Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Autismo tem três níveis. Veja mitos e verdades sobre o transtorno

Amanda Milléo
04/11/2019 08:00
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Ao receber o diagnóstico de TEA dos filhos, pais podem passar por uma espécie de "luto" pelo futuro idealizado para a criança Foto: Bigstock.

Pais idealizam o futuro dos filhos, e isso é normal. Imaginar o que eles serão quando crescerem, e desejar escolhas que considerem melhores, faz parte do pensamento de qualquer família.
Quando a criança recebe o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), porém, esses sonhos são deixados de lado, e é comum que os pais e familiares passem pelo chamado “luto autista”.
O termo não é o mais adequado, conforme explica Paulo Liberalesso, médico do departamento de Neurologia Infantil do hospital Pequeno Príncipe, mas traduz esse momento onde há a “perda” de uma criança idealizada e o nascimento de uma “nova criança”.

“Eu acho o termo totalmente inadequado, embora eu consiga compreender que existam comportamentos parentais emocionalmente complexos que se seguem ao diagnóstico de uma condição neuropsiquiátrica grave e que não devemos simplesmente negligenciá-los: tratar os pais faz parte do tratamento da criança”, explica o médico, diretor-técnico do Centro de Reabilitação Neuropediátrica do hospital Menino Deus, em Curitiba. 

Confira abaixo a entrevista completa do Viver Bem – Saúde com o médico Paulo Liberalesso, sobre como lidar com as transformações que decorrem do diagnóstico do TEA:

É comum ouvir da família que ela está em “luto” após o diagnóstico do TEA? 

Eu já li e já ouvi o termo “luto” sendo utilizado em muitas situações após um diagnóstico neurológico.
Isso não ocorre somente após o diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA), mas também após o nascimento de uma criança, por exemplo, com síndrome do Down ou com qualquer outra síndrome genética para a qual os pais não estavam minimamente preparados.
Eu acho o termo totalmente inadequado, embora eu consiga compreender que existam comportamentos parentais emocionalmente complexos que se seguem ao diagnóstico de uma condição neuropsiquiátrica grave e que não devemos simplesmente negligenciá-los.
Nós podemos e devemos falar a respeito das dificuldades que os parentes próximos, particularmente os pais, enfrentam nesse momento da vida que se segue ao diagnóstico do autismo. Há uma frase que eu sempre digo quando falo a respeito do TEA: “Tratar os pais faz parte do tratamento da criança”.

Como pode ser definido esse período após o diagnóstico?

O termo “luto” tem sentido diferente em situações diversas. De modo geral, o “luto” é uma sequência de comportamentos que se seguem à perda de algo ou de alguém muito caro à pessoa enlutada.
No caso específico do diagnóstico do transtorno do espectro autista, quando se utiliza o termo, refere-se à perda de uma criança previamente idealizada e ao nascimento de uma “nova criança”.
Pessoalmente, eu não utilizo esse termo para designar os comportamentos familiares que se seguem ao diagnóstico do autismo. Acho que não se aplica, uma vez que não estamos enterrando nada nem ninguém. Estamos, tão somente, conhecendo uma criança que necessitará de apoios especializados para aprender e se desenvolver em todo seu potencial. Desse modo, na minha visão, o termo “luto” é inapropriado e traz uma angústia ainda maior a um momento que não é fácil para os pais e para as mães.

Como é, em geral, a reação dos pais ao receberem o diagnóstico?

As reações são as mais diversas possíveis, variando da não aceitação até a raiva. Contudo, as informações a respeito do TEA estão cada vez mais difundidas na sociedade, de modo que muitos pais ao receberem o diagnóstico simplesmente dizem: “Doutor, nós já sabíamos, mas precisávamos da confirmação”.
A forma como nós, médicos, informamos aos pais do diagnóstico é absolutamente determinante na evolução da criança, porque no autismo nós estamos lutando contra o tempo.

Após o diagnóstico, precisamos que a família tenha força emocional para imediatamente engajar nas intervenções necessárias. Assim, havendo ou não o “luto”, este será o momento de focar nos procedimentos que devem ser implementados para o início do tratamento no menor tempo possível.

Como deve ser, na sua opinião, o acolhimento da família que recebe o diagnóstico do autismo do filho?

A melhor forma de acolher estas famílias é oferecer informações de boa qualidade a respeito do transtorno do espectro autista.
Um bom médico deve evitar opiniões pessoais. Nós devemos, simplesmente, transmitir à família o que a ciência conhece sobre o assunto de forma clara e objetiva.
Famílias bem informadas tornam-se empoderadas para melhor acolher e conduzir os filhos.

É comum os pais terem sensações de culpa e frustração durante esse período do luto? 

Sim, infelizmente é muito comum. Sabe-se que a quase totalidade dos casos de autismo decorre de etiologia genética. E, quando dizemos isso à família, é inevitável que uma grande parte destas pessoas entenda que, se é “genético”, haveria alguma “culpa” dos pais nisso.
Isso, evidentemente, é uma interpretação errônea do fenômeno. Isso deve ficar claro durante a consulta, pois precisamos que os pais estejam emocionalmente fortes para colaborar com o tratamento das crianças.

