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Açúcar causa dependência e deve ser consumido apenas eventualmente. (Foto: Bigstock)
Açúcar causa dependência e deve ser consumido apenas eventualmente. (Foto: Bigstock)| Foto:

Venho mantendo uma dieta com restrição de carboidratos e muita gordura há quase 20 anos, desde que comecei uma experiência ao investigar uma pesquisa de nutrição para o periódico “Science”. Acho fácil manter um peso saudável comendo assim, mas, mesmo após duas décadas, a sensação de estar à beira de um deslize está sempre presente.

Férias e viagens em família são um problema em particular. Sobremesas e doces, aparentemente, surgem após cada refeição, e eu não sou muito bom em recusar quando mais alguém está participando. Quanto mais doces eu como, e quanto mais comemos em família, mais demora a volta ao normal. No fim, tenho vontade de comer uma guloseima por dia.

Descobri que não consigo me satisfazer comendo um pouquinho de uma sobremesa, de macarrão ou de pão. Ao contrário, isso desencadeia um desejo louco por mais, de comer tudo e mais um pouco. Acho mais fácil evitar açúcar, grãos e amido por completo, em vez de tentar comê-los com moderação. A questão é por quê.

Começar a respondê-la exige a compreensão de que os pesquisadores geralmente estão divididos não apenas no que causa a obesidade, mas também por que temos esses desejos e, em regra, não permanecemos na dieta.

O pensamento convencional, dividido por muitos pesquisadores e médicos que entrevistei ao longo dos anos, é o de que a obesidade é provocada por excesso de caloria. Eles chamam isso de distúrbio do “equilíbrio de energia” e o tratamento é consumir menos energia (menos calorias) e gastar mais. Quando não conseguimos seguir essa orientação, acreditamos que simplesmente temos pouca autodisciplina. “O caso é visto como uma questão psicológica ou até uma questão de personalidade”, afirma David Ludwig, médico que trata obesidade na Faculdade de Medicina Harvard.

A posição minoritária nesse campo – compartilhada por Ludwig e por mim – é a de que a obesidade é um distúrbio da regulação hormonal e que o hormônio que domina esse processo é a insulina. Ela liga diretamente o que comemos ao acúmulo de gordura excessiva e isso, por sua vez, está vinculado aos alimentos que desejamos e temos vontade de comer.

Sabe-se desde a década de 1960 que a insulina avisa as células de gordura para acumularem gordura, enquanto manda as outras células do organismo queimarem carboidratos como combustível. Segundo esse pensamento, os carboidratos são os únicos responsáveis pela engorda.

Como o nível de insulina após a refeição é determinado em grande medida pelos carboidratos ingeridos – principalmente grãos e amidos altamente digestíveis, conhecidos como carboidratos com índice glicêmico elevado, bem como açúcares como a sucarose e alta frutose do xarope de milho –, as dietas baseadas nessa abordagem visam eliminar especificamente esses carboidratos.

Se não quisermos engordar nem permanecermos gordos, não os comemos.

Esse efeito da insulina na gordura e no metabolismo dos carboidratos oferece uma explicação para o motivo de esses mesmos carboidratos serem geralmente os alimentos pelos quais mais ansiamos; por que uma simples “escorregada”, como dizem os especialistas em vício, poderia levar facilmente a um episódio de compulsão alimentar.

Eleva o nível de insulina ainda que um pouco, afirma Robert Lustig, médico endocrinologista pediátrico da Universidade da Califórnia, campus de San Francisco, e o organismo passa de queimar gordura para queimar carboidratos.

“Quanto mais insulina liberamos, mais carboidratos desejamos. Assim que você tiver se exposto a um pouco de carboidrato, o que acarreta um aumento de insulina, isso força a energia para as células de gordura, despojando as outras células da energia que utilizariam – em essência, causando fome. Assim, você compensa ficando faminto, principalmente por mais carboidrato. A insulina elevada gera o desejo por carboidratos.”

O resultado é o de que uma mera mordida ou porção de alimentos ricos em carboidratos pode estimular a insulina e criar a fome – um desejo – por ainda mais carboidratos. “Não tenho a menor dúvida de que, quando as pessoas loucas por carboidratos têm o nível de insulina reduzido, esse desejo diminui. E, se tiverem uma recaída e começarem a comer carboidratos, voltam exatamente para onde estavam antes. Já vi isso em diversos pacientes”, diz Lustig.

Vício em açúcar

Açúcar e doces são um grande problema por causa das várias reações fisiológicas que podem ser únicas do açúcar. Esses desejos parecem ser mediados por meio do centro de recompensa do cérebro, estimulado por outras substâncias que causam dependência. Tanto o açúcar quanto essas substâncias viciantes levam à liberação de dopamina, produzindo uma sensação de prazer intenso.

Pesquisadores como Ludwig e Lustig, entre outros, que promovem a restrição ao carboidrato, acreditam que uma pessoa pode minimizar o desejo comendo muita gordura saudável. Segundo Ludwig, a gordura sacia, sendo o único macronutriente que não estimula a secreção de insulina. Para ele, comer alimentos ricos em gordura “ajuda a extinguir o comportamento que leva à compulsão alimentar, ao contrário das com baixo índice de carboidrato que a provocam”.

Qualquer que seja o mecanismo envolvido, se a meta é evitar o tipo de escorregão que leva de uma simples garfada de arroz a devorar sonhos ou abandonar a dieta para sempre, então as mesmas técnicas que têm ajudado viciados em drogas a evitar recaídas também deveriam funcionar nesse cenário. Esses princípios básicos foram desenvolvidos ao longo de décadas, diz Laura Schmidt, especialista em dependência da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, campus de San Francisco, que agora estuda igualmente o açúcar. Elas “podem funcionar para quem ficou sóbrio e deseja permanecer dessa forma”.

A estratégia óbvia é se afastar do que serve como gatilho. “Alcoólicos que desejam permanecer sóbrios não vão trabalhar em um bar. É difícil evitar comer porcaria no ambiente alimentar que nos cerca, mas podemos limpar nosso ambiente doméstico e evitar situações em que o açúcar e outras guloseimas são encontradas facilmente”, afirma Schmidt.

Também pode ser necessário mudar nossos contatos sociais – convencer nossos parentes e comunidades a se envolver a evitar esses alimentos, da mesma forma que auxiliariam se estivéssemos tentando largar o cigarro, álcool ou uma droga pesada.

Outra técnica valiosa é aprender a planejar e evitar situações que aumentem os desejos. “Se eu sei que às 15 horas sinto fome e vou querer passar na padaria, então posso ter alimentos à mão que sejam equivalentes, mas que não irão provocar a compulsão alimentar”, declara Schmidt.

Por fim, qualquer dieta bem-sucedida é um compromisso de longo prazo. Costumamos pensar em dieta como algo que começamos e largamos. E se escorregamos, pensamos que a dieta fracassou. Mas se aceitamos a lógica da dieta com restrição a carboidratos, isso implica em uma vida de abstenção.

Schmidt afirma: “É um sistema muito poderoso que precisa ser desmontando, quer seja uma dependência ou doença metabólica. Ele foi se apoderando de nosso corpo e mente ao longo dos anos e ficar saudável também exige uma visão em longo prazo”.

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