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Médicos brasileiros desenvolvem touca para alívio de dores crônicas
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Rosângela Müller da Silva, 37 anos, não sabe qual é a sensação de viver um único dia sem dor desde que foi diagnosticada com uma doença degenerativa na coluna que a forçou a submeter-se a uma cirurgia para a retirada de duas costelas.

O quadro se complicou com outras lesões e o comprometimento também do quadril. A técnica em enfermagem chegava a passar dias inteiros deitada, em intenso sofrimento que medicamentos eram incapazes de aplacar. Encontrou alívio ao conhecer um dispositivo desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

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Duas vezes por semana, ela passa por sessões de 20 minutos cada, com uma touca de neoprene que envolve a cabeça e parte da face. Eletrodos acoplados ao acessório de estimulação transcraniana por corrente contínua ativam determinada área do cérebro. O próprio paciente pode manipular o aparelho, semelhante a um controle remoto, com um visor que exibe orientações sobre como proceder para o ajuste da touca e a injeção de pequenas doses de soro, que aliviam uma eventual sensação de ardência. A dor de Rosângela não cessou, mas diminuiu tanto que não pode mais ser comparada àquela de seus piores momentos:

“Hoje consigo lavar a louça, preparar a comida, botar roupa para lavar, sair com minha filha, sentar em uma praça, coisas que eu não fazia. Voltei a estudar. Não faço faxina, mas consigo manter minha casa em ordem. Claro que ainda tenho muitas dificuldades. Não vou lhe dizer que a dor zerou porque nunca zerou. Mas perto do que eu tinha melhorou muito, tenho muito mais qualidade de vida.”

Afastada do trabalho por não poder levantar peso, o que agravaria ainda mais sua saúde, Rosângela se organiza em função das viagens entre os bairros Rubem Berta, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde mora, e Santa Cecília, onde fica o Clínicas. Para cada procedimento em um ambulatório do HCPA, investe uma tarde inteira. Chega por volta do meio-dia e, dependendo da ordem da fila de atendimento, pode ser liberada só depois das 17h. Às vezes, é a primeira a ser chamada. Em outras ocasiões, precisa ceder o lugar para outro paciente, em piores condições.

Médicos brasileiros desenvolvem touca para alívio de dores crônicas

Melhora é considerada grande avanço

O autor da pesquisa que culminou no desenvolvimento do dispositivo é o anestesista Wolnei Caumo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Dor e Medicina Paliativa e do Laboratório de Dor e Neuromodulação do HCPA, que concebeu a ideia inicial para o projeto em 2011.

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Os resultados obtidos até agora são muito animadores e já mobilizam muitos interessados. Beneficiaram-se das sessões doentes com fibromialgia, osteoartrite, dor pós-acidente vascular cerebral, neuralgia pós-herpética e dor do membro fantasma, que não respondiam a outros tratamentos. Além da diminuição do desconforto, verificou-se a redução na quantidade de medicamentos.

No caso de pacientes com queixas em membro fantasma (alguém que sofreu amputação, por exemplo, e continua sentindo dor no local), há relatos de dores que cessaram após três sessões da terapia. Muitos desses doentes têm quadros depressivos associados. No caso dos doentes de fibromialgia, a melhora dos sintomas da depressão, segundo Caumo, foi impressionante. Em geral, caracteriza- se como crônica a dor que persiste por mais de três meses:

“Quando falamos de doenças crônicas, nenhuma, praticamente, tem cura. Fala-se em melhora, mas melhorar não é pouco.”

Aparelho é fácil de ser operado e usado em casa por voluntários

De acordo com a enfermidade de cada paciente, eletrodos são posicionados conforme a parte do cérebro que se deseja estimular. O primeiro passo é vestir a touca e ligar o aparelho, seguindo as instruções: “injete soro” (o paciente manuseia duas seringas com o líquido), “iniciar”, “ajuste a touca”, “injete mais soro”. Após 20 minutos, o desligamento é automático. Quando a bateria acaba, é recarregada com uma fonte em uma tomada.

Médicos brasileiros desenvolvem touca para alívio de dores crônicas

Como a operação do aparelho é simples, há voluntários dos estudos que inclusive o utilizam sozinhos, em casa. A programação é prevista para aplicações em intervalos com número pré-determinado de horas (o que evita a utilização excessiva ou por terceiros). Cumprir a regularidade ditada pelos médicos é fundamental para o bom andamento do tratamento.

 

“É como se você desse água para uma plantinha, que vai melhorando. Mexemos na memória da dor, vamos mudando a plasticidade neuronal. Essa modificação no processo de memória é cumulativa, precisa de um número repetitivo de sessões. Depois de uma sessão, o paciente já começa a sentir alívio, que vai sendo cumulativo.”

Wolnei Caumo, chefe do Serviço de Dor e Medicina Paliativa e do Laboratório de Dor e Neuromodulação do HCPA.

O anestesista destaca que o equipamento é bastante seguro e que mexe nos processos de uma maneira que nenhuma outra técnica terapêutica consegue mexer. Estabelecer o número de sessões depende de uma série de fatores, como a gravidade da condição, o tempo de dor e o estado geral de cada paciente. “Há doentes que recebem alta e nunca mais voltam, outros retornam depois de algum tempo. O que se tem observado é que o paciente, mesmo que precise ser readmitido, nunca volta “pior”, ou como estava quando enfrentava a fase mais aguda”, diz ele.

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