Saúde e Bem-Estar

Agência RBS, com Larissa Roso

O que fazer para ficar longe da hipertensão: médico e hipertenso dá a resposta

Agência RBS, com Larissa Roso
18/04/2019 12:00
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Os fatores de risco da hipertensão podem ser prevenidos com dieta, exercícios físicos e abandono do tabagismo. Foto: Bigstock.

Ao conceder o título de Doutor Honoris Causa, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) reconheceu, em março, as fundamentais contribuições do médico Paul Kieran Whelton para a prevenção e o tratamento da hipertensão.
Irlandês radicado nos Estados Unidos, Whelton foi professor na Universidade Johns Hopkins, em Maryland, e hoje atua na Universidade de Tulane, na Louisiana, ambas nos EUA.
Condutor de estudos de impacto mundial, Whelton trabalhou recentemente como coordenador das diretrizes para diagnóstico e tratamento da pressão alta junto às instituições American Heart Association e American College of Cardiology.
Sandra Fuchs, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, colega de pesquisa de Whelton, ressalta a relevância do trabalho do amigo – Whelton foi responsável por estudos que mostraram a efetividade do consumo reduzido de sal e da perda de peso para o controle da hipertensão, a eficácia de medicamentos, a redução da mortalidade geral e cardiovascular e a possibilidade de se prevenir o desenvolvimento da doença.

Whelton é um cientista reconhecido internacionalmente e talvez a pessoa mais importante no mundo no tema pressão arterial e hipertensão”, afirma Sandra.

Sobrevivente de um grave e incomum linfoma recente, Whelton é ele próprio hipertenso – sua esposa e seus dois filhos também enfrentam essa condição. A família valoriza muito um estilo e vida saudável, conta o professor nesta entrevista, concedida no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA):
Como o senhor acabou escolhendo esta área específica da medicina?
Estudei doença renal e nefrologia. Quando me tornei nefrologista, vi muitos pacientes renais em estágio terminal, os quais manejávamos com dieta, diálise, transplante. Pensei:“É muito tarde”.

Precisamos entender quais são os fatores de risco e tratá-los ou preveni-los. Foi como me tornei um especialista em prevenção. Então mudei meu foco da nefrologia tradicional para a prevenção, há 40 anos, pelo resto da minha vida.

As pessoas estão cientes do risco que a hipertensão representa?
Isso varia tremendamente. De país para país e dentro de um mesmo país. Nos EUA, o nível de consciência é muito alto. Quando comecei, era baixo, e especialmente baixo entre os afroamericanos. Eles têm índices muito elevados de pressão alta e muitas complicações. Mas agora as mulheres afroamericanas têm o melhor nível de consciência sobre a doença entre todos os grupos da população do país. Esse conhecimento é alto porque as pessoas procuram o sistema de saúde de duas a quatro vezes por ano. Mais de 90% da população está ciente do problema, e mais de 80% é tratada.
Nossos níveis de controle da saúde da população, nos sistemas público e privado, também são muito altos. Há pessoas que não entram no sistema por escolha própria. Nosso maior problema atualmente são os jovens negros: eles não gostam de consultar um médico, não acreditam na medicina e geralmente só procuram serviços de emergência. No outro extremo, muitos dos países superpopulosos, de baixa e média rendas, não estão indo bem.
Como a realidade da população americana foi transformada?
Acredito que com trabalho duro e consistente junto ao governo e a associações médicas de cardiologia e geriatria e tendo uma estratégia nacional, o que significa entender os sinais e traçar um plano de percurso. Participei do estabelecimento de diversas diretrizes. Temos a sorte de ter um levantamento nacional sendo realizado regularmente, que nos mostra o quão mal ou bem estamos indo.
Como a mensagem chega ao público?
Médicos e farmacêuticos transmitem informações diretamente aos pacientes: conheça seus índices de pressão arterial e de colesterol e cuide deles. É da sua pressão arterial que estamos falando, e não a do seu médico. Também chegamos até as equipes médicas e falamos com os líderes. Médicos são muito ocupados, requisitados para um volume tremendo de tarefas, especialmente no cuidado primário.
Eles estão soterrados de novas recomendações e diretrizes. Temos pedido que eles pautem o tema para o restante dos membros das equipes. Farmacêuticos e enfermeiros têm feito um trabalho excelente. Os pacientes, se bem informados, podem fazer um trabalho muito melhor do que o que fazemos. Posso lhe dizer que, quando alguém diz“mude”, nossa reação inicial é falar“não”. No passado, focávamos muito a nossa atenção em tratamentos complexos, o que é importante, e agora tentamos realçar nossas ações preventivas. É um processo lento.
O senhor sabe algo sobre a realidade do tema no Brasil?
O Brasil certamente está indo muito melhor do que muitos países.Vocês têm uma frente científica muito forte aqui. Para algumas de nossas diretrizes, usamos dados gerados no Brasil. Há progressos, mas ainda há muito a ser feito. Tem países ao redor do mundo em diferentes estágios de suas jornadas de tentar lidar com o que, em quase 100% dos casos, é possível de se prevenir.

