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Dona Isa tem hoje 69 anos e recebeu o diagnóstico há cinco anos. Seu filho, como forma de lembrar das boas lembranças, criou uma página no Facebook sobre a mãe  (Foto: Reprodução do Facebook)
Dona Isa tem hoje 69 anos e recebeu o diagnóstico há cinco anos. Seu filho, como forma de lembrar das boas lembranças, criou uma página no Facebook sobre a mãe (Foto: Reprodução do Facebook)| Foto:

Bruno Camargo tinha dificuldades para falar sobre o Alzheimer da sua mãe. Diagnosticada há cinco anos, dona Isa passou de mulher independente e matriarca a dependente do filho e da família para quase todas as atividades diárias. Com receio de ser visto como um “coitado” por ter uma mãe que adoeceu, o Alzheimer se tornava um tópico doloroso quando era abordado por amigos e conhecidos, até que o estudante decidiu criar uma página no Facebook.

“Dona Isa, histórias para compartilhar” ganhou a primeira postagem no dia 27 de maio deste ano, com uma foto da mãe sentada no sofá enquanto olhava uma fotografia de quando era mais jovem. “Uma página para desabafar com leveza sobre cuidar de alguém que antes cuidava de todos“, explica Bruno, que é turismólogo e estudante de Psicologia no tópico na página sobre o conteúdo que será encontrado ali.

“O que antes era um medo se tornou um acolhimento enorme. Muitos amigos me mandavam mensagem de apoio e agradecimento por ter lido algum determinado texto. Fui motivado pelo meu psicólogo e também pelas pesquisas que realizava sobre a doença. Tudo que encontrava era sempre muito triste e pesaroso. Sentia a necessidade de ler algo mais leve sobre o assunto, uma curiosidade ou um ponto de vista mais otimista sobre a doença. Assim comecei e fui seguindo”, explica Bruno, em entrevista por e-mail ao Viver Bem.

A leveza nos textos de Bruno está nos relatos das conquistas de dona Isa. Uma delas foi quando o filho percebeu a lógica na mania que a mãe tinha de rabiscar o calendário da cozinha, todos os dias.

“Tentei ensinar algumas marcações para ela saber o dia certo, mas nada feito. Comecei então a reparar em seus ‘rabiscos’ e eles faziam sentido. Os quadrados em volta dos números são para identificar a semana. O X é para marcar o dia que já passou e as linhas na vertical são todas as vezes que ela pergunta: ‘Que dia é hoje?'”, relata Bruno na página, em uma publicação do dia 30 de maio.

As postagens também permitiram que Bruno entendesse melhor a doença da mãe, e não faltam mensagens de pessoas de todo o país, sejam familiares ou cuidadores, que querem saber algum detalhe ou informar de novidades do Alzheimer. “Recebo muitas, muitas mesmo, mensagens com reportagens, textos, curiosidades, descobertas, novas pesquisas, sempre relacionados ao Alzheimer e também de cuidados paliativos ao doente. Isso me ajuda muito com a doença, que tem como principal característica o esquecimento progressivo, e como esse esquecimento afeta muitas formas de agir, dos sintomas”, avalia.

“Uma das conversas em um grupo que participo no Facebook me ajudou a fazer a minha mãe tomar mais água. Ela passou por um período que não queria mais ingerir água e estava cada vez mais difícil convencê-la. Compartilhei essa angústia em um dos grupos e o resultado foi incrível. Além de descobrir que outras pessoas também passaram pelo mesmo problema, aprendi alguns truques e técnicas que deram certo. Depois da página aprendi também que poderia criar um painel de ‘boas imagens’, que são só imagens que fazem a minha mãe se lembrar de algo bom, de um momento importante. Aprendi também que a música a acalma e a ajuda a fazer as atividades simples, além de ser um ótimo lazer”, explica.

O estudante de 28 anos é um dos principais cuidadores da mãe e, ao junto com o pai de 70 anos, a irmã e o cunhado e a Neuza, uma amiga da família, divide as funções de alimentação, medicação e atenção a qualquer mudança de comportamento. Para tanto, muitas das atividades que costumava fazer tiveram de ser deixadas de lado, a começar pelo trabalho. “Sempre gostei muito de viajar e ficar alguns dias fora de casa. Trabalhava em um acampamento e ficava lá durante dias. Hoje não faço mais e gosto de dizer que não é porque não posso, porque dá uma conotação de obrigação pesarosa, mas porque eu escolhi abrir mão de algumas coisas por conta dela. Hoje, mais do que nunca, precisamos pensar primeiro nela”, relata.

Os dois primeiros anos depois do diagnóstico foram de mudanças na organização da rotina de casa. A medida que a doença avançou, e a dependência aumentou, a posição de mãe e de chefe da família teve de ser substituída por alguém totalmente dependente e frágil.

“O Alzheimer pede uma organização e uma rotina bem regrada com horários para acordar, almoço, atividades, banho. Se fugir desses horários, a confusão mental é muito grande e isso a irrita e estressa sem necessidade. Essa rotina de horários tive de seguir e ainda sigo bem firme. Tive também de aprender a dirigir, não tinha carteira de motorista até esse ano e nem pretendia tirar. Para facilitar o deslocamento com ela, tive de fazer isso”, relata Bruno.

Com o diagnóstico, Bruno pode perceber as diferentes percepções que a doença causa em cada membro da família. Tiveram aqueles que choraram, muitos não aceitaram e houve quem queria segurar a barra sozinho. “Todas as famílias que conheci, inclusive a minha, passaram por essas fases de negação, aceitação e resiliência. Ainda vivo a resiliência. Acordo todos os dias e encaro os problemas de frente, sempre tentando olhar o lado positivo de tudo isso. Tenho na memória que minha mãe sempre foi muito otimista, mesmo quando passamos por alguma dificuldade, e ela nunca reclamava ou esmorecia. Sempre erguia a cabeça e continuava lutando. Eu me apego a este bom exemplo para continuar seguindo”, diz.

Bruno se manteve firme mesmo quando, neste ano, dona Isa deixou de se lembrar do próprio aniversário. Estava completando 69 anos de idade e, embora pudesse ser uma lembrança triste, o filho não deixou que a tristeza tomasse conta do dia.

“Hoje foi o primeiro aniversário que minha mãe não se lembrou, nem mesmo uma referência do dia, e olha que ela sempre amou comemorar aniversários, principalmente o seu. Aí você pode pensar: ‘Nossa isso é muito triste!’ Sim, é muito triste, mas é triste porque crescemos pensando que devemos nos lembrar de alguém que amamos em um dia específico do ano. Hoje, mais do que nunca, aprendi que não é um dia que faz a diferença em uma vida, é a vida que faz a diferença em um dia“, diz o filho.

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