Avós, tios, primos – quem estiver próximo a família também pode passar pelo “luto autista”?

Sim, esta sensação de “luto” pode se estender a todos os familiares e até mesmo aos amigos da família que, de algum modo, mantenham contato próximo com a criança.

Alias, essa é uma outra grande dúvida que surge rotineiramente: “Para quem devemos contar que nosso filho é autista?” Eu costumo responder que devemos contar para todas as pessoas que verdadeiramente se importam com a criança.

Não há um motivo razoável para escondermos este diagnóstico daqueles que se propõem a auxiliar no desenvolvimento de nosso filho.

A família deve ter o apoio de outras famílias logo após o diagnóstico? Ou seria melhor dar o tempo de o luto passar?

No TEA, as intervenções são sempre muito intensivas. Estamos falando de 10 a 40 horas de tratamento por semana.
Isso faz com que as famílias destas crianças que são tratadas em uma mesma clínica, por exemplo, permaneçam muitas horas juntas.
É inevitável que se formem laços de amizade, o que é excelente. Todos nós, pais ou não de crianças com qualquer deficiência, passamos por momentos difíceis na vida e sabemos que o apoio de amigos ou de pessoas próximas torna o caminho mais leve.

Grupos do Facebook: ajudam ou atrapalham?

Na sua opinião, como os grupos em redes sociais e na internet colaboram (ou prejudicam) a busca por informações e o apoio aos pais?
Há grupos formados por profissionais da saúde e da educação que são fantásticos, onde se veicula informações de excelente qualidade.
Há grupos de familiares que também são muito bons e importantes para o apoio em um momento tão complexo da vida destas famílias.
Contudo, devemos ter cuidado com a proliferação de conteúdo de natureza não científica nestes grupos, pois isso coloca em risco a saúde e até mesmo a vida de nossas crianças.

Quais são as informações mais comuns, e equivocadas, que chegam ao seu consultório? Há ainda muitos mitos envolvidos?

Há muitas informações equivocadas e que se disseminam pelas redes sociais, como por exemplo de que as vacinais provocam o autismo e que, portanto, não deveríamos vacinar nossas crianças.

Isso é um completo absurdo que coloca as crianças e a sociedade toda em risco.

Outra informação equivocada é a de que o TEA seria causado por reações alérgicas intestinais e, desse modo, deveríamos manter todas as crianças autistas em determinadas dietas restritivas. Isso compromete muitas crianças tanto do ponto de vista nutricional como comportamental.
Uma criança no TEA, como qualquer outra criança, pode apresentar alergia alimentar. E, nesses casos, e somente nesses casos, dietas restritivas estariam formalmente indicadas.

Níveis do autismo

Quanto à gravidade, é possível classificar o TEA em três níveis:
  • TEA nível 1: considerado o mais ?leve?, esse nível agrega pessoas que necessitam de pouco ou muito pouco apoio externo. Geralmente, são crianças que apresentam um desenvolvimento da fala normal ou próximo do normal e que têm um rendimento escolar ou pedagógico também próximo do normal. Mas é importante ressaltar que mesmo as crianças no TEA nível 1 precisam de intervenções adequadas para seu total e completo desenvolvimento.
  • TEA nível 2: trata-se de uma forma ?moderada? do autismo, e engloba pessoas que necessitam de um apoio mais significativo.
  • TEA nível 3: pode ser compreendida como a forma ?grave? desta condição. É representado por pessoas que precisam de muito (extremo) apoio.

Sintomas de alerta para o autismo

De acordo com Paulo Liberalesso, médico neurologista, há alguns sinais que os pais devem ficar atentos nas crianças e que despertam suspeitas de TEA:
  • Atraso no desenvolvimento da fala. 

  • Grande dificuldade para interagir de forma adequada com demais crianças da mesma idade;

  • Criança que parece ser extremamente ?desatenta?, como se ela não se importasse, ou se importasse pouco, com a presença de amigos da mesma idade;

  • Crianças que não compreendem exatamente como se utiliza determinado brinquedo e que podem não compreender também as regras de uma brincadeira infantil.

O que há de novo em termos de tratamento ou diagnóstico do TEA? 

O campo no TEA que mais se desenvolveu nos últimos anos é a genética. Hoje somos capazes de compreender muitos intrincados mecanismos genéticos que podem explicar a ocorrência do autismo em meninos e meninas.

Contudo, nosso país ainda tem carências básicas, principalmente quanto ao tratamento. A quase a totalidade das crianças brasileiras não recebe as intervenções adequadas para o autismo. Infelizmente, o tratamento do TEA é ainda muito caro para a maioria esmagadora das famílias brasileiras e as intervenções devem ser intensas, podendo variar de 10 a 40 horas de terapias por semana.

Uma outra dificuldade vista no Brasil é conseguir profissionais verdadeiramente capacitados para a aplicação das intervenções.
O tratamento do TEA é, em sua maior parte, embasado em uma ciência chamada “Análise do Comportamento Aplicada” (ABA), a qual não se aprende de forma empírica.
Ou seja, para se formar um verdadeiro analista de comportamento é preciso de anos de estudo e dedicação.
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