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A noção de que é preciso superar um limite orgânico (sentir dor) para chegar ao objetivo está incorreta – principalmente quando ela ocorre durante o treino. Foto: Bigstock.
A noção de que é preciso superar um limite orgânico (sentir dor) para chegar ao objetivo está incorreta – principalmente quando ela ocorre durante o treino. Foto: Bigstock.| Foto:

“No pain, no gain” (sem dor, sem ganho) foi o bordão do personagem de cinema Rocky na década de 1980 e que virou mantra entre praticantes de atividades físicas no mundo todo.

Hoje, quem entra na academia, exercita-se com assessorias ou personal trainers, fatalmente se depara com essa e muitas outras frases de efeito e imagens que buscam incentivar a prática esportiva, mas nem sempre com argumentos coerentes ou que resultem em atos saudáveis.

Na clássica frase cunhada pelo “boxeador”, a ideia de que o praticante precisa ir além mesmo sob dor pode até sabotar os resultados esperados.

“Mesmo em atividades de baixo impacto, como ginástica aeróbica, depois de anos podem surgir problemas de quadril, ombro e joelhos. Imagine como estarão os que hoje fazem atividades fortes na linha da frase famosa daqui vinte anos?”, indaga o educador físico Luiz Carlos Py Flôres.

A noção de que é preciso superar um limite orgânico (sentir dor) para chegar ao objetivo está incorreta – principalmente quando ela ocorre durante o treino. Com atividade física regular, o limite é expandido e não deveria ser ultrapassado.

“Passar a uma série mais avançada não significa estourar o limite, mas elevar a barra que o mede”, diz o professor de História da Educação Física da Universidade Federal do Paraná, André Capraro.

“O desenvolvimento corporal ocorre em etapas e o principal é definir bem os limites individuais, não negligenciá-los, como é bastante comum em locais destinados à prática física”, diz o professor, citando outra frase que circula nesses grupos: “O limite é uma fronteira criada só pela mente”.

Segunda-feira da penitência

O fim de semana foi dedicado à quebra da dieta e ao abandono dos exercícios. A segunda-feira, portanto, é o dia da penitência na maioria das academias de ginástica. O treino dobrado, para compensar os dois dias sem regras, reforça que de modo geral as pessoas tendem a exagerar nos primeiros treinos, achando que o tempo que o corpo precisa e que a mente acredita ser necessário estão próximos.

Treino em excesso atrapalha o desempenho

Apesar de alguns clichês indicarem que, na dúvida, o ideal é colocar mais peso, o correto é confirmar com o professor ou treinador se o treino não está muito fraco ou forte. Overtraining existe, mas isso não reduz a importância de uma alimentação balanceada e do descanso.

“Treinar em excesso pode ser mais prejudicial para aquelas mudanças que se quer produzir do que se a pessoa continuasse a treinar de modo adequado”, diz o educador físico Jaison Bassani.

Não há receitas gerais na prescrição de uma série de exercícios. A intensidade aumenta de acordo com a capacidade ou o limite da pessoa. “Indivíduos que são movidos por frases sem conteúdo também indica insegurança em relação à personalidade”, diz o professor da UFPR, André Capraro.

Tempo de recuperação é muito importante

Em meio a frases com apelos ao exagero, há aquelas que relembram os processos graduais, porém com resultado. Muitas reforçam que a recuperação da musculatura e obtenção dos resultados só se dará por meio dos processos fisiológicos, como o repouso.

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A restrição do sono reduz a massa magra, o metabolismo e a queima de gordura nos intervalos. “Sem recuperação pode ocorrer perda de desempenho e ocasionar lesões”, diz o professor da UFRGS, Eduardo Cadore.

Os limites do corpo existem e devem ser respeitados

Exaltar que o limite físico é uma fronteira inexistente, capaz de ser transposta, não é uma frase coerente ou realista aos praticantes de qualquer exercício físico. Barreiras físicas existem e, quando ultrapassadas, geram dores que não podem ser ignoradas, visto que as lesões são as principais consequências.

No entanto, para ver os resultados – especialmente no ganho de massa muscular – o praticante chega ao limiar do limite, e é justamente o papel que cabe ao educador físico: quantificar o limite de cada um. “O difícil é construir essa relação entre descanso e estímulo de forma a produzir novas adaptações do organismo, que se encontre o limite e não o ultrapasse”, explica o educador físico Jaison Bassani.

Por outro lado, quando a leitura das frases indica um ‘além’ que incentiva o não abandono dos exercícios ou não desistir, elas podem ter efeitos benéficos. “É muito comum que as pessoas comecem o exercício e não fiquem o mês inteiro. É importante que as pessoas não levem a frase como superação do limite biológico, mas sim como um estímulo à continuidade”, afirma o educador físico Luiz Flôres.

Incentivo benéfico

Grupos de praticantes de exercícios físicos em redes sociais, desde academias de ginástica a corredores, além de fisiculturistas foram as fontes para encontrar as seguintes frases, que se dividiram de acordo com o tema central que abordam: limites, dores, overtrainning e fraqueza. Embora a maioria possa ser criticada, há algumas com dicas reais e benéficas, positivas aos praticantes.

Sentir dor não significa melhorar a performance

Sentir dor não representa um ganho muscular ou uma evolução nos exercícios e está provada em estudos. De acordo com o artigo Muscle damage and muscle remodeling: no pain, no gain?, um estudo realizado por pesquisadores norte-americanos mostrou que uma remodelagem muscular, como a hipertrofia, pode ocorrer independentemente de um dano ao músculo – representado na dor.

“O dano muscular foi estatisticamente diferente entre os grupos que já haviam treinado antes e os que começaram no estudo. Os que não haviam treinado antes mostraram sintomas consideráveis de dano e dor, enquanto o grupo que já havia treinado previamente mostrou nenhum sintoma de dano ou dor. Independentemente dos níveis de dano inicial, as mudanças no volume muscular e fator de crescimento foram as mesmas para ambos”, conclui a pesquisa, publicada no The Journal of Experimental Biology.

Ser “sarado” não significa ter mais saúde

Assim como as regras de um clubinho particular, muitos ‘sarados’ não entendem que praticantes da academia não querem ter uma musculatura aparente. Até mesmo o termo ‘sarado’ dá a entender a recuperação de uma doença ou enfermidade – ausência dos músculos aparentes.

“De modo geral, o ser fraco é identificado como o indivíduo que não possui um determinado padrão corporal. O risco maior não é esse que eu me submeti com o treinamento, mas é você que não treina ou treina leve demais, que levanta ferro como uma ‘menina’, termo que eles usam de forma a tentar desqualificar a pessoa”, explica o professor Bassani.

No entanto, há um fundo de verdade ao expressar o perigo em ser ‘fraco’. Quanto mais fortes forem as partes mais fracas, tão forte o corpo todo será, segundo Py Flôres. As partes mais fracas seriam a musculatura profunda, que inclui os adutores, glúteo médio, parte lateral do quadril e lombar, além da musculatura de ombro.

“Não adianta o fisiculturista ter um peito forte, mas não ter força adequada no quadril ou na coxa. É como construir um prédio sem se preocupar com o alicerce. O risco de rachaduras e infiltrações, ou lesões musculares, articulares e o próprio overtraining é maior”, explica Py Flôres.

Cultura de se medir pelo outro

A síndrome do piriforme pode surgir com a atividade aeróbica intensa (Foto: Bigstock)
A síndrome do piriforme pode surgir com a atividade aeróbica intensa (Foto: Bigstock)

Esforço ou exagero?

Mas, quem não gosta de sentir aquela dorzinha “gostosa” depois do treino? Aquela sensação de dever cumprido? A questão é explicada pelo professor do departamento de graduação e pós-graduação de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Jaison Bassani, com base na realidade cultural.

“Há de alguma forma uma cultura e valorização desse esforço desmedido em busca do corpo perfeito. Não acho que há problema em se submeter a esse grau de exigência e sacrifício, mas o problema é se colocamos essa dor como uma espécie de passaporte para ser feliz na sociedade: a dor como fonte de prazer”, afirma.

Submeter-se a muito esforço para ter o corpo que agradaria aos olhos dos outros também reflete essa cultura de valorização do esforço nas academias, de acordo com Bassani. “Não é incomum ouvirmos frases como: ‘mais um pouco e você vai poder usar aquela roupa, ir para a praia e se sentir valorizado pelas pessoas’.

É a ideia de que o corpo não é para si, mas para o outro, que dará a medida do nosso empenho. E quando não é correspondido, somos submetidos a um olhar de desaprovação”, afirma o professor, lembrando outra frase comum: “Você pensa que treinar é perigoso? Experimente ser fraco. Ser fraco é mais perigoso”.

Fique de olho

Tome cuidado com a isca fácil do comportamento “saudável”

Frases e imagens de incentivo às práticas físicas se perdem ao promover o exagero, muitas vezes usando o discurso de atitude ‘saudável’ – como a “Treine forte e sinta-se bem”.

“Elas têm a função de despertar o desejo de ter aquele corpo, algo potencializado pelo discurso do cuidado à saúde, mas que nada têm a ver com isso. Isso é vendido porque se consome muito tudo o que é assim classificado”, diz o doutorando em ciências do movimento humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Humberto de Cesaro.

Esconder (ou fingir que não existe) o cansaço, a dor e a exaustão pode levar a uma sobrecarga nas articulações, lesões, ao consumo de suplementos alimentares para neutralizar os sintomas e por fim, ao overtrainning.

De acordo com o professor do laboratório de pesquisa do Exercício do departamento de Educação Física da UFRGS, Eduardo Lusa Cadore, o cansaço e o limite não são psicológicos.

“São reais e decorrentes de fadiga periférica, de músculos, placa motora, excitabilidade de neurônios motores, ou centrais – incapacidade do sistema nervoso central de continuar executando um padrão de movimento com a mesma eficiência”, afirma.

Confira as sentenças mais populares entre fãs de fitness:

• “Treine forte e sinta-se bem”

• “Não existe essa história de overtraining, apenas má nutrição e falta de descanso”

• “Na dúvida, coloque mais peso”

• “A recuperação é tão importante quanto o treino”

• “Dormir pouco ou mal pode comprometer o resultado do treinamento”

• “Mude, mas comece devagar. A direção é mais importante que a velocidade”

• “Treino sem reeducação alimentar não traz resultados”

• “Não desanime. Às vezes é só um pouco mais além”

• “O limite é uma fronteira criada só pela mente”

• “Superação não é nada mais do que ir além”

• “A diferença entre o impossível e o possível está na sua determinação”

• “No pain, no gain”

• “A dor é a fraqueza saindo do corpo”

• “Você pensa que treinar é perigoso, experimente ser fraco. Ser fraco é mais perigoso”

• “Atinja um corpo sarado”

• “Busque uma musculatura rasgada”

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