Saúde e Bem-Estar

Larissa Roso, da Agência RBS

Médicos brasileiros desenvolvem touca para alívio de dores crônicas

Larissa Roso, da Agência RBS
20/02/2019 12:00
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Rosângela Müller da Silva, 37 anos, não sabe qual é a sensação de viver um único dia sem dor desde que foi diagnosticada com uma doença degenerativa na coluna que a forçou a submeter-se a uma cirurgia para a retirada de duas costelas.
O quadro se complicou com outras lesões e o comprometimento também do quadril. A técnica em enfermagem chegava a passar dias inteiros deitada, em intenso sofrimento que medicamentos eram incapazes de aplacar. Encontrou alívio ao conhecer um dispositivo desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Duas vezes por semana, ela passa por sessões de 20 minutos cada, com uma touca de neoprene que envolve a cabeça e parte da face. Eletrodos acoplados ao acessório de estimulação transcraniana por corrente contínua ativam determinada área do cérebro. O próprio paciente pode manipular o aparelho, semelhante a um controle remoto, com um visor que exibe orientações sobre como proceder para o ajuste da touca e a injeção de pequenas doses de soro, que aliviam uma eventual sensação de ardência. A dor de Rosângela não cessou, mas diminuiu tanto que não pode mais ser comparada àquela de seus piores momentos:

“Hoje consigo lavar a louça, preparar a comida, botar roupa para lavar, sair com minha filha, sentar em uma praça, coisas que eu não fazia. Voltei a estudar. Não faço faxina, mas consigo manter minha casa em ordem. Claro que ainda tenho muitas dificuldades. Não vou lhe dizer que a dor zerou porque nunca zerou. Mas perto do que eu tinha melhorou muito, tenho muito mais qualidade de vida.”

Afastada do trabalho por não poder levantar peso, o que agravaria ainda mais sua saúde, Rosângela se organiza em função das viagens entre os bairros Rubem Berta, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde mora, e Santa Cecília, onde fica o Clínicas. Para cada procedimento em um ambulatório do HCPA, investe uma tarde inteira. Chega por volta do meio-dia e, dependendo da ordem da fila de atendimento, pode ser liberada só depois das 17h. Às vezes, é a primeira a ser chamada. Em outras ocasiões, precisa ceder o lugar para outro paciente, em piores condições.

Melhora é considerada grande avanço

O autor da pesquisa que culminou no desenvolvimento do dispositivo é o anestesista Wolnei Caumo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Dor e Medicina Paliativa e do Laboratório de Dor e Neuromodulação do HCPA, que concebeu a ideia inicial para o projeto em 2011.
Os resultados obtidos até agora são muito animadores e já mobilizam muitos interessados. Beneficiaram-se das sessões doentes com fibromialgia, osteoartrite, dor pós-acidente vascular cerebral, neuralgia pós-herpética e dor do membro fantasma, que não respondiam a outros tratamentos. Além da diminuição do desconforto, verificou-se a redução na quantidade de medicamentos.
No caso de pacientes com queixas em membro fantasma (alguém que sofreu amputação, por exemplo, e continua sentindo dor no local), há relatos de dores que cessaram após três sessões da terapia. Muitos desses doentes têm quadros depressivos associados. No caso dos doentes de fibromialgia, a melhora dos sintomas da depressão, segundo Caumo, foi impressionante. Em geral, caracteriza- se como crônica a dor que persiste por mais de três meses:

“Quando falamos de doenças crônicas, nenhuma, praticamente, tem cura. Fala-se em melhora, mas melhorar não é pouco.”

Aparelho é fácil de ser operado e usado em casa por voluntários

De acordo com a enfermidade de cada paciente, eletrodos são posicionados conforme a parte do cérebro que se deseja estimular. O primeiro passo é vestir a touca e ligar o aparelho, seguindo as instruções: “injete soro” (o paciente manuseia duas seringas com o líquido), “iniciar”, “ajuste a touca”, “injete mais soro”. Após 20 minutos, o desligamento é automático. Quando a bateria acaba, é recarregada com uma fonte em uma tomada.
Como a operação do aparelho é simples, há voluntários dos estudos que inclusive o utilizam sozinhos, em casa. A programação é prevista para aplicações em intervalos com número pré-determinado de horas (o que evita a utilização excessiva ou por terceiros). Cumprir a regularidade ditada pelos médicos é fundamental para o bom andamento do tratamento.

“É como se você desse água para uma plantinha, que vai melhorando. Mexemos na memória da dor, vamos mudando a plasticidade neuronal. Essa modificação no processo de memória é cumulativa, precisa de um número repetitivo de sessões. Depois de uma sessão, o paciente já começa a sentir alívio, que vai sendo cumulativo.”

Wolnei Caumo, chefe do Serviço de Dor e Medicina Paliativa e do Laboratório de Dor e Neuromodulação do HCPA.

O anestesista destaca que o equipamento é bastante seguro e que mexe nos processos de uma maneira que nenhuma outra técnica terapêutica consegue mexer. Estabelecer o número de sessões depende de uma série de fatores, como a gravidade da condição, o tempo de dor e o estado geral de cada paciente. “Há doentes que recebem alta e nunca mais voltam, outros retornam depois de algum tempo. O que se tem observado é que o paciente, mesmo que precise ser readmitido, nunca volta “pior”, ou como estava quando enfrentava a fase mais aguda”, diz ele.

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