Saúde e Bem-Estar

Carolina Werneck

Por que tanto “sangue bom” é descartado no Brasil? Compare as regras de doação

Carolina Werneck
25/11/2017 18:00
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Regras vigentes no Brasil são semelhantes a países como os Estados Unidos. Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo | GAZETA

“Seu tipo é o tipo certo”, diz uma postagem recente no Facebook do Ministério da Saúde que visa estimular a doação de sangue. Mas estariam as restrições à doação impedindo que doadores em potencial frequentem regularmente os bancos de sangue brasileiros?
Neste sábado (25), celebra-se o Dia Nacional do Doador de Sangue. De acordo com o próprio Ministério, apenas 1,8% dos brasileiros doa sangue regularmente. A porcentagem é mais baixa que na Espanha, por exemplo, onde os requisitos para doação são mais flexíveis que no Brasil. Lá, segundo a Federação Espanhola de Doadores de Sangue, esse número foi de mais de 1,7 milhões de pessoas em 2016. Isso representa 3,66% da população total do país.
Diferentes nações têm regras diferentes para a coleta de sangue. Enquanto, por aqui, alguém que faz uma tatuagem precisa esperar 12 meses para voltar a doar, no Chile esse período é de apenas oito meses. A já mencionada Espanha é ainda mais flexível. Uma tatuagem só retira o doador da cadeira de coleta por quatro meses.
Processamento
Depois que a coleta termina, os hemocentros e bancos de sangue realizam uma série de testes nas amostras colhidas. Como explica Paulo Roberto Hatschbach, diretor geral do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar), que realiza cerca de 180 mil coletas por ano, além da tipagem sanguínea examinam-se a presença de HIV, HTLV I e II, hepatite B e C, sífilis e doença de chagas.
Por quê, mesmo com todos esses testes, restringem-se as doações? Hatschbach afirma que é “porque a janela imunológica é muito longa. Você pode ter contraído o vírus, mas ele ainda não ter sido detectado. Para nós, não existe dúvida. Dúvida é sinônimo de não.” Isso quer dizer que comportamentos de risco não são admitidos para evitar que possíveis doenças passem despercebidas pelos exames por terem sido adquiridas há menos tempo do que seria necessário para que fossem detectadas.
O “guarda-chuva” aberto pelas restrições à doação serviria, portanto, para proteger os receptores. Excluem-se pessoas com comportamentos de risco que, teoricamente, têm mais chance de terem sido contaminadas sem que se dessem conta. Questionado sobre a possibilidade de que alguns doadores mintam ou omitam informações na hora da triagem, o diretor do Hemepar diz que ela existe. “Ela pode omitir, mas é questão de responsabilidade. A gente tem uma grande preocupação de que o sangue que vai para o receptor seja o melhor possível”.
Janela imunológica
Chama-se de janela imunológica o período entre a contaminação por determinada doença e o momento em que ela passa a ser detectada nos exames laboratoriais. No caso do HIV, o Ministério da Saúde afirma que “na maioria dos casos a duração da janela imunológica é de 30 dias. Porém, a duração desse período pode alterar dependendo da reação do organismo do indivíduo frente a infecção e do tipo do teste (quanto ao método utilizado e sensibilidade)”.
Para Hatschbach, essas restrições são “uma coisa do Ministério. Quando você faz uma tatuagem, por exemplo: ainda tem lugar que faz com agulha que não é descartável. Se você fez em um lugar decente, a gente não tem como saber”.
Além das tatuagens e piercings, procedimentos cirúrgicos, exames como a endoscopia e alguns comportamentos sexuais considerados de risco também são impeditivos temporários para a doação de sangue no Brasil. Cirurgias e endoscopias tornam o doador inapto por um período de seis a 12 meses, dependendo da extensão da intervenção.
Paciente doa sangue no Hemepar, em Curitiba. Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo
Paciente doa sangue no Hemepar, em Curitiba. Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo
Segundo a Portaria n° 158/2016, do Ministério da Saúde, as seguintes situações impedem a doação por 12 meses: sexo em troca de dinheiro ou drogas; sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos; violência sexual; homens que tiveram relações sexuais com outros homens; relações sexuais com portadores de HIV, hepatite B ou C ou de outras infecções “de transmissão sexual e sanguínea”; sexo com pacientes de terapia renal substitutiva ou com pacientes com histórico de transfusão de componentes sanguíneos ou derivados; contato de mucosa e/ou “pele não íntegra” com material biológico. Também se excluem por 12 meses os parceiros sexuais de pessoas que estiveram expostas a essas situações.
Quais são as regras em outros países?
Homens que fazem sexo com outros homens (chamados de HSH) só podem doar sangue 12 meses depois da última relação sexual nos Estados Unidos, na Austrália e no Canadá, por exemplo. Este último diminui o período de impedimento em 2016. Antes, esse período era de cinco anos. No Chile, na Argentina e na Espanha, as restrições são aplicadas a comportamentos sexuais de risco de um modo geral, e não apenas aos HSH. Já na Colômbia, embora o governo já tenha sinalizado que essa regra será alterada, HSH ainda são proibidos de doar sangue por 15 anos.
Um dos países mais flexíveis quanto a essas regras, o Chile impede que tatuados e pessoas com piercing doem sangue por um período de oito meses a partir da data da tatuagem ou do piercing. Na Espanha e na Austrália esse tempo é ainda menor: só quatro meses. Argentina, Colômbia e Estados Unidos exigem 12 meses de intervalo, assim como o Brasil.
Cirurgias, que restringem a doação por 12 meses aqui no Brasil, na Colômbia e na Argentina – as cirurgias consideradas “menores” pelos argentinos têm um período mais curto, de seis meses -, só impedem que alguém doe sangue na Espanha por quatro meses.
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