Os fatores de risco podem ser prevenidos com dieta, exercícios físicos e abandono do tabagismo. Assim, algumas doenças cardiovasculares mais comuns podem desaparecer.

Quanto à prevenção, quais são as suas principais dicas?
No que as pessoas deveriam se concentrar? Alimentação. Comemos muita comida processada e temos pessoas queridas nos convidando para sair para comer mais, o que geralmente não é bom. É uma mistura de calorias com sobrepeso, o que é um grande problema, que pode levar a pressão alta e diabetes. Exercício físico é uma grande questão. Na China, por exemplo, nas zonas rurais, as pessoas se dedicam a muitas tarefas manuais, como nós costumávamos fazer muitos anos atrás. Eles chegam a gastar entre 6 mil e 9 mil calorias por dia em atividade física.
Regra subestimada da alimentação saudável: inclua e coma, sempre, as saladas primeiro (Foto: Bigstock)
Regra subestimada da alimentação saudável: inclua e coma, sempre, as saladas primeiro (Foto: Bigstock)
Mas eles se mudam para as cidades, ou mesmo para municípios um pouco maiores, e em um ano o gasto calórico cai para 2,5 mil calorias diárias. É uma grande diferença. Eles estão usando mais o carro e a escada rolante e precisam ajustar sua dieta a essa rotina. A dieta que funcionava quando eles praticavam muita atividade física não é a mais apropriada agora.
Quando você ingere muitas calorias, há o armazenamento de gordura, e ficamos acima do peso ou obesos e temos muitas complicações. A dieta deve ser rica em frutas e legumes, pobre em gordura saturada e sal. O álcool, do qual eu mesmo gosto, está associado à pressão arterial. O que geralmente digo é: se você não está bebendo, não comece. Se estiver, o ideal é que homens não ultrapassem duas doses diárias, e mulheres, uma.
E o açúcar?
Com açúcar em excesso, o corpo precisa estocá-lo em algum lugar como gordura. Tem muitas calorias. É desafiador para todos nós. Mudamos nossa cultura quanto aos tipos de comida que ingerimos, a maneira como comemos. A natureza geralmente é um indicador muito bom do que deveríamos estar fazendo: muitas frutas e vegetais e pouca gordura.
As carnes aqui (no Brasil) são ótimas e com pouca gordura. Temos de mudar nossas práticas, o que leva muito tempo, mas pode ser feito. É como a cadeirinha de bebês nos carros. Quando eu era jovem, dizia-se que as pessoas jamais seriam convencidas a usar as cadeirinhas, e hoje é obrigatório em muitos países. Já dissemos que jamais conseguiríamos fazer as pessoas pararem de fumar.

A certo ponto, na década de 1960, havia médicos que promoviam o tabagismo como uma boa medida para reduzir o estresse. E depois aprendemos o perigo que está associado a esse hábito. Hoje temos 13% de fumantes na população americana. Ainda é um índice alto, mas já representa uma grande mudança.

A dieta regular dos americanos está melhorando?
Tradicionalmente, é muito ruim. Em geral, o americano come muito fora e, quando come em casa, trata-se de um produto que vem em uma embalagem. Fizemos algum progresso, e esse progresso é sempre liderado pelas pessoas instruídas de alto nível econômico. Na média, para a maior parte dos americanos, ainda não está bom. Seja em um restaurante regular ou de fast-food, aquelas refeições são pensadas para proporcionar satisfação imediata. Quando você quer satisfação imediata, há gordura e sal.

