Saúde e Bem-Estar

Cíntia Vegas, especial para a Gazeta do Povo

O fim dos 7 dias de antibiótico? Exames buscam individualizar uso do remédio

Cíntia Vegas, especial para a Gazeta do Povo
20/03/2019 16:57
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Antibióticos têm indicação de serem usados por sete dias, mas tratamento pode ser individualizado. Foto: Bigstock.

Sair de um consultório médico com uma receita de antibiótico prescrito para uma ou duas semanas completas sempre foi comum. Porém, o que muitos paciente se perguntam é de onde surgiu o tempo de prescrição baseado em números múltiplos de sete. Afinal, por que é preciso ingerir os fármacos por sete ou quatorze dias para que o tratamento tenha o efeito desejado?
O médico e diretor-científico do Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente (IBSP), Lucas Zambon, conta que a origem do tempo de uso remete ao início da era dos antibióticos, logo após a descoberta da Penicilina, no final da década de vinte.

“O tempo era atrelado a períodos de uma ou duas semanas de forma empírica, mas que facilitava o controle. Como nossa semana tem sete dias, são seus múltiplos que passaram a ser adotados, sem qualquer base científica”, afirma.

“Observações das respostas dos pacientes mostraram que muitos já estavam melhores após os primeiros dias de uso. Porém, com base em raros casos mais refratários, optou-se por deixar o tratamento estendido como padrão”, diz Zambon.
De acordo com ele, ainda se sabe muito pouco sobre as diferenças de tomar um antibiótico por seis, sete ou oito dias, mas é possível que elas sejam pequenas. “Por meio de estudos científicos que vêm sendo produzidos, observa-se que determinadas doenças, em grupos específicos de pacientes, têm a mesma taxa de cura com tempos de tratamento menores do que os praticados por inércia histórica”.
Fatores culturais também estariam por trás da questão. O médico infectologista Jaime Rocha, que é consultor da parte de infectologia da Associação Médica do Paraná (AMP), comenta que, no passado, na Europa e nos Estados Unidos, os médicos iam aos hospitais uma vez por semana, o que contribuiu para fortalecer o hábito de se receitar os medicamentos por sete dias.
Porém, estudos clínicos que comprovam a eficácia dos antibióticos ainda são a base principal para decisões relacionadas ao tempo de uso e não podem ser descartados. Ele cita um exemplo dessa transformação:

“Quando eu entrei na faculdade, há 20 anos, o tratamento de uma pneumonia em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) durava 28 dias. Quando eu estava em residência, cinco anos depois, a duração era de 14 dias. Hoje, é de sete dias. Em muitas outras situações, os antibióticos já são prescritos para cinco dias.”

Segundo ele, o tempo de prescrição tem como base principal estudos clínicos. Desta forma, ele só pode ser modificado se um estudo comprovar que um determinado fármaco tem a mesma eficácia e segurança quando utilizado por um período de tempo diferente do padrão.
Entretanto, fatores históricos também estão por trás de algumas práticas, principalmente no que diz respeito ao uso durante uma quantidade de dias múltipla de sete.

“No passado, na Europa e nos Estados Unidos, os médicos iam aos hospitais uma vez por semana. Daí vem o costume de se receitar os medicamentos por sete dias”.

Bactérias multirresistentes
Mais recentes são os esforços de redução do tempo de uso em função da preocupação com as bactérias multirresistentes (microorganismos capazes de resistir aos efeitos dos antibióticos).
O médico infectologista do Serviço de Vigilância Epidemiológica do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba, Bernardo Montesanti de Almeida, diz que estudos apontam que, até o ano 2025, as mortes acarretadas por bactérias multirresistentes no mundo poderão ser maiores do que as causadas por doenças cardiovasculares, atualmente tidas como as principais razões de óbitos.
“Estima-se que, se nada for feito agora, até 2050 o custo das bactérias multirresistentes será de US$ 100 trilhões e elas matarão 10 milhões de pessoas no mundo, mais do que o câncer, atualmente a segunda principal causa de óbito nos Estados Unidos”, comenta, com base em uma pesquisa recente realizada na Inglaterra e comandada pelo economista Jim O`Neil (criador do termo BRICS –Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a pedido do primeiro ministro inglês James Cameron.
Tratamento individualizado
De acordo com o infectologista do HC, algumas facilidades existentes hoje contribuem para que o uso dos antibióticos seja mais racional. Exames laboratoriais – como o de PCR (proteína C reativa) e o de procalcitonina — também podem contribuir para nortear o tempo de tratamento, tornando-o mais individualizado ou até mesmo nulo, quando identificada a possibilidade de substituição por outros tipos de medicamentos.

“Os exames ajudam no diagnóstico e auxiliam no acompanhamento do paciente para definição do tempo de tratamento. O único problema é que, infelizmente, estes recursos ainda não estão tão disponíveis e boa parte dos profissionais de saúde não os utilizam como prática, o que faz com que a padronização continue sendo regra”, explica.

Apesar do encurtamento do tempo de uso dos antibióticos ser uma tendência, os pacientes nunca devem diminuí-lo por conta própria. Isto pode fazer com que um problema de saúde se torne recorrente, aumentar as chances de necessidade de utilização de medicamentos por via intravenosa e até de internação hospitalar.

“No caso de uma infecção bacteriana grave, atrasar ou não utilizar o antibiótico de forma correta pode levar à morte. Seguir a orientação médica é fundamental”, diz o representante da AMP.

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