Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Fosfoetanolamina, a “pílula do câncer”, começa a ser testada em humanos

Amanda Milléo
17/07/2019 15:00
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"Pílula do câncer" está sendo testada em humanos (Foto: VisualHunt)

Quando a polêmica sobre o uso da fosfoetanolamina sintética como um tratamento alternativo ao câncer surgiu — fazendo com que passasse a ser conhecida como a “pílula do câncer” —, nada se sabia sobre os reais efeitos da substância no organismo humano (ou animal).
E até hoje há pouquíssima informação disponível. Não à toa, portanto, que a liberação governamental da substância para o uso humano, especialmente em pacientes oncológicos, foi duramente criticada por especialistas da área da saúde.

De 2016 até o momento, diferentes pesquisas tentam verificar a ação da fosfoetanolamina, algumas contestadas por supostamente usarem uma dosagem inadequada e outras ainda em andamento. A mais recente está sendo conduzida por uma série de instituições de ensino no país à pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e do Ministério da Saúde.

Uma delas é a Universidade Federal do Ceará, que anunciou em junho o início dos testes em humanos com a substância, ainda na Fase I, a partir do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da instituição.
Conforme a nota de esclarecimento enviada pelo diretor do núcleo, Odorico de Moraes, ao Viver Bem, o experimento clínico ainda está em andamento e consiste em “avaliar a segurança da substância teste (FOSFOETANOLAMINA) em seres humanos sadios, o que compreende a determinação da dose máxima tolerada, os possíveis efeitos colaterais e o estudo farmacocinético [tempo de absorção da substância pelo organismo humano, por exemplo].”
Para tanto, o estudo está sendo conduzido em 64 participantes voluntários sadios (sem câncer ou qualquer outra doença), com idades que vão dos 18 aos 50 anos. Após a conclusão dessa etapa, que deve levar cerca de 15 dias, encerra-se a participação do núcleo da universidade cearense no estudo, segundo a nota. Nenhum resultado foi apresentado ainda.

Não é contra o câncer

Mesmo quando os resultados forem divulgados pela Universidade Federal do Ceará, não haverá nada que indique se a fosfoetanolamina colabora, ou não, com o tratamento contra o câncer.

Isso porque a primeira fase de estudos que envolve humanos não visa esse objetivo, conforme explica Bruno Roberto Braga Azevedo, cirurgião oncológico do hospital São Vicente, de Curitiba, e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica – regional Paraná. 
“Seja no Brasil ou qualquer outro lugar do mundo, todo estudo clínico em humanos é dividido em quatro partes: Fase I, II, III e IV. A primeira fase não serve para avaliar a função da medicação em relação à doença, mas para discutir qual é a melhor via de administração [oral ou injetável, por exemplo], se tem algum efeito colateral imediato, qual é a melhor dosagem, etc. Mas de forma alguma avalia o uso da droga para uma doença”, explica o especialista.
De acordo com Azevedo, não há estudos ainda que indiquem uma função anticancerígena, ou qualquer outro tipo de ação, em animais com a substância:

“Não há nenhum trabalho experimental com ratos ou qualquer outro animal. E não temos nada na literatura que diga que o uso da fosfoetanolamina é seguro. Não há estudo algum dizendo que funciona, ou para o que funciona, nem qual é a dosagem indicada”, reforça. 

Uma vez ultrapassada a etapa inicial, a Fase II envolveria pacientes com a doença (no caso, câncer); e na Fase III a substância seria aplicada a um número significativo de pacientes, entre cinco a 10 mil, por exemplo, na tentativa de que a medicação pudesse, então, ser aprovada pelos órgãos reguladores.

Arma contra outras doenças?

Sem estudos que comprovem um efeito benéfico contra o câncer, há a possibilidade de que a fosfoetanolamina sirva ao combate a outras doenças, ou nem isso.

“Isso é bastante comum. Um exemplo: uma medicação que foi testada contra a leucemia, mas os pesquisadores perceberam que ela tratava na verdade tumores no estômago. Então, isso pode acontecer. De qualquer forma, no caso da fosfoetanolamina, o estudo ainda está muito longe de considerar a substância apta ao tratamento oncológico ou não”, explica Bruno Azevedo, cirurgião oncológico. 

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