veja um aumento de adesão à prática entre as UTIs no mundo inteiro.
“Os benefícios em relação ao bem estar e confiança dos familiares também são uma preocupação, não apenas entre os intensivistas, mas também entre os gestores de saúde”, afirma Ciro Leite Mendes, Chefe Médico da UTI Adulto do Hospital Universitário da UFPB e Presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
Mendes relata que esta não é a primeira tentativa de achar meios que humanizem a UTI, e que já existe há tempos na comunidade médica o desejo de flexibilizar as visitações.

“Mesmo antes da publicação do estudo, muitas unidades já adotavam a prática, pela percepção de que a presença dos familiares por períodos mais longos trazia benefícios em diversos aspectos”, conta.

Era o caso do próprio HUOP, que há oito anos mantém um programa de visita estendida, e alterou esta rotina para participar do estudo, que dividiu os pacientes em dois grupos — com e sem visitas prolongadas.
“Para nós, voltar a colocar parte dos pacientes sob o período de visitas tradicionais foi uma quase agressão, porque era o comum oferecermos essa permanência estendida”, relata Duarte.
No entanto, o intensivista acredita que os resultados da pesquisa mostram uma grande contribuição da medicina brasileira, e que eles vêm para ajudar a combater o estigma de que UTIs humanizadas seriam apenas aplicáveis a hospitais particulares — a pesquisa foi realizada em hospitais públicos.
Mendes, por sua vez, enfatiza que outra conclusão importante foi a de que as equipes de UTIs não foram prejudicadas.

“Não houve aumento da incidência da chamada síndrome de burnout, que é esgotamento físico e mental relacionado às atividades laborais, o que também era outra fonte de dúvidas antes da publicação dessa pesquisa”, avalia.

Uma vez provada que a flexibilização das visitas traz benefícios e que não aumenta os riscos de contaminação, qual seriam as alterações operacionais necessárias para aplicá-las aos hospitais brasileiros?
Para Mendes, trata-se de uma questão de planejamento. “Toda mudança exige adaptações. Entretanto, os ajustes necessários não são intransponíveis para qualquer UTI que efetivamente considere essa prática como importante e necessária”, avalia.

A tendência é humanizar

E se 12 horas de contato entre familiares e pacientes já causam tanto impacto, na rede particular, alguns hospitais oferecem até mesmo 24 horas de convivência entre o paciente e um acompanhante.
É o caso do Hospital Vita, em Curitiba, que aposta na UTI humanizada como forma de minimizar os potenciais impactos negativos da internação prolongada. São 16 UTIs com quartos isolados,em que a pessoa internada pode ser acompanhada por um familiar.
“Quando uma pessoa adoece, ela não adoece sozinha — o núcleo familiar adoece junto. Os parentes às vezes deixam de trabalhar, mudam toda a rotina”, enfatiza Rafael Deucher, médico intensivista e coordenador das UTIs do Hospital VITA Batel.

Além de diminuir a incidência de depressão entre visitantes, ele também ressalta que a prática melhora a relação entre médicos e familiares e propicia uma qualidade de sono maior aos pacientes, que também sofrem menos com o estresse pós-traumático — fatores cruciais para a recuperação.

De acordo com Deucher, existe uma tendência mundial de se humanizar a UTI, tirando o estigma de que seria um lugar associado à morte. “No futuro, 70% dos leitos da UTI serão assim. Não é possível dizer que o número chegará a 100% porque no início do atendimentos a casos graves, o paciente demanda muito da equipe médica, mas existem vários estudos que mostram que a tendência é esta”.

Pesquisa foi feita em 36 UTIs

O estudo foi encabeçado pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS) do Ministério da Saúde. A intervenção foi realizada por cerca de três meses em 36 UTI de hospitais brasileiros — todos públicos e filantrópicos.
Participaram 1.685 pacientes (890 homens e 795 mulheres), que foram divididos em dois grupos: com e sem flexibilização do horário de visita. 1060 familiares e 737 profissionais também fizeram parte do estudo.
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