Saúde e Bem-Estar

A importância dos avós para os netos

Luisa Nucada
25/07/2015 15:02
Thumbnail
Os avós Iracema e Franklin Colete da Silva com as netas Marilis (à dir. ), 10 anos, e Karina (6 anos), além da companheira de todos, Donna: suporte no dia a dia para as meninas. (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)
As mantas de crochê sobre o sofá e os desenhos de criança colados nas paredes entregam: trata-se de uma casa de avós. Um aposento da residência é dedicado inteiramente às netas. Há uma mesinha e cadeiras para os deveres escolares, livros infantis na estante, bonecas, brinquedos, jogos de tabuleiro. Ali, Marilis Colete Lopes Lima, de 10 anos; e Karina Colete Lopes Lima, de 6 anos, não recebem apenas paparicos e afagos. Seus avós, a dona de casa Iracema Colete da Silva, 64, e o bancário aposentado Franklin Colete da Silva, 65, se encarregam das refeições, auxiliam nas tarefas da escola, fazem as vezes de “motorista”, mandam para o banho e também para a cama.
Há seis anos, os pais das meninas se separaram e elas foram morar na casa dos avós maternos, junto com a mãe. Franklin e Iracema dão o suporte na criação das netas quando a filha está fora, trabalhando. O casal não cabe no estereótipo de coruja, que mima, adula, “estraga”. O perfil de avós que “deseducam” está cada vez mais ultrapassado. “Houve mudanças importantes nos últimos 20 anos a respeito do papel dos avós. Muitos têm um papel muito ativo, em especial, quando os dois pais trabalham fora. Muitas vezes, assumem o papel parental, ou seja, vão levar e buscar na escola, dão banho e alimentação ou ficam em período integral nas férias”, afirma a psicóloga e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Lidia Weber, palestrante e autora de 13 livros, entre eles, Eduque com Carinho.
Em sua tese de doutorado “As relações intergeracionais e a participação dos avós na família dos filhos”, apresentada à Universidade de Brasília (UnB), a psicóloga Maíra Ribeiro de Oliveira cita fatores que ajudam a entender por que os avós estão se tornando guardiões dos netos. O aumento da expectativa (e da qualidade) de vida, com idosos cada vez mais longevos e saudáveis; a inserção da mulher no mercado de trabalho; e os novos arranjos familiares, com fenômenos como o chamado “efeito bumerangue” – os filhos saem para estabelecer novas famílias, se separam e voltam com os netos – são alguns deles.
“Tínhamos feito planos para quando ficássemos só nós dois, como viajar, comer fora mais vezes, mas, sinceramente, não faz falta. É mais importante atendê-las, dar amor. Não vejo como obrigação, para mim é natural”, diz Iracema, quanto às netas. A rotina repleta de atividades relacionadas às meninas é cansativa, mas também muito gratificante, afirma o casal. Nas famílias, de modo geral, essas responsabilidades não são vistas como um peso. De acordo com a tese de Maíra, não há consenso entre evolucionistas, economistas e sociólogos sobre o porquê de os avós serem tão altruístas no cuidado com os netos.
Benefícios
A psicoterapeuta familiar e coautora do “Livro dos avós – Na casa dos avós é sempre domingo?”, Lidia Aratangy, que tem 74 anos e dez netos, opina que as atribuições relativas às crianças proporcionam uma espécie de resgate. “Os netos trazem para essa fase da vida uma coisa que não é nova: a sensação de ser muito importante para alguém, que os avós tinham quando os filhos eram pequenos. Depois que crescem, os filhos não estão nem aí. Os netos devolvem essa sensação.”
Quando não é imposta, a relação tende a ser benéfica e prazerosa para ambas as partes, diz Lidia Weber. “Se os avós ainda têm esse desejo de ‘maternar’, pode ser rejuvenescedor. Eles chegam a uma idade em que a vida pertence mais aos jovens e ninguém presta muita atenção naquelas histórias repetidas de sempre. Mas os netos sim, vão adorar ouvir histórias de como eram seus pais quando crianças, vão rir ao saber que o pai quase reprovou na segunda série, que a mãe levou um fora do namoradinho…”
Segundo Lidia Aratangy, os avós são depositários da história da família, e ao narrar a saga dos antepassados, podem transformar aquelas tardes vendo fotos antigas em verdadeiras aulas. O contato com pessoas de outra geração é muito rico para os netos, afirma a terapeuta, inclusive quando há divergências entre o jeito de educar de pais e avós.
“As regras diferentes são mais uma vantagem do que desvantagem. Dependendo do lugar, a regra muda, a regra da escola é diferente da regra da casa dos pais, que é diferente da regra da casa do amiguinho. Saber se adequar de maneira diferente a diferentes ambientes é útil para a vida”, explica. De acordo com ela, os pais costumam querer “baby sitters de luxo”, e “entregam” os filhos para os avós com uma lista do que pode e do que não pode. “Isso é dar responsabilidade sem dar o poder correspondente”, diz Lidia Aratangy.
Para ela, não há problema se na casa dos avós as normas forem distintas; o que não pode haver é conluio. “Os avós não podem, mancomunados com os netos, furar a regra dos pais, como: ‘vou te dar este chocolate aqui, mas não conte para sua mãe’.”
Amor diferente
No aparador da sala, um porta retrato mostra Mattheus Iwanko Valença, 12 anos, em sua primeira comunhão. Ao lado, uma foto de Arthur Martins Valença, 6, ainda bebê. A presença dos netos da dona de casa Rose Valença, 53 anos, no entanto, não se restringe à decoração. “Eles passam mais tempo aqui do que na casa deles”, conta ela.
Os meninos são meio-irmãos por parte de pai e moram a pouca distância de Rose, cada um com sua mãe. Desde pequenos, estão habituados aos cuidados da avó paterna. “O Mattheus vinha para cá embrulhadinho no cobertor, e eu o olhava enquanto os pais trabalhavam. O Arthur veio morar com um ano e meio em Curitiba, e começou a engatinhar aqui, no tapete da sala”, recorda. Sob seu teto, os netos almoçam, brincam, fazem a lição, colaboram com os afazeres domésticos e, de vez em quando, pousam.
Rose Valença com os netos Mattheus, 12 anos, e Arthur, 6 anos: a casa da avó é sinônimo de lar para os meninos. (Foto: Antônio More / Gazeta do Povo)
Rose Valença com os netos Mattheus, 12 anos, e Arthur, 6 anos: a casa da avó é sinônimo de lar para os meninos. (Foto: Antônio More / Gazeta do Povo)
Para os meninos, a casa da avó é sinônimo de lar, e também de ponto de encontro, onde irmãos de mães diferentes podem conviver, crescer juntos, brincar e – inevitavelmente – brigar. Para Rose, os netos foram uma descoberta de um novo tipo de afeto. “O amor que eu sinto por eles é diferente do amor de mãe. Quando meus filhos eram pequenos, eu tinha mais responsabilidade e menos tempo. É outro tipo de amor, não tem explicação.”
A impressão da terapeuta Lidia Aratangy é parecida. “No dia que minha filha, grávida, pegou a minha mão para botar na barriga dela, eu sabia que ia me tornar avó, que ia mudar minha inserção na hierarquia da vida, mas aquilo estava acontecendo na minha filha, não estava acontecendo em mim.”
A relação com os netos, para Rose, vai ainda além dessa ternura. Os meninos representam um motivo a mais para seguir lutando contra um câncer raro no sistema circulatório. “Quando eu estava no bico do corvo, pensei ‘não quero mais isso’. O Mattheus perguntou onde estava meu otimismo. Vi que não podia desistir, que eles precisam de mim, e que eu queria usufruir da companhia deles”.
Tecnologia aproxima ainda mais avós e netos
Nos dias atuais, os pequenos parecem nascer sabendo operar tablets e smartphones. Essa afinidade com a tecnologia pode ser um desafio para pessoas de outras gerações. Mas, segundo a psicóloga Lidia Weber, a questão deve ser vista como uma oportunidade. “As crianças de hoje são nativos digitais, os pais são imigrantes digitais e os avós muitas vezes nem sabem ligar o computador. Uma ferramenta poderosa na educação de uma criança é dar-lhe protagonismo e certo poder. Isso ocorre quando deixamos a criança ensinar algo para os adultos, então, a tecnologia cai como uma luva nas relações entre avós e netos; smartphones, jogos, computadores podem ser fortes aliados na interação.”
O casal Lourdes e Marco Antônio Stavis com o neto Arthur, 5 anos:  conectados também pelas redes sociais. Foto: (Aniele Nascimento / Gazeta do Povo)
O casal Lourdes e Marco Antônio Stavis com o neto Arthur, 5 anos: conectados também pelas redes sociais. Foto: (Aniele Nascimento / Gazeta do Povo)
A dona de casa Lourdes Bernadete da Silva Stavis, 64 anos, e o engenheiro civil Marco Antônio Stavis, 63 anos, aplicam muito bem essa lição. Os diversos aplicativos, como WhatsApp e Facetime, são formas de estarem sempre conectados com o neto Arthur Stavis de Bortoli, de 5 anos.
O menino, que é fanático por futebol, grava vídeos cantando o hino do time do coração, o Coritiba, e envia para os avós. Quando Marco viaja a trabalho, Arthur usa a tecnologia para matar as saudades e encomendar uma camisa da equipe da cidade que o avô está visitando. Com as outras duas netas, que moram em Campo Grande (MS), o casal até organiza festas de aniversário, tudo pelo celular.
“Eles geraram uma demanda que a gente teve que responder. Conviver com uma criança é uma surpresa a cada dia. Você é obrigado a mexer [nos dispositivos digitais], e eles ensinam a gente. Nós gostamos muito, a tecnologia nos beneficia, contribui para nos aproximar dos netos”, diz Marco.