Saúde e Bem-Estar

The Washington Post, por Derek Hawkins

Jovem recebe primeiro transplante de pulmão por danos causados pelo cigarro eletrônico

The Washington Post, por Derek Hawkins
19/11/2019 08:00
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Uso do cigarro eletrônico fez com que adolescente nos Estados Unidos perdesse os dois pulmões Foto: Bigstock.

Médicos do estado de Michigan, nos Estados Unidos, realizaram o que eles acreditam ser o primeiro transplante duplo de pulmão em um paciente cujos órgãos foram danificados pelo uso do cigarro eletrônico.
A cirurgia demonstra quão extremo os médicos precisam ir para o combate dessa doença, relacionada aos dispositivos eletrônicos de fumar, que se alastra pelo país.
O paciente, um adolescente de 17 anos, foi submetido a uma cirurgia de transplante que durou seis horas, no dia 15 de outubro, de acordo com informações da equipe médica do hospital Henry Ford, da cidade de Detroit.
Antes disso, o jovem passou um mês em um equipamento de suporte à vida, depois de sofrer uma “falha pulmonar completa”. Segundo os médicos, ele teria uma “morte certa” sem a operação.

Atleta de saúde perfeita

De acordo com informações da família do jovem, o adolescente era um atleta que tinha uma saúde perfeita antes de ser internado no hospital no início de setembro, com o que parecia ser uma pneumonia.
Em questão de semanas, a condição se tornou algo tão terrível que ele subitamente foi posto no topo da lista nacional de transplantes, onde a maioria dos pacientes passa meses esperando um doador.
Cirurgiões disseram que ficaram horrorizados quando examinaram o menino pela primeira vez.

“O que eu vi nos pulmões dele era algo que eu nunca tinha visto antes, e eu faço transplantes de pulmão há 20 anos”, disse Hassan Nemeh, diretor cirúrgico dos transplantes de órgãos torácicos do hospital, em uma coletiva de imprensa. 

“Havia uma quantidade enorme de inflamação e cicatrizes, além de múltiplos pontos de tecido morto. E o pulmão em si estava tão firme e cheio de marcas que nós tivemos que literalmente tirá-lo do peito”, disse o médico, que completou: “esse é um mal que eu nunca enfrentei antes”.

Sucesso na cirurgia

Logo após ficar doente, o adolescente foi internado primeiramente no hospital St. John, no dia 5 de setembro. A dificuldade para respirar rapidamente piorou nos dias seguintes, e ele recebeu um aparelho de ventilação no dia 12 de setembro, quando foi transferido ao hospital infantil de Michigan uma semana depois. Lá, ele foi conectado a um aparelho extracorporal de respiração artificial, conhecido pela sigla em inglês ECMO. O dispositivo permitiu que o coração e os pulmões continuassem trabalhando.
Os médicos afirmaram que o jovem estava próximo da morte quando eles tomaram uma medida desesperada de adicioná-lo à lista de transplante, e transportaram-no para o hospital Henry Ford, na esperança de que a operação fosse feita a tempo.

Agora, quase um mês depois da cirurgia, o jovem se recupera bem, conforme a equipe médica. Embora ele ainda esteja fraco, devido ao fato de ter estado sedado por muito tempo, ele caminha e come sozinho, e logo começará a reabilitação. 

Para a família do jovem, a esperança é que a cirurgia reforce os perigos do vaping, ou o uso do cigarro eletrônico, que alguns estudos mostraram ser crescentemente popular entre os estudantes do ensino fundamental e médio.
A operação deixou clara a gravidade da crise de saúde pública que se desdobrou pelo país, ao mesmo tempo em que produtos para vaporar cresceram em popularidade.
Doenças relacionadas ao cigarro eletrônico mataram pelo menos 39 pessoas e colocaram mais de duas mil nos hospitais desde o fim de março, quando começaram a proliferar relatórios de sintomas semelhantes à pneumonia entre usuários dos dispositivos eletrônicos de fumar.
As  informações são do Centro para Controle de Doenças norte-americano (CDC, sigla em inglês), órgão que não confirmou se a cirurgia seria, de fato, o primeiro transplante duplo para pulmão relacionado ao uso do cigarro eletrônico.

“Essa é uma tragédia prevenível”, diz Nemeh. “Esse tipo de produto sem sentido deve ser combatido.”

Maconha associada?

Nemeh e outros médicos envolvidos no transplante não quiseram divulgar se o adolescente fazia uso do THC (Tetrahidrocanabinol, um dos princípios ativos da maconha) ou outros produtos com nicotina quando desenvolveu os sintomas, com o objetivo de proteger a privacidade da família. Um porta-voz do hospital Henry Ford não respondeu imediatamente ao pedido de comentário sobre o assunto.
Mas a distinção entre vaporar produtos com THC versus os cigarros eletrônicos que contêm apenas nicotina tem sido um fator cada vez mais importante na resposta à doença, conforme revelaram autoridades de saúde.
Depois de estudar durante meses as possíveis causas reais do surto, o CDC identificou na última semana que o acetato de vitamina E possivelmente seria o principal culpado.

Oficiais de saúde disseram ter encontrado a substância, usada como um agente espessante em muitos produtos com THC vendidos ilegalmente, em todas as 29 amostras de fluidos de pulmões que coletaram de pacientes que ficaram doentes ou morreram por lesões pulmonares relacionadas ao cigarro eletrônico. 

Embora o achado não exclua outros componentes ou ingredientes como causas possíveis, os oficiais disseram que a descoberta marca um avanço nas investigações.
De acordo com Jim Pirkle, diretor da divisão de Ciências Laboratoriais do Centro Nacional para Saúde Ambiental, do CDC, encontrar o acetato de vitamina E em 29 das 29 amostras de fluídos pulmonares foi um “sinal muito forte” e “praticamente desconhecido”.
Conforme Pirkle, o acetato de vitamina E é uma substância grudenta, como mel, que tende a se aderir ao pulmão, diferentemente do THC, que tipicamente não permanece no fluido do pulmão.
Os investigadores reforçam que os produtos contendo THC, especialmente os obtidos nas ruas e com fornecedores de drogas, estão ligados à maioria das doenças que eles examinaram.
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