Se você senta no McDonald’s ou em outra lanchonete para tomar o café da manhã, já excedeu a quantidade recomendável de sal para o seu dia. Precisamos trabalhar com a indústria alimentícia e a do tabaco, e algumas estão abertas a conversas. Costumo dizer que a doença desconhece fronteiras. Nós, que tentamos prevenir e tratar doenças, precisamos trabalhar juntos. Não são apenas empresas brasileiras ou americanos que estão promovendo uma alimentação pobre, geralmente são empresas globais. Um único empresário é dono de uma série de empresas. Se um de seus produtos é banido aqui, ele vai deslocá-lo para outro país.

Considerando o maior nível de conscientização, pode-se dizer que as pessoas estão ficando menos doentes?
Ainda temos muitos casos. Doenças cardiovasculares ainda são a causa número 1 de morte nos Estados Unidos (e no Brasil também). Para cada morte, há muitas pessoas que não morrem, mas vivem com complicações. Estávamos com os níveis de doença subindo, subindo, subindo e, a partir dos anos 1970, começamos a mudar essa trajetória. Estamos caindo consistentemente desde então. Os índices de acidente vascular cerebral (AVC), muito relacionados à pressão sanguínea, foram os primeiros a cair. Infartos também diminuíram. Os números não estão caindo tão rapidamente quanto gostaríamos, mas agora estamos nos saindo muito melhor do que antes.
As pessoas estão ficando doentes mais cedo?
Não, acho que as pessoas estão vivendo mais. Estamos vendo agora complicações nos mais velhos que não víamos antes, como falência cardíaca e demência, porque as pessoas não chegavam a idades tão avançadas. Sabemos que baixar a pressão é uma maneira fantástica de prevenir doenças com as quais a população mais velha se preocupa, como AVCs. Essas pessoas já viram amigos debilitados e também não querem desenvolver falência cardíaca, porque é algo terrível. E elas não querem ter demência. Tratar a pressão alta cedo e de forma efetiva é excelente para prevenir um AVC e falência cardíaca e acreditamos que seja uma das poucas coisas que sejam boas para prevenir prejuízos cognitivos e demência.
Qual a influência do histórico familiar?
Costumamos dizer, em epidemiologia, que os genes preparam a arma, e o ambiente puxa o gatilho. E é verdade. Algumas pessoas são geneticamente predispostas, mas geralmente o que importa é o que acontece no seu ambiente pessoal, como alimentação e atividade física, que realmente podem engatilhar a arma.

Se houver um forte histórico familiar, é muito mais provável que uma criança terá pressão alta. Na minha família, eu tenho pressão alta, minha mulher tem pressão alta e meus dois filhos têm pressão alta. Em todos os nossos casos, a doença é facilmente controlável, e nos preocupamos muito com o nosso estilo de vida. Mas, mesmo que a hipertensão não esteja presente na família, todos nós estamos correndo risco, especialmente ao envelhecer. É incomum o caso de uma pessoa que morrerá sem receber o diagnóstico de hipertensão.

Qual o melhor tipo de exercício físico para controlar a pressão?
Costumávamos pensar que apenas o exercício aeróbico, como caminhada rápida, corrida, natação ou dança, era eficaz no combate à hipertensão. Hoje sabemos que qualquer tipo, até a musculação, baixa a pressão. Se for intenso, ótimo, mas não precisa ser. Até uma prática modesta já oferece resposta. Pense em uma atividade física que poderá ser mantida na sua rotina.
Que elementos constroem um bom médico?
Um bom médico, entre tantas características, tem que ter, em primeiro lugar, o conhecimento. Mas não é suficiente. Você tem que ser empático e querer ajudar o seu paciente. E você precisa ser persistente, entendendo o caminho que o seu paciente está percorrendo. Preciso dizer que temos uma falsa impressão: vemos apenas os resultados dos pacientes que retornam para uma nova consulta.Agora estamos aprendendo que precisamos tirar proveito da tecnologia, para que ela nos ajude a rastreá-los. Quem está aparecendo para as consultas? Quem não está? Quem está conseguindo manter a situação sob controle? Quem não está? Precisamos saber se estamos atingindo nossos objetivos ou não.
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