• Carregando...
Clarice, filha de Lariessa Lakhsmi nasceu em casa depois de 27 horas de contrações. Foto: Nanci Novak / Arquivo Pessoal
Clarice, filha de Lariessa Lakhsmi nasceu em casa depois de 27 horas de contrações. Foto: Nanci Novak / Arquivo Pessoal| Foto:

Quando a atriz Yara Rossatto Wigineski, 27, entrou em trabalho de parto, fazia o típico frio curitibano, mas ela não precisou sair de casa para ter seu primeiro filho. No lugar de correr para a maternidade, enviou uma mensagem via WhatsApp à sua parteira. Seis horas depois de muitas contrações, às 23h37 de um sábado, nasceu o menino Sol, na casa da família, com 3,7 kg e 50 cm.

O bebê chegou ao mundo de parto natural,  com o auxílio de enfermeiras obstetras e longe de aparatos médicos. Os exames essenciais, como o apgar e o teste do pezinho, foram feitos como manda o protocolo; outros, não tão urgentes, foram adiados para os dias seguintes. “Eu nunca teria tido essa experiência no hospital. Fiquei muito emocionada”, conta Yara. A  mãe representa um movimento que, aos poucos, vem crescendo no país: a opção pelo parto domiciliar.

O pequeno Sol nasceu em casa, saudável. Foto: arquivo pessoal.
O pequeno Sol nasceu em casa, saudável. Foto: arquivo pessoal.

A escolha de parir em casa, porém, não é tão simples quanto parece. Apesar de ser um direito da gestante de ter seu bebê onde quiser, quem decide trocar o ambiente asséptico do hospital pelo conforto do lar enfrenta uma série de preconceitos. A maioria dos médicos é contra a alternativa por conta de possíveis emergências que mãe e filho podem enfrentar. Estando em casa, portanto, o risco de não conseguir chegar ao hospital mais próximo em tempo é grande. 

“É um debate eterno. Se a gestante analisar só o risco da complicação muito grave, opta pelo hospital. É preciso fugir desse desvirtuamento de que o parto é doença e de que sempre vai dar errado”, afirma o obstetra Carlos Miner Navarro, que foi professor de obstetrícia da UFPR e pioneiro a atender a partos domiciliares em Curitiba, em parceria com a enfermeira obstetra Adelita Gonzalez.

Quando começou a fazer partos em casa, a enfermeira sofreu muita discriminação. As críticas vinham de colegas da maternidade, de obstetras e, em especial, de pediatras. “A ideia de que a assistência ao parto precisa de um médico é cultural e cheia de mitos”, diz Adelita. Como o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) apoia a autonomia dos enfermeiros de realizarem partos, a presença do médico não é obrigatória.

Quem pode optar pelo parto domiciliar?

Apesar de favorável ao tema, o obstetra alerta que é preciso estar ciente de que existem riscos e, por isso, se preparar para possíveis emergências. Somente mulheres saudáveis e com gestação de baixo risco podem optar pelo serviço e, mesmo assim, o aval para um parto em casa só ocorre na 37ª semana de gravidez. Quem tem diabetes, hipertensão, problemas renais ou cardíacos não tem essa alternativa. Em alguns casos, há risco de que doenças como a pré-eclâmpsia (hipertensão) interrompam o plano do parto em casa.

Algumas vezes, as enfermeiras têm que rejeitar o serviço por não sentir segurança sobre a saúde da gestante. “Tenho consciência dos riscos e por isso tenho todo um planejamento. É uma responsabilidade, preciso ser criteriosa”, afirma a parteira Adelita Gonzalez, que já realizou mais de mil partos ao longo de 14 anos de profissão.

Segundo ela, a procura pelo serviço cresceu consideravelmente desde que começou a realizar partos em casa. Mas os números ainda não são expressivos. Em Curitiba, há dois grupos de enfermeiras obstetras além de Adelita responsáveis pelo trabalho, o Gaya e o Quatro Apoios. “Acredito que se tivesse mais grupos a demanda seria maior.”

Enfermeiras do Grupo Gaya, um dos poucos que atendem a partos domiciliares em Curitiba, auxiliam o parto de Yara Rossatto. Foto: Arquivo Pessoal
Enfermeiras do Grupo Gaya, um dos poucos que atendem a partos domiciliares em Curitiba, auxiliam o parto de Yara Rossatto. Foto: Arquivo Pessoal

Conselho de Medicina não recomenda

Tanto o Conselho Federal de Medicina quanto a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não recomendam o parto domiciliar. “Mas é o direito da mulher de parir onde, como e quando desejar”, afirma Olímpio Barbosa de Moraes Filho, Presidente da Comissão de Pré-Natal da FEBRASGO e Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade de Pernambuco.

E se o contexto brasileiro fosse semelhante ao dos países desenvolvidos, como Inglaterra, Holanda e Bélgica, em que o sistema de saúde pública apoia e incentiva os partos domiciliares? “Nesse caso, eu seria favorável, mas é uma realidade diferente. Aqui, 98% das mulheres parem nos hospitais”, diz Moraes Filho.

Um estudo conduzido pelo VU University Medical Centre, de Amsterdã, em 2014, comparou mais de 740 mil partos domiciliares e hospitalares e analisou os riscos de ocorrências adversas durante o período perinatal das mulheres com gestação de baixo risco. Conclusão: não há risco aumentado para os bebês que nasceram em casa quando o procedimento ocorre de forma integrada ao sistema público de apoio às gestantes.

Como funciona o parto domiciliar

Ao contrário do procedimento padrão seguido por muitas maternidades, os bebês que nascem em casa não saem da barriga da mãe direto para os exames – alguns considerados invasivos e desnecessários pelas defensoras do parto humanizado; cada avaliação é feita aos poucos, respeitando o tempo da mãe e da criança.

Adelita afirma que todos os exames essenciais são feitos na hora: o apgar (que avalia a vitalidade do bebê), o capurro (que identifica a idade gestacional da criança), o teste do pezinho, a medição do peso e da estatura e a avaliação física geral.

“Estando tudo bem, tudo é feito em casa, a mulher não precisa ir ao hospital. A única obrigação é levar o bebê ao pediatra entre  as primeiras 24 ou 48 horas, para realizar exames que competem ao médico, como o teste do olhinho”, explica a parteira.

Quanto custa?

No Brasil, os valores variam entre R$ 4 a R$ 10 mil. Em Curitiba, o preço médio fica entre R$ 5.500 a R$ 6.500 reais. O pacote inclui as consultas domiciliares do pré-natal, o dia do parto com toda a assistência da equipe de enfermagem, consultas do pós-parto – que podem ser de duas a três – e o primeiro atendimento do pediatra.

É obrigatório ter uma doula?

Não. Como a função da doula é fornecer apoio emocional e informativo à gestante, fica a critério dela optar pelo serviço ou não. E, ao contrário do que muita gente pensa, as doulas não têm permissão de realizar partos ou qualquer procedimento médico – elas podem apenas acompanhar o processo.

Preparação da casa

Não é preciso muito: um espaço em que a gestante se sinta confortável, de preferência aquecido, com banheira ou piscina inflável e lençóis plásticos. Outros equipamentos, como balão de oxigênio e kit de primeiros socorros, são de responsabilidade da equipe que vai atender ao parto.

“O ambiente deve estar limpo, mas não precisa ser esterilizado. Ao contrário do que se pensa, os partos domiciliares têm baixo risco de infecção”, esclarece Navarro. O risco torna-se uma ameaça quando a mulher passa muitas horas em trabalho de parto depois que a bolsa se rompe.

“Segue-se uma tradição porque alguém em algum momento definiu que 24 horas é o máximo a se esperar depois que a bolsa estoura. A recomendação é ir para o hospital após 12 horas de trabalho de parto”, explica. Segundo o médico, ao longo das horas, as bactérias naturais da vagina – benéficas para a região – passam a fazer mal ao bebê, causando infecção.

O parto

“Cada parto é único e pode levar tempos diferentes para acontecer. Já atendi a um que levou três dias; em alguns, nem dá tempo de chegar”, conta a enfermeira. Os partos mais longos, porém, são os mais incomuns, segundo Adelita.

Se durante o monitoramento da gestante e do bebê tudo estiver bem, não há por que se assustar. A cada período de tempo, os profissionais conferem a pressão e temperatura da mãe, assim como os batimentos cardíacos do bebê.

“É um processo realmente doloroso, mas uma experiência muito positiva. Em nenhum momento tive medo ou achei que alguma coisa fosse errada”, afirma Yara, mãe de Sol.

No caso da professora de pilates Lariessa Rissmann Lakhsmi, 34, passaram-se 27 horas até que Clarice viesse ao mundo, em 2013. Apesar do longo período, a gestante não sentiu vontade de ir ao hospital, já que ela e o bebê estavam saudáveis. A menina nasceu com 2,8 kg e 48 cm. “Foi um novo nascimento pra mim”, conta. Durante todo o trabalho de parto, ela afirma que se sentiu muito à vontade. “Conversei, dei risadas. Eu estava no lugar mais lindo e seguro do mundo, onde passei os nove meses gestando minha filha.”

Foto: Nanci Novak / Arquivo Pessoal
Foto: Nanci Novak / Arquivo Pessoal

Quando ir ao hospital?

São três as razões que levam a uma mudança de planos durante o parto domiciliar: quando a mãe opta por analgesia, quando o parto não evolui e é necessário fazer uma intervenção ou, em casos extremos, quando há uma emergência. Nesta situação, a transferência até o hospital é feita através do SAMU. Nos outros casos, o transporte fica por conta dos pais.

Registro de nascimento

Após o parto, a enfermeira emite a declaração de nascido vivo (DNV), que deve ser apresentada pelos pais ao cartório para, então, efetivar o registro de nascimento.

Os pais devem buscar um cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais mais próximo do local do parto em até 15 dias depois do nascimento, ou o cartório mais próximo de sua residência.

LEIA TAMBÉM

>>> Em caso raro, médico salva vida de bebê ainda na barriga da mãe em Curitiba

>>> Dieta Mayr-Kur: mudança radical na alimentação que reduz barriga e cura enxaqueca

>>> Trabalho de parto? Veja quais são os primeiros sintomas

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]