Saúde e Bem-Estar

New York Times, por Jane E. Brody

“Nevoeiro cerebral” causado pela menopausa pode ser confundido com demência

New York Times, por Jane E. Brody
03/02/2019 07:00
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Quase 60% das mulheres apresentam déficit cognitivo relacionado à menopausa; e quando a situação é séria a ponto de chamar a atenção dos médicos, pode ser confundido com demência. Foto: Bigstock

A paciente da dra. Gayatri Devi, uma ex-diretora de escola de 55 anos, tinha bons motivos para estar preocupada: quando se consultou com a neurologista, já vinha enfrentando uma perda de memória progressiva e problemas comportamentais havia um ano, e agora tinha de lidar com um possível diagnóstico de demência frontotemporal.
De acordo com o relato da médica na publicação científica “Obstetrics & Gynecology”, a memória da doente, antes prodigiosa, estava severamente prejudicada e ela se mostrava cada vez mais irritada; tinha dificuldade de organizar as tarefas, encontrar seus pertences, estabelecer objetivos, fazer e realizar planos. Apesar disso, os resultados dos exames médicos e neurológicos e das tomografias não acusaram nada de anormal.
Ao perceber que a paciente tinha entrado na menopausa um ano antes, a dra. Devi associou os sintomas ao declínio do estímulo de estrogênio no cérebro, que acomete todas as mulheres na menopausa, porém com efeitos diversos, já que algumas são mais sensíveis à queda que outras.
Assumindo um provável diagnóstico de déficit cognitivo relacionado à menopausa, a médica receitou uma terapia de reposição hormonal – e em um ano e três meses os sintomas comportamentais desapareceram, com a capacidade de aprendizado e a memória voltando ao normal. A paciente foi capaz de concluir uma pós-graduação exigente e assumir um cargo de liderança na área da educação.
É inegável que o caso dessa mulher foi extremo, mas a médica informou:

“60% das mulheres apresentam déficit cognitivo relacionado à menopausa; e quando a situação é séria a ponto de chamar a atenção dos médicos, ele quase sempre acaba sendo diagnosticado, erroneamente, como uma fase precursora da demência.

Os sintomas cognitivos ligados à menopausa são muito parecidos com o “nevoeiro quimioterápico” (“chemobrain”), reclamação comum entre mulheres que receberam tratamento para câncer de mama e alguns homens submetidos à terapia de câncer de próstata, pois a terapêutica de ambas as doenças normalmente resulta em uma queda abrupta dos níveis de estrogênio.
“Quem sofre do nevoeiro cerebral depois de receber tratamento contra o câncer tem problemas de memória de curto prazo, não consegue lidar com várias tarefas ao mesmo tempo, em encontrar palavras e elaborar argumentos convincentes. O déficit cognitivo relacionado à menopausa acomete mulheres entre 40 e 50 anos, ou seja, quando estão na flor da idade e, de repente, se veem sem chão”, explica a dra. Devi, neurologista do Hospital Lenox Hill de Nova York e professora de Neurologia no Centro Médico SUNY Downstate, no Brooklyn. E afirma que, apesar de comum, o diagnóstico tem grandes chances de ser feito incorretamente.

Medo da demência

“Essas mulheres têm medo de estar desenvolvendo alguma forma de demência, mas o fato é que, se elas se consultarem com um especialista em distúrbios da memória, é bem provável que recebam o diagnóstico incorreto mesmo”, esclarece em entrevista. “O clínico geral vai investigar se existe algum problema na tireoide, uma deficiência vitamínica ou infecção, mas dificilmente vai relacionar o histórico menstrual da mulher com os sintomas cognitivos que apresenta”, completa.
Conhecer os gatilhos que dão início à dor de cabeça é fundamental para o tratamento. (Foto: Bigstock)
Conhecer os gatilhos que dão início à dor de cabeça é fundamental para o tratamento. (Foto: Bigstock)
A dra. Devi decidiu publicar seu estudo em uma publicação de obstetrícia porque muitas mulheres de meia-idade optam pelo ginecologista como atendimento primário. “Queria que eles soubessem da existência desse mal, que normalmente pode ser resolvido com um tratamento de estrogênio de curto prazo que recupera o funcionamento normal do cérebro.”
Em editorial que acompanha a matéria, Pauline M. Maki, professora de Psiquiatria e Psicologia da Universidade de Illinois, em Chicago, observou que “muitas mulheres não só relatam dificuldades cognitivas frequentes ao passar da pré à perimenopausa, e também à pós-menopausa, como mostram um desempenho inferior nos testes neuropsicológicos padronizados que avaliam memória verbal, aspectos da função executiva e velocidade de processamento da informação”.

“Geralmente, elas descrevem esses déficits como um ‘nevoeiro cerebral’ e, como seus médicos, tendem a considerá-los resultado da insônia associada às ondas de calor e aos suores noturnos que definitivamente sobrecarregam o cérebro”, explica Maki. Entretanto, ela lembra que, apesar de esses sintomas comuns da menopausa contribuírem para a gravidade dos problemas de memória, não são a causa primária das disfunções cognitivas.

Um estudo que analisou 1.903 mulheres de meia-idade durante seis anos concluiu que os sintomas relacionados à menopausa – depressão, ansiedade, distúrbios do sono e ondas de calor – não causavam uma piora da memória, do aprendizado e da velocidade com que o cérebro processa informações durante o período de transição.
“O melhor a fazer é normalizar essas experiências para quem está passando pelas fases da menopausa, esclarecendo que o cérebro fica sensível à flutuação dos níveis de estrogênio, tanto em relação à habilidade cognitiva quanto ao temperamento”, completa.

Sintomas e tratamentos

Na verdade, sintomas bem semelhantes a esses afetam um sem-fim de mulheres no período pré-menstrual, quando ocorre uma breve queda no nível de estrogênio; o que acontece é que, ao contrário do ciclo normal, o processo da menopausa é gradual e normalmente leva meses, ou às vezes anos, dificultando assim a relação com os problemas cognitivos. Os níveis de estrogênio costumam começar a cair por volta dos 45 anos, mas a mulher pode atingir a fase da pós-menopausa apenas aos 50, ou ainda mais tarde, quando o sangramento cessa por pelo menos um ano e pouquíssimo estrogênio é liberado pelos ovários.
“Outro fato de suma importância e que toda mulher na menopausa deveria saber é que os efeitos sobre o cérebro e o humor são passageiros”, como explica a dra. Gail A. Greendale, especialista em geriatria e saúde da mulher da Faculdade de Medicina David Geffene, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Aparentemente, o cérebro pós-menopausa se adapta aos níveis baixos, ou inexistentes, de estrogênio.
Uma pesquisa liderada por ela acompanhou 2.362 mulheres durante quatro anos, e revelou que a deterioração da memória e da habilidade de aprendizado característica do processo da menopausa foi revertida na pós-menopausa, o que, segundo concluíram ela e suas colegas, “sugere que as dificuldades cognitivas relacionadas às mudanças do período sejam temporais”.

“O nevoeiro cerebral, ou seja, quando o cérebro da mulher parece não estar a pleno vapor, é transitório. Durante as alterações causadas pela menopausa, ela pode sentir que está um pouco fora do ar, meio confusa, mas, quando essa fase acaba, as nuvens se dissipam e a neblina desaparece. Às vezes, tudo de que precisa saber é que vai passar”, diz Greendale.

Entretanto, para aquelas que não têm disposição ou não conseguem lidar com a transição, Maki aconselha algumas opções de tratamento além da reposição hormonal, como aderir à dieta mediterrânea, fazer caminhas aceleradas e reduzir o consumo de álcool. Quem pode tomar estrogênio com segurança deve saber que as participantes do Women’s Health Initiative – estudo abrangente realizado pelo governo norte-americano com mulheres na pós-menopausa – que foram escolhidas aleatoriamente para começar a reposição hormonal aos 50 anos apresentaram taxa de mortalidade menor e menos possibilidade de morrer da doença de Alzheimer durante os 18 anos de acompanhamento.
“O mais importante aqui é saber que os distúrbios cognitivos relacionados à menopausa não precisam comprometer a qualidade de vida, mas a mulher tem de ser proativa e garantir que o problema seja diagnosticado e tratado corretamente”, conclui Maki
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