Saúde e Bem-Estar

Larissa Roso, da RBS

Nova tecnologia “pinta” o cérebro e ajuda médicos a tratarem o AVC

Larissa Roso, da RBS
10/02/2019 07:00
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Tecnologia disponível no Sul do Brasil favorece trabalho dos médicos no diagnóstico e avaliação do Acidente vascular cerebral (AVC) (Foto: Bigstock)

Segundos são preciosos na hora de prestar socorro a um paciente que sofre um acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame. Tecnologia que acaba de entrar em uso pelo Hospital Moinhos de Vento (HMV), em Porto Alegre, um software que faz uma leitura precisa de imagens do cérebro torna as intervenções mais seguras e eficazes, duplicando e até triplicando o tempo hábil de ação dos médicos.

O e-STROKE Suite aponta, nas imagens resultantes das tomografias a que os pacientes são submetidos, onde ocorreu o entupimento de vaso sanguíneo e as áreas que ainda podem ou não ser salvas, conforme o tempo decorrido desde o início da manifestação dos sintomas.

Baseado na análise das imagens coloridas dos exames, mostradas na tela do celular, o médico decide como será a intervenção, capaz de definir o futuro entre a presença ou a ausência de sequelas (além da dimensão do impacto delas) e, inclusive, entre a vida e a morte. A instituição da capital gaúcha é a primeira da América Latina a adquirir o programa, aplicável principalmente a casos de AVC do tipo isquêmico.
“A cada minuto que passa, 2 milhões de neurônios morrem. É uma quantidade absurda. Cada minuto conta”, comenta a neurologista Sheila Martins, chefe do Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Moinhos de Vento e vice-presidente da Organização Mundial de AVC.
O novo sistema está em operação desde dezembro. Até então, a avaliação das “fotografias” cerebrais era realizada da forma tradicional, a olho nu. Uma observação por vezes difícil – e mais demorada – de sutis gradações de cinza, muito dependente da experiência do médico encarregado de cada caso. Com o passar das horas desde a ocorrência do AVC, as partes em cinza vão ficando cada vez mais escuras, significando também que a situação está se complicando e se tornando irreversível. Ou seja, o médico perdia tempo até conseguir enxergar com clareza o que estava acontecendo e também corria o risco de intervir em uma área onde o dano já era definitivo, podendo inclusive provocar um sangramento fatal no paciente.

Com a interpretação do software, tudo ficou mais nítido. A cor vermelha representa a porção do órgão que já “morreu” devido à obstrução provocada pelo coágulo, e o amarelo, as zonas em sofrimento, que podem ser salvas se a circulação for restabelecida logo. Agora, mesmo profissionais com pouca experiência estão habilitados a operar o e-STROKE.

Tratamentos contra o AVC

Até quatro horas e meia após o AVC, de acordo com as condutas regulares, é possível recorrer à trombólise endovenosa: a aplicação, na veia, de um medicamento que chega ao local do entupimento e tenta dissolver o coágulo.
Com o auxílio do e-STROKE, esse tempo de janela para aplicação do remédio duplica, passando a ser de nove horas. 
Antes, em até oito horas, podia-se utilizar a trombectomia, espécie de cateterismo, procedimento semelhante ao utilizado na área da cardiologia. Em situação de AVC, faz-se uma incisão na virilha que vai até o cérebro, onde ocorre a desobstrução do vaso. Mais um benefício do e-STROKE: esse tempo foi multiplicado por três. Doentes elegíveis, daqui por diante, podem se submeter a uma trombectomia em até 24 horas após o início dos sintomas.

“Pacientes que chegavam 20 ou 24 horas depois já eram dados como perdidos. Agora, são muitos mais os que conseguimos tratar. É o que vem fazendo toda a diferença no mundo”, destaca Sheila.

Derrames ocorridos durante o sono, que representam cerca de 20% do total, são considerados os casos mais difíceis de serem tratados, dada a impossibilidade de se precisar o horário. O paciente estava bem ao ir para a cama na véspera, por exemplo, e, ao acordar, é encontrado paralisado e sem conseguir falar. Quando chega ao hospital, o familiar não sabe informar desde quando ele está com os movimentos e os sentidos alterados. Tratar esse paciente sem se ter ideia da hora em que o AVC lhe acometeu aumentava muito o risco de uma hemorragia no crânio. Essa dificuldade também é driblada pelo software, que mostra com clareza as zonas comprometidas, direcionando a conduta médica.

O que é o Acidente Vascular Cerebral (AVC)

Popularmente conhecido como derrame, o AVC é o termo médico para descrever o surgimento súbito de um déficit neurológico provocado por um problema nos vasos sanguíneos do sistema nervoso central. Há dois tipos:
– AVC isquêmico: é o mais comum, correspondendo a cerca de 85% dos casos. Ocorre quando há a obstrução ou redução brusca do fluxo sanguíneo em uma artéria do cérebro, provocando falta de circulação. Entre as causas, pode estar o aparecimento gradual de material viscoso e gorduroso nas paredes dos vasos ou o deslocamento de um coágulo de sangue formado em algum lugar do corpo – ele se solta e flutua até os vasos cerebrais, onde provoca a obstrução da circulação.
– AVC hemorrágico: causado pela ruptura espontânea (não traumática) de um vaso. O sangue extravasa para o interior do cérebro ou para o espaço ao redor.
Sinais precoces do AVC são essenciais para um tratamento mais eficaz e na prevenção das sequelas (Foto: Antônio More / Arquivo / Gazeta do Povo)
Sinais precoces do AVC são essenciais para um tratamento mais eficaz e na prevenção das sequelas (Foto: Antônio More / Arquivo / Gazeta do Povo)

Como funciona o e-STROKE Suite

– O software, o mais moderno em utilização no mundo, avalia exames de imagem do cérebro, como tomografia, angiotomografia e perfusão por tomografia, em casos de AVC isquêmico, principalmente.
– O sistema é capaz de colorir as regiões do cérebro que foram comprometidas em decorrência do entupimento do vaso sanguíneo. Antes, eram observadas apenas gradações de cinza. O ponto exato onde ocorreu o AVC também é mostrado.
– Em vermelho, aparecem as regiões já “mortas” pela falta de circulação sanguínea, o que resultará em sequelas. Em amarelo, visualizam-se aquelas que ainda estão em sofrimento e podem ser salvas. À medida que o tempo vai passando, as zonas em amarelo vão morrendo também.
O novo programa de computador dá mais agilidade aos médicos, que podem iniciar o tratamento antes e com mais precisão, evitando incapacitações permanentes e até a morte do paciente. A depender do caso, se as condutas são iniciadas com rapidez, o doente pode se recuperar plenamente.

Fatores de risco para o AVC:

– Idade superior a 60 anos
– Hipertensão
– Tabagismo
– Alterações do colesterol
– Diabetes
– Fibrilação atrial (arritmia cardíaca)
– Sedentarismo
– Obesidade
– Má alimentação
– Abuso de álcool

Sintomas do AVC

– Paralisia total ou parcial dos membros (face, braço, mão, perna), geralmente em um lado do corpo
– Alterações de sensibilidade
– Impossibilidade de falar ou compreender o que é dito
– Dificuldade para enxergar (em um olho, nos dois olhos ou em metade de um olho)
– Dor de cabeça súbita e forte
– Tontura e perda de equilíbrio

O que fazer?

Diante da constatação dos sintomas, é imprescindível ligar imediatamente para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu, fone 192). Os profissionais levarão o paciente até um hospital que disponha de um centro de atendimento de AVC.
Caso não haja ambulância, um familiar ou outra pessoa deve transportar o paciente, informando, assim que chegar, que se trata de um caso suspeito de AVC. O atendimento é prioritário.
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