Saúde e Bem-Estar

Monique Portela, especial para o Viver Bem

Para combater a ansiedade e a depressão especialistas focam na atenção plena

Monique Portela, especial para o Viver Bem
09/10/2019 13:00
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O grande problema é que, hoje em dia, a gente desaprendeu a se concentrar, a ficar sensível a uma atividade só. O mindfullness é um conceito que propõe foco. Foto: Bigstock.

Consideradas como o mal do século, a ansiedade e a depressão são doenças psíquicas que vêm crescendo em todo o mundo.
E o Brasil, neste panorama, infelizmente se destaca: somos o número um em casos de depressão na América Latina e, no mundo, somos o país com mais pessoas ansiosas, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde.
Os sintomas mais sutis, como cansaço, problemas de concentração e dificuldades para dormir, são tão comuns, que às vezes é difícil saber em que medida estamos apenas imersos em uma rotina frenética, típica das sociedades contemporâneas ou se é preciso procurar ajuda profissional.

Mas existem alguns sinais mais fácies de serem identificados — se a ansiedade virar medo e a fadiga, incapacidade de continuar as atividades diárias, é preciso ligar o alerta.

“Se a situação traz prejuízos no seu dia a dia, este é o principal critério. Mas não é algo pontual, e sim em um período de tempo”, aponta o psiquiatra Felipe Corchs, do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq).
No caso da ansiedade, ele aponta que ela é considerada um transtorno caso o paciente esteja se sentindo ansioso há pelo menos seis meses. No caso de traumas, um mês tentando lidar com as dificuldades é considerado um quadro de disfunção.
Mas essa não é uma análise simples de ser feita. Caso a pessoa sinta um sofrimento intenso, o tempo não necessariamente será uma variável para identificar o transtorno.
A meditação é uma das formas mais eficazes de reduzir a ansiedade. Foto: Bigstock
A meditação é uma das formas mais eficazes de reduzir a ansiedade. Foto: Bigstock
Seja uma sobrecarga diária, seja uma disfunção do sistema nervoso, o fato é que é todo nível de sofrimento precisa ser combatido e, preferencialmente, prevenido.
E o primeiro fator que pode colaborar com a prevenção destas e de muitas outras doenças é o autoconhecimento. Além de fazer com que a pessoa tenha uma noção melhor de suas sensações e sentimentos, um bom entendimento sobre si pode auxiliar a identificar algumas características que favorecem este tipo de adoecimento, como aponta psicóloga especialista em saúde mental e psicopatologia integrante da comissão do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, Carmem de Oliveira.

“Pessoas que tem afetividade negativa, dificuldades em lidar com frustrações, certa rigidez de pensamento e falta de flexibilidade para administrar situações diferentes da vida, que ficam irritadas, tristes ou com raiva com muita facilidade. Estas são algumas características que podem favorecer [o adoecimento]”, aponta.

“Quando a gente se conhece, respeita os nossos limites, sabe quais características estão nos trazendo prejuízos, podemos tentar lidar com elas ou buscar ajuda”, completa.

Fatores de risco

Entender aquilo que pode favorecer um quadro de ansiedade ou depressão é fundamental para o combate e a prevenção dos transtornos.
Entre os fatores de risco, os profissionais apontam ainda para questões externas e sociais, como, por exemplo, pessoas expostas a situações de bullying, preconceito ou assédios.
“Se pudermos construir ambientes saudáveis, onde as pessoas possam compartilhar conhecimentos, onde se possa falar sobre questões de preconceito para que seja possível lidar com as diferenças, estaremos construindo aspectos de prevenção”, aponta Carmem.
As relações familiares, tanto a predisposição genética quanto questões sociais, também podem constituir um fator de risco no caso da depressão, como aponta Felipe Corch.

“O que sabemos é que o risco de haver algo na mesma família é muito alto. A grande dúvida é se isso é genético, aprendido, ou a combinação das duas coisas”.

No primeiro caso, as pesquisas, mesmo com os avanços dos estudos neuroquímicos e de neuroimagem, ainda não conseguem mapear exatamente de qual forma se dá a hereditariedade da doença, mas seu peso é importante, principalmente nos casos mais severos.
A ansiedade muitas vezes pode ser um sintoma que precede ou acompanha a depressão. Foto: Bigstock.
A ansiedade muitas vezes pode ser um sintoma que precede ou acompanha a depressão. Foto: Bigstock.
Em estudos realizados com irmãos gêmeos, por exemplo, identifica-se que caso um deles tenha problemas psicológicos, a probabilidade de o outro também desenvolver a doença é alta. “No fim das contas, o que importa é que tem um risco alto. Então começar uma terapia mais precoce, ter cuidado desde o início, é válido”, pontua.
No caso da depressão, a ansiedade muitas vezes pode ser um sintoma que a precede ou a acompanha.

“Bioquimicamente, a ansiedade e a depressão podem ter a mesma raiz, que é uma disfunção no sistema nervoso. A serotonina, a dopamina, a adrenalina, estão ligadas tanto à ansiedade quanto à depressão”, explica Oswaldo Petermann Neto, psiquiatra da Paraná Clínicas.

Por isso, um diagnóstico de ansiedade que seja tratado com seriedade pode prevenir uma possível depressão.

O caminho da prevenção

Como os transtornos psicológicos são multifatoriais, englobando aspectos genéticos, comportamentais e ambientais, a prevenção também é variada.
A maioria das medidas preventivas, chamadas de fatores de proteção, estão ligadas a uma boa qualidade de vida no geral, o que inclui a vivência em ambientes saudáveis, uma alimentação equilibrada, a prática de exercícios físicos e atividades que exercitem a mente, como leitura, estudo e meditação.
O ideal é variar as atividades em vez de concentrar todas as energias em uma única área. Assim, será possível contar com pontos de apoio diferentes, em caso de dificuldades.
“Se algo não vai bem, você terá outras coisas que vão bem. Quando mais diversificada a vida, mais chances você terá de criar uma proteção à saúde mental, que afasta de um adoecimento”, aponta Carmem.

O mesmo vale para as relações sociais — quanto mais variadas forem nossas relações e menos dependentes sejamos de uma única pessoa, melhor para nossa saúde mental.

No campo fisiológico, os exercícios são aliados tanto no combate quanto na prevenção. Em casos mais sérios, são coadjuvantes, acompanhando o tratamento profissional com prescrição de medicação e psicoterapia.
Em casos mais brandos, podem ser um dos principais fatores para recuperar as sensações de bem-estar, bom humor e autoestima.
Os exercícios auxiliam a dormir melhor, o que é crucial para a regulagem do sistema nervoso, e pode ter efeitos positivos sobre a autoestima e confiança. Foto: Bigstock.
Os exercícios auxiliam a dormir melhor, o que é crucial para a regulagem do sistema nervoso, e pode ter efeitos positivos sobre a autoestima e confiança. Foto: Bigstock.
“Quando feita de forma frequente, a atividade física acaba regulando essa química dos neurotransmissores, aumentando a concentração de adrenalina, a metabolização da serotonina, e promovendo uma maior sensação de bem-estar”, explica o psiquiatra Oswaldo Petermann Neto.
Além disso, a prática auxilia a dormir melhor, o que também é crucial para a regulagem do sistema nervoso, e pode ter efeitos positivos sobre a autoestima e confiança, por conta dos resultados físicos obtidos.

Os esportes, além dos benefícios das atividades físicas no geral, ainda ajudam a desenvolver questões cognitivas, por demandarem estratégias e inteligência de jogo; aumentam a sociabilidade e, caso praticados ao ar livre, ainda aproveitam o sol, importante na sintetização da vitamina D, diretamente ligada ao humor.

A visão oriental

Esta visão de saúde integral é consenso entre os pesquisadores da saúde mental, mas é abordada de maneira mais enfática nas linhas orientais, como o ioga e também o ayurveda, uma ciência indiana milenar.
Em sua perspectiva, a manifestação das doenças é um dos estágios finais de um processo de desequilíbrio dividido em seis fases, da menor a maior complexidade.

“No ayurveda se trabalha muito com prevenção, com estilo de vida, alimentação, exercícios físicos, justamente para tentar evitar que ela chegue nesta última fase, onde a doença já está se expressando, já acomete o corpo e a mente”, aponta Rafael Buratto, psicólogo que há mais de 10 anos trabalha com ioga, meditação e ayurveda.

Ele aponta que algumas linhas da psicologia ocidental se aproximam muito da visão do ioga acerca dos transtornos de ansiedade, relacionando-os, quanto aos fatores comportamentais, à construção e ao reforço de padrões de comportamento que privilegiam a atenção dispersa, em vez de um outro tipo de atenção, mais contemplativa.
“A nossa mente é capaz de ficar atenta a vários estímulos e é capaz de concentração, de foco, de sensibilidade. São duas coisas opostas. Nenhuma das duas é ruim, elas são só capacidades. O grande problema é que, hoje em dia, a gente desaprendeu a se concentrar, a ficar sensível a uma atividade só”, aponta o especialista.
O que estas vertentes orientais propõem é justamente trabalhar este outro tipo de concentração, a partir de práticas que envolvem principalmente o controle da respiração e da mente como chave para o autoconhecimento e a autonomia.
O mindfulness, por exemplo, é uma prática de origem budista que vêm crescendo no Brasil, em especial nos últimos cinco anos. Desvinculada de sua origem religiosa e espiritual por acadêmicos estadunidenses, o que hoje chamamos de “Atenção Plena” é uma técnica de concentração.
Não chega a ser a meditação, mas sim uma etapa anterior, que busca acalmar a mente e treinar o foco — a meditação em si é a contemplação que resulta desta concentração, exigindo menos esforço.
O crescimento de cursos, publicações e profissionais que trabalham com o Mindfulness, para Buratto, reflete a necessidade das sociedades atuais em desenvolver técnicas que permitam uma pausa nos estímulos múltiplos.

“Você parar e ficar 10 muitos sentindo, percebendo o que está se passando na sua mente, já é um ótimo exercício em contraponto à velocidade da nossa cultura atual”, aponta. “É por isso que o Mindfulness apareceu e explodiu: é a necessidade que as pessoas estão tendo de fazer um contraponto a estas questões.”

Esgotamento é um dos sinais de uma sociedade baseada em desempenho e em urgências. Foto: Bigstock.
Esgotamento é um dos sinais de uma sociedade baseada em desempenho e em urgências. Foto: Bigstock.

A sociedade do cansaço

A perda da capacidade contemplativa é uma das causas apontadas para o nervosismo das sociedades contemporâneas, de acordo com o filósofo alemão Byung-chul Han.
Para ele, a exaustão, a fadiga e o esgotamento que caracterizam os tempos atuais são fruto de um excesso de positividade, simbolizado pela frase-mantra “sim, nós podemos”.
“No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação”, aponta o filósofo em seu livro “A Sociedade do Cansaço”, lançado em 2010.
A queda da instância dominadora, porém, não leva à liberdade, mas faz com que a liberdade e coerção coincidam.
Isso significa que, na ideia de que tudo podemos, somos pressionados a tudo fazermos — cada pessoa acaba se tornando o empresário de si mesmo e o poder se transforma em obrigação.
Essa hiperatividade, que visa maximizar o desempenho em todas as áreas da vida, sobretudo no trabalho, é o que está adoecendo as pessoas, aponta.

“O que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão de desempenho”, explica o autor.

“O que torna doente, na realidade, não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho”.

DIFERENÇA

Ansiedade e depressão
A ansiedade é uma reação natural do corpo frente a perigos, ameaças ou demais situações adversas. Ela se torna um transtorno quando passa a trazer prejuízos à vida do indivíduo, como sentimentos de medo ou pânico que interfiram em atividades cotidianas.
Sintomas: palpitações, enxaqueca, hipertensão, sudorese, tremores, tensão muscular, entre outros.
A depressão é um transtorno emocional desencadeada por disfunções bioquímicas do sistema nervoso combinado a fatores ambientais, e em alguns casos, predisposição genética. Em indivíduos com depressão, os neurotransmissores que transmitem impulsos nervosos entre as células estão em desequilíbrio.
Sintomas: tristeza, baixa autoestima, falta de apetite, pessimismo, irritabilidade, apatia, entre outros